terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Tribunal Constitucional dá luz verde à lei das ordens profissionais

 

Os juízes do Tribunal Constitucional (TC) pronunciaram-se, no dia 27 de fevereiro, pela não inconstitucionalidade da nova lei das ordens profissionais, tendo-se registado dois votos de vencido e a consequente declaração de voto.

“O Tribunal Constitucional não considerou desrespeitados quaisquer princípios ou normas constitucionais, não se pronunciando, consequentemente, no sentido da inconstitucionalidade de nenhuma das disposições fiscalizadas”, disse o presidente, João Caupers, que leu, em sessão pública, no Palácio Ratton, sede deste tribunal superior, a decisão do coletivo de juízes que valida a alteração legislativa promovida pelo Governo e remetida para fiscalização preventiva do TC a pedido do Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, formulado a 1 de fevereiro.

Segundo a nota publicada então, o PR considerava que o decreto da Assembleia da República (AR) suscitava “dúvidas relativamente ao respeito de princípios como os da igualdade e da proporcionalidade, da garantia de exercício de certos direitos, da autorregulação e democraticidade das associações profissionais, todos previstos na Constituição da República Portuguesa”. Por consequência, o chefe de Estado, “tendo em atenção a certeza e a segurança jurídicas”, decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade pelo TC, o Decreto n.º 30/XV da Assembleia da República, que “altera a legislação relativa às associações profissionais e o acesso a certas profissões reguladas”.

O diploma foi aprovado em votação final global, a 22 de dezembro de 2022, na AR, com votos favoráveis do Partido Socialista (PS), da Iniciativa Liberal (IL) e do Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Contra estiveram o Partido Social Democrata (PSD), O Chega (C) e o Partido Comunista Português (PCP), enquanto o Bloco de Esquerda (BE) e o Livre (L) se abstiveram.

Agora, pelo Acórdão n.º 60/2023, o TC decidiu “não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas do Decreto n.º 30/XV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, II Série – A, número 151 – Suplemento, de 23 de janeiro de 2023, e enviado ao Presidente da República para promulgação como lei, que procede à alteração da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais”, contidas: a) no artigo 2.º, na parte em que altera: o n.º 9 do artigo 8.º, a alínea e) do n.º 2 do artigo 15.º, a alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º e o artigo 20.º, todos da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro; b) no artigo 3.º, na parte em que adita o artigo 15º-A à mesma Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, Lei das Associações Públicas Profissionais (LAPP). 

Após ter recebido o requerimento do PR, que apresentava as dúvidas de constitucionalidade quanto à composição do júri de avaliação dos estágios profissionais, à composição do órgão disciplinar (ambas por integrarem elementos não inscritos na respetiva ordem), ao estatuto do provedor (por alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da autorregulação, às incompatibilidades para o exercício de quaisquer funções dirigentes na função pública (por alegada violação do princípio da igualdade) e à composição e competências do órgão de supervisão (por a maioria ser de não inscritos na respetiva ordem e o Presidente não poder ser um dos inscritos). Estas disposições, alegadamente, violariam o princípio da igualdade e o da proporcionalidade, a autonomia e a autorregulação no interior de cada ordem profissional. 

Previamente à sua decisão, o TC solicitou o esclarecimento do Presidente da AR, no atinente à génese (projetos do PS e do PA) e à evolução do processo legislativo, designadamente as entidades ouvidas (Conselho Nacional das Ordens Portuguesas, as várias Ordens, confederações sindicais, algumas associações, Autoridade da Concorrência e Provedora de Justiça), bem com as propostas de alteração (do PSD, do PS e do PCP) e os relatórios (da discussão na generalidade e da discussão e votação final global).

A fundamentar a decisão, os juízes do TC dissiparam as dúvidas do PR, com base na Jurisprudência do Tribunal, bem como na da Comissão Constitucional, que enformava as decisões do Conselho da Revolução em matéria da apreciação da constitucionalidade, antes da primeira revisão constitucional, e na doutrina formulada e fixada pelos constitucionalistas. Além disso, desmistificaram o sentido literal ou o sentido paraliteral (conforme os casos) de algumas normas constitucionais invocadas, não raro ao serviço de uma postura corporativista e do fechamento da organização e enclausuramento de associação profissional pública, que exerce um poder público por delegação do Estado, mas que tende a esquecer o interesse público e a lesar os utentes.  

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Em reação ao acórdão do TC, o bastonário da Ordem dos Economistas disse que o Tribunal é “competente nesta matéria e tomou a decisão: está tomada”. “É um órgão de soberania e cabe-nos, naturalmente, respeitar as decisões que são tomadas”, insistiu em entrevista à RTP, frisando, no entanto, que o facto de o TC considerar que não é inconstitucional “não quer dizer que não seja inapropriada”.

António Mendonça sustenta que a contestação tem a ver com o facto de as alterações legislativas que foram aprovadas relativamente à legislação anterior (de 2013 a 2015) serem “inapropriadas do ponto de vista do exercício e das competências próprias das ordens enquanto associações públicas profissionais”, sendo ainda “limitadoras do próprio funcionamento democrático das instituições”. E avançou à RTP que já estava marcada uma reunião das ordens profissionais para o dia 1 de março, para fazer o ponto de situação e analisar de que modo podem as ordens atuar após a decisão do TC.

Após a decisão do TC, cabe ao Presidente da República promulgar o diploma para valer como lei ou vetá-lo politicamente, devolvendo-o à AR, com mensagem a expor as razões políticas da discordância. Não obstante, Marcelo Rebelo de Sousa revelou que promulgará o diploma sobre as ordens profissionais, considerado constitucional pelo TC. Com efeito, o que o chefe de Estado pretendia era “segurança” e “certeza”.

“Havia 18 ou 19 ordens profissionais que entendiam que o diploma era muito inconstitucional, o governo entendia o contrário, tal como a maioria da Assembleia da República, nada como o TC clarificar isso”, afirmou o chefe de Estado em declarações aos jornalistas, no final de uma cerimónia no Instituto Superior Técnico, em Lisboa.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, a decisão do TC “significa que deu luz verde à maioria do parlamento e ao governo para fazer a intervenção pretendida em termos do novo regime” das ordens profissionais.

Como escrevia o constitucionalista Vital Moreira, a 2 de fevereiro, o PR não tem razão quanto à objeção do suposto “princípio de autorregulação” das ordens profissionais, pois não há “nenhum direito constitucional nem a criar ordens profissionais nem à autorregulação profissional”. São decisões discricionárias do Estado, que precisam de fundamentação e que são reversíveis.

A única condição constitucional é a gestão democrática (autogoverno) das ordens profissionais que sejam criadas (o que não está em causa), sem prejuízo da tutela estadual, por serem entidades públicas no exercício de poderes públicos delegados pelo Estado.

Quanto à regulação e disciplina profissional, que pertencem originariamente ao Estado, este só a atribui às ordens profissionais, como autorregulação e autodisciplina, nas condições estabelecidas na lei, não havendo direito natural ou constitucional a uma autorregulação e autodisciplina geral e absoluta da parte das ordens.

As ordens não são apenas entidades reguladoras, São também entidades de representação e defesa de interesses profissionais, o que gera o risco de enviesarem o exercício dos seus poderes públicos de regulação (acesso à profissão, poder disciplinar, etc.), em função dos interesses corporativos e em prejuízo dos utentes e do interesse público. Este fator pode justificar a imposição de um provedor dos direitos dos clientes e a participação de leigos nos órgãos de supervisão e de disciplina profissional, o que não lhes prejudica a autonomia.

Para Vital Moreira, como para o TC, o facto de o conselho de supervisão não ser composto só por membros designados pelos órgãos eletivos das ordens (pois inclui membros cooptados) não viola o princípio democrático, o qual só vale para os órgãos de governo das ordens (conselho e bastonário), não fazendo sentido aplicá-lo ao órgão oficial independente de regulação profissional, com poderes delegados pelo Estado.

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As ordens ou associações profissionais públicas têm de se adaptar ou esperar por nova maioria parlamentar.

2022.02.28 – Louro de Carvalho

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