terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O mito da poupança de 30% nas obras da JMJ

 

Foi assaz badalada a orçamentação da construção do altar-palco no futuro Parque Tejo na margem do Trancão, o custo das fundações e a construção de um altar-palco no Parque Eduardo VII, em Lisboa, para receber o Papa e a próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Face ao dito escândalo provocado pela enormidade da despesa prevista, em contradição com a propalada sobriedade do Papa Francisco (o Vaticano remeteu a responsabilidade para as entidades locais), foi anunciada, pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Fundação JMJ, um abatimento de 30% em relação aos custos previstos, com destaque para os elogios do Presidente da República e para o agradecimento à empresa construtora do altar-palco junto ao Trancão, que aceitou a redução, sem exigir qualquer indemnização.

Estou à vontade para falar sobre o tema, porquanto não contestei, explicitamente, o montante das despesas previsto. É óbvio que me sensibilizou a enormidade da despesa, face à pobreza e à crise energética e de bens essenciais, como me pareceu grande uma despesa deste quilate em torno de um evento eclesial, no contexto de uma Igreja que se diz serva e pobre. Porém, como as entidades responsáveis acenavam com as vantagens advenientes do facto de tais equipamentos virem a servir para eventos futuros e com um grande retorno económico, a única objeção que deixei é a de que tais equipamentos não deveriam ficar estruturalmente presos a símbolos religiosos, os quais deveriam ser amovíveis e apostos aquando dos eventos em que tal se justificasse.

Não partilho a ideia de um laicismo, secularismo ou aconfessionalidade de Estado, que impeça a cooperação dos poderes públicos (governo e autarquias) com as Igrejas, em regime de igual tratamento, adequado à representatividade e ao volume de iniciativas. A amovibilidade que preconizei dos símbolos religiosos era apenas funcional.

Não percebo o acento posto no facto de as despesas da JMJ de Madrid terem ficado por conta da Igreja e das empresas privadas, por duas razões. Em primeiro lugar, o futuro Parque Tejo representa uma valorização daquela zona ribeirinha, o que postula que o atinente ao ordenamento do território com interesse público e às estruturas e infraestruturas necessárias seja da responsabilidade do Estado e das autarquias interessadas. E, em segundo lugar, sabe-se que as empresas portuguesas preconizam a filosofia de menos Estado para haver melhor Estado, mas estão sempre à espera do Estado para lhes acudir nas suas insuficiências e nos seus desmandos. Explícito foi o sempre elogiado Horta Osório, quando garantiu que em 10 anos poderíamos duplicar a riqueza nacional, se o Estado injetasse dinheiro público nas empresas privadas que tivessem projetos inovadores! Aliás, muitas das nossas empresas usam todos os estratagemas pra fingirem ao fisco, ainda que seja através da criação de fundações com vista a estudos ou a ações de beneficência, ou pela fixação da sede em países estrangeiros.   

Duvida-se do retorno económico da JMJ. Em termos nominais, o Estado, os municípios e a Fundação JMJ até podem ficar endividados. Porém, seria de fazer contas ao retorno indireto, via comércio e turismo, em Lisboa e arredores. Ter-se-ia evitado a gritaria, se a Fundação JMJ tivesse negociado com o Vaticano e com o Santuário de Fátima a deslocação do evento para aquela cidade mariana, tornada altar do Mundo.

Em Lisboa, tudo é caro, tudo é criticado e tudo acaba por se fazer. Foi o Centro Cultural de Belém, foi a Ponte Vasco da Gama, foi a Expo 98, foi a Gare do Oriente. A única exceção parece que é o novo aeroporto de Lisboa, cuja localização anda a discutir-se, há 54 anos, com encargos de estudos que se fazem e caducam à medida que passa o tempo, mas além dos quais se jogam interesses particulares, instalados ou a instalar.

Foi pena que as negociações não tivessem sido ponderadas a tempo e a comunicação ao público tenha sido um tanto desgarrada e com todos a alijarem as responsabilidades para outrem, esquecidos de que todas as instituições merecem respeito e têm de dar-se ao respeito, independentemente de quem sejam as pessoas que as dirijam e as sirvam. Ora, a JMJ foi um compromisso assumido, perante a Santa Sé, pelo Patriarcado de Lisboa, pela Presidência da República, pelo Governo e pelo Município de Lisboa. Todos os países o testemunharam. Espera-se que a gritaria não venha a prejudicar o evento, útil para a Igreja Católica e, pelo retorno – direto e/ou indireto –, para a sociedade e para a sua economia.

Porém, não me convence a notícia da poupança de 30% nos custos do altar-palco para o Parque Tejo, onde decorrerá a vigília e a missa de encerramento da JMJ.

Lembro-me de que, se um cidadão quiser comprar uma casa projetada para quatro quartos e lhe pedirem 400 mil euros, poderá não querer fechar o negócio. E, se lhe propuserem um custo de apenas 280 mil euros para uma casa de dois quartos e com redução do espaço exterior, o potencial contraente verá, efetivamente, uma redução de custos em 30%, mas não ficará com um edifício equivalente. Se aceitar o negócio, pagará menos, mas ficará mais pobre em património.

Será o que acontece com a JMJ. O altar-palco junto ao Trancão terá um custo de 2,9 milhões de euros, em vez dos 4,24 milhões iniciais, mas a altura passará de nove metros para quatro e a área passa de 5.000 metros quadrados para 3.250 metros quadrados, perdendo visibilidade e acolhimento de muitos circunstantes litúrgicos. Por outro lado, como se trata de terreno pouco sólido (é a transformação de um aterro sanitário em parque urbano), as fundações têm de ser feitas na mesma e custam 1,063 milhões de euros.

Nestes termos, o custo do altar-palco do Trancão não traz uma poupança efetiva e pode comprometer uma futura utilização em eventos. Dizem que não temos espetáculos para mais de 80 mil participantes, mas poderemos vir a ter. Conta-se que os críticos da obra do Marquês do Pombal, quando viam rasgar-se as ruas que desembocam na Praça do Comércio, apontavam a sua desmesurada largura, mas o governante respondia: “Há de vir tempo em que elas serão estreitas!”

O que pode trazer alguma redução de custos será o altar-palco a instalar no Parque Eduardo VII, onde será celebrada a missa inaugural, sob a presidência do Cardeal Patriarca de Lisboa, será recebido o Papa e a partir do qual se fará a via-sacra.

O custo passa de cerca de dois milhões de euros para 450 mil euros e, deixando de ser encargo da Câmara Municipal de Lisboa, passa para a área da responsabilidade da Fundação JMJ. Todavia, resta saber se a estrutura será objeto de cortes e, se em vez de um altar-palco que empreste alguma dignidade às celebrações, não ficaremos com uma simples miniatura.

Resta, ainda, fazer uma referência ao local da celebração do Papa com os voluntários no território do município de Oeiras. Consta que há um empresário de eventos que se voluntariou para trabalhar pro bono na preparação da JMJ. Porém, o equipamento a utilizar (propriedade do aludido empresário) nesse número da JMJ será o mesmo do Nos Alive, que ocorrerá uns dias antes, mas cujo aluguer custará sensivelmente o dobro do custo do espetáculo de julho, sem haver necessidade de desmontagem e de remontagem.

Portanto, quanto a redução de custos na JMJ, estamos conversados. Só espero que a JMJ seja um grande evento para a Igreja Católica, para a imagem de Portugal, para a economia e para eventos futuros. E faço votos por que a especulação imobiliária não venha a transformar o que se diz vir a ser uma zona verde num campo de edificado a preços astronómicos, levando a que a força do dinheiro se sobreponha ao bem-estar das populações, que precisam de ar puro para respirar e de espaços de lazer.

2023.02.14 – Louro de Carvalho

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