segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A incerteza da eficácia da máscara é como a do guarda-chuva

 

Andou o Mundo, em dois anos, fiado numa certa eficácia das máscaras para conter a “surpresa” da covid-19 e, agora, estudos ditos científicos põem em causa a eficácia desse instrumento de proteção individual e também fautor da proteção coletiva. É certo que houve outras formas de combater a propagação do SARS-CoV-2, mas a máscara foi imposta, praticamente, em todos os lugares e mantém-se obrigatória em alguns. Vêm agora a que propósito?

A CNN Brasil (24/02) e o Expresso (27/02) dão-nos conta de que o estudo “Intervenções físicas para interromper ou reduzir a propagação de vírus respiratórios” – que se arvora em revisão sistemática e agregação, em que pontificam epidemiologistas britânicos – analisou os resultados de 78 pesquisas feitas em várias partes do Mundo, antes e durante a pandemia de covid-19, para determinar a eficácia real do uso de máscaras e da higiene das mãos, para deter a transmissão de doenças respiratórias, como a covid, a infeção respiratória aguda grave e a gripe.

Pronunciando-se sobre a eficácia da proteção de boca e nariz contra gripes, durante a última pandemia, concluem que, “provavelmente”, usar máscara “faz pouca ou nenhuma diferença”.

A principal conclusão causou grande surpresa e polémica: “Não há certeza se o uso de máscaras ou respiradores N95/P2 ajuda a retardar a propagação de vírus respiratórios”, disseram os epidemiologistas. Nestes termos, segundo eles, “o uso de máscara pode fazer pouca ou nenhuma diferença em quantas pessoas contraíram uma doença semelhante à gripe ou à covid-19; e, provavelmente, faz pouca ou nenhuma diferença em quantas pessoas têm gripe ou covid-19 confirmada por um teste de laboratório”.

Como fica explícito, os próprios autores do estudo alertam para inconsistências nos dados. E os especialistas em saúde pública portugueses também levantam dúvidas sobre os resultados. Quer dizer que a única conclusão segura é a dúvida, prevalecendo a incerteza sobre matéria tão grave, o que parece dar razão aos céticos.

Boa parte da polémica foi criada por um artigo do jornalista norte-americano Bret Stephens publicado no jornal The New York Times. O jornalista conservador que já questionou, no passado, as mudanças climáticas, mas que mudou de ideia após uma viagem à Groenlândia, declarou que o estudo comprovaria que as máscaras simplesmente não ajudam em nada na tentativa de deter a covid-19. “Aqueles céticos que foram furiosamente ridicularizados como excêntricos e ocasionalmente censurados como ‘desinformadores’ (por serem contra as máscaras) estavam certos. Os principais especialistas que apoiaram (as máscaras) estavam errados. Num mundo melhor, caberia a este último grupo reconhecer o seu erro, juntamente com os seus consideráveis custos físicos, psicológicos, pedagógicos e políticos”, escreveu.

O artigo é criticado na Internet pelo exagero e atendendo ao caráter não definitivo do estudo.

Da autoria da organização sem fins lucrativos Cochrane Library, base de dados de revisões sistemáticas de estudos científicos (entidade muito respeitada pelos seus estudos relacionados à saúde pública), para qual trabalharam 12 epidemiologistas, liderados pelo professor britânico Tom Jefferson, a avaliação agora publicada assenta na meta-análise de 78 trabalhos sobre a utilização de máscara e a higienização das mãos durante períodos gripais até 2016, incluindo a gripe pandémica de 2009, e na pandemia de SARS-CoV-2. Os autores, muito conceituados na área, escrevem que a utilização de máscara, “provavelmente, faz pouca ou nenhuma diferença” na transmissão de ambos os vírus respiratórios. Isto é, não evita o contágio. 

Já a lavagem das mãos tem, pelo menos, uma taxa de sucesso de 14%, “sugerindo um provável benefício”. “Seguir um programa de higiene das mãos pode reduzir o número de pessoas que contraem uma doença respiratória ou semelhante à gripe, ou têm gripe confirmada, em comparação com pessoas que não seguem esse programa”, disseram os epidemiologistas.

Contudo, é preciso confirmar que é mesmo assim, alertam.

Em todo o estudo é repetida a palavra “provável”. A justificação está no risco de viés nos dados de base dos artigos que integram a revisão pela Cochrane, que os autores dizem ser “muito elevado” ou até “desconhecido”.

A maioria dos 78 trabalhos científicos é relativa ao vírus influenza e apenas seis à covid-19, no caso feitos no México, Dinamarca, Bangladesh, Inglaterra e Noruega. Os dados foram recolhidos em múltiplos contextos, como escolas, unidades de saúde, na comunidade, entre outros, e em todos os tipos de países, dos subdesenvolvidos aos mais ricos. Com efeito, a diversidade na informação é essencial para apurar conclusões. Não obstante, pode ser uma barreira, quando não é sujeita ao método científico. Por isso, os autores são cautelosos: “O elevado risco de viés nos estudos, a variação na medição dos resultados e a relativa adesão às intervenções (máscara e lavagem das mãos) durante os estudos dificultam tirar conclusões seguras.”

Aliás, como refere o Expresso, os autores referem que são necessários estudos sobre a utilização das máscaras concomitantemente com outras intervenções físicas para evitar o contágio, sobretudo em idosos e crianças. “De certeza que a máscara teve um impacto importante em conjunto com o distanciamento, o confinamento e a lavagem das mãos. Este estudo é muito importante para nos alertar para a necessidade de uma avaliação científica rigorosa do que se passou durante a pandemia”, diz Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. E dá o exemplo da China: “Quando retiraram as medidas de proteção, tiveram 70% da população infetada.”

Partilhando com os peritos internacionais os receios sobre a qualidade dos dados, diz: “Grande parte da meta-análise é baseada em estudos até 2016, quando quase ninguém usava máscara. Nos estudos durante a pandemia, a utilização foi muito heterogénea e medir populacionalmente o uso de máscara é muito ineficaz e, assim, o impacto será muito limitado. Além disso, é dada a mesma importância aos 78 estudos, quando alguns têm apenas oito mil pessoas.”

Salienta haver “muitos outros estudos que dizem que a utilização correta de máscara é eficaz. “Quando olhamos para a evolução da pandemia em Portugal, vemos claramente as duas alturas em que Portugal se foi libertando das máscaras. Nesses dois momentos, houve mais casos, internamentos e mortes, com especial evidência na população mais velha, mostrando o impacto protetor prático que as máscaras tiveram. Isto é superevidente em maio de 2022, quando as máscaras deixaram de ser obrigatórias em quase todos os locais, com exceção dos serviços de saúde e lares.”

Também António Vaz Carneiro, presidente do Conselho Diretivo do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, sustenta que, respeitando os princípios da medicina baseada na evidência, medidas de grande impacto social exigem dados científicos muitíssimo sólidos. E defende: “É natural que os estudos, e este em particular, venham agora a ser mal interpretados por cada um dos lados. É um excelente trabalho para se pensar no futuro.”

Considerando que o estudo contraria uma das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a pandemia, que foi o uso sistemático das máscaras respiratórias para evitar a disseminação do novo coronavírus e que a recomendação se mantém, a CNN Brasil ouviu Julio Croda, médico infeciologista da Fiocruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que afirmou que “a revisão da Cochrane apesar da metodologia correta, não é a melhor forma de responder se as máscaras funcionam como medida de saúde pública”.

Julio Croda afirma que os próprios autores do estudo “deixam claro que, na maioria dos ensaios clínicos analisados, não houve um desenho adequado, com falha de acompanhamento e falta de importantes informações como a qualidade das máscaras, tempo de uso, adesão e utilização correta em adultos e crianças”. E lembra que “a evidência de eficácia no nível da população não é a mesma que a evidência em indivíduos ou em laboratórios” e que “os ensaios clínicos individuais não são um bom método para avaliar as intervenções populacionais”.

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Para lá da provável pouca eficácia, o aumento do número de horas de uso da máscara, acarreta sintomas incómodos. E Paula Filipa Moreira da Silva aponta, em Perceção do Impacto na Cavidade Oral do Uso Intenso de Máscaras de Proteção, de 2021 (que sintetizo), a vermelhidão nas bochechas, a boca seca, a ponta do nariz vermelha, as orelhas vermelhas, a transpiração e, no caso das máscaras N95, também a irritação cutânea, que geram outras infeções que requerem tratamento e cuidados.

Além destes incómodos, há o desconforto, a falta de ar, as tonturas e dores de cabeça, a que se juntam a diminuição dos níveis de oxigenação da hemoglobina, inversamente proporcional ao aumento do tempo de utilização da máscara, e as lesões no tecido local, resultantes das compressões provocadas pelos elásticos/tiras das máscaras, com efeito irritativo sobre os nervos sensoriais superficiais subjacentes com enfase no ramo do nervo trigémeo ou occipital que enervam o rosto, a cabeça e a região cervical. Por outro lado, a utilização da máscara pode trazer alterações do bem-estar geral a nível da cavidade oral, tornando a pessoa mais vulnerável a sensações de desconforto. Além disso, aumenta os níveis de higiene oral, pela sensação de halitose; o bruxismo, a tensão, a dor na articulação tempero-mandibular, em virtude do aumento do stresse e da ansiedade; o bloqueio na expressão facial, que leva à diminuição de percetibilidade de expressões e de posições labiais; a protusão da mandibula ou a invasão da dimensão de descanso muscular, pela sensação de boca seca, pelo estiramento repetitivo dos músculos ou pelo sistema esquelético orofacial, com alterações na interposição da oclusão dentária.

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São os custos e incómodos – geralmente efémeros – de um, até agora, provável benefício para o indivíduo e para a comunidade. Porém, é de salientar o caráter não definitivo do estudo em causa, apesar da enfatizada competência dos especialistas, tal como a conjugação do conjunto das medidas tomadas e impostas ou recomendas para conter a propagação da covid-19 e de outras infeções respiratórias: confinamento, higienização das mãos, distanciamento físico, uso da máscara, desinfeção de superfícies, etiqueta respiratória, vacina. Cada uma das medidas é insuficiente, mas a conjugação delas evitou muitos dissabores à comunidade.

Aliás é como a (in)suficiência do guarda-chuva: protege da chuva, mas não totalmente, sobretudo se o vento soprar forte. Por isso, também se usa o gorro, a gabardina, as botas, etc.

2023.02.27 – Louro de Carvalho    

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