segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia: ameaça nuclear ou bluff?

 

Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, há um ano, paira sobre a Europa e sobre o Mundo a ameaça nuclear. O assunto surge nos discursos dos mais altos responsáveis que dirigem superiormente as operações deste combate, que alguns, incluindo Vladimir Putin, pensavam que seria resolvido a breve trecho, mas que agora julgam interminável, pelo menos de forma satisfatória.

O presidente russo fez questão de apresentar a Federação Russa como a maior potência nuclear do Mundo, embora deixando no ar a determinação de só usar armas de destruição maciça em resposta a ataque da outra parte (mas não tendo dificuldade em lançar mão delas, se for preciso), isto é, da Ucrânia ou dos apoiantes ocidentais, aos quais assaca a responsabilidade pelo conflito.

Por seu turno, os Estados Unidos da América (EUA) avisaram que a ameaça é real, mas que não há qualquer indicação concreta de que tal venha a acontecer (seria a aniquilação). E o Papa Francisco advertiu que seria uma loucura utilizar armas nucleares. Até ao presente, tem imperado o bom senso, a bem da Humanidade, apesar dos ataques infligidos, dos mísseis lançados, das cidades destruídas, das populações em trânsito e das pessoas mortas, feridas e estropiadas.

Há nove países no Mundo que possuem armas nucleares (13.100 ogivas ao todo, segundo números de 2021), com a Rússia e os EUA à cabeça, concentrando 91% das ogivas que se saiba existirem na Terra. A Rússia está à frente, com cerca de 6200 ogivas. Seguem-se os EUA, com pouco mais de 5500. O Reino Unido e a França são os dois países europeus com armas nucleares. Israel, Paquistão, Índia, China e Coreia do Norte perfazem o grupo dos nove. As razões invocadas para o desenvolvimento e posse destas armas destruidoras são a segurança e a estratégia militar. Estes têm sido os grandes argumentos dos países que guardam este armamento altamente perigoso e superpotente – que, a bem do Mundo, não tem sido utilizado. 

Já muitos não têm memória de Hiroxima e de Nagasaki, no Japão, que fazem a grande página negra da História mundial na contemporaneidade. Duas armas nucleares, as únicas usadas até hoje, duas cidades completamente arrasadas, milhares de mortes, a radioatividade a alastrar, o Mundo em choque. Na Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam Hiroxima e Nagasaki, com apenas três dias de diferença. A 6 de agosto de 1945, uma bomba de fissão de urânio explodiu em Hiroxima e, a 9 de agosto, Nagasaki era arrasada com uma bomba de fissão de plutónio. São dias que o Mundo nunca mais poderá esquecer e que nunca mais deverá querer repetir.

Entretanto, a cientista política Nataliia Kasianenko (natural de Kharkiv, no leste da Ucrânia), professora na Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno, sustentou, em declarações à Lusa, que a ameaça de escalada nuclear da guerra na Ucrânia é bluff e uma estratégia dissuasiva do presidente russo, Vladimir Putin. Penso francamente que Putin está a fazer bluff no que toca a armas nucleares e ao poder nuclear. É a única coisa que a Rússia pode usar como dissuasivo do Ocidente, contra o poder militar ocidental” – vincou a analista. 

Este amálgama ocidental abrange, pelo menos, os EUA, o Reino Unido e a União Europeia (UE).

Tem havido, efetivamente, alusões a uma escalada tanto por parte de Putin como dos seus aliados. Em janeiro, o vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitry Medvedev, avisou que “a derrota de um poder nuclear numa guerra convencional pode desencadear uma guerra nuclear”. 

Mas a politóloga analisa as ameaças no contexto de um conflito, que não correu como esperado pelo Kremlin, e uma aliança mais forte que o previsto em torno da Ucrânia. Assim, acredita que o presidente russo usa a carta nuclear, de forma a ameaçar o Ocidente e a evitar que os países ocidentais ofereçam mais apoio ao povo ucraniano. Certamente Putin entende que, se tentar usar armas nucleares, a retaliação será forte e o poder russo não poderá sobreviver a isso. 

Todavia, considera que o perigo imediato é a preparação de um ataque renovado para coincidir com o primeiro aniversário da invasão. “Estamos preocupados, porque ouvimos falar de planos de novos avanços do lado russo e há tropas a serem reunidas na fronteira”, disse Kasianenko, referindo que 300 a 500 mil militares estão preparados para voltar a entrar. Com efeito, Putin adora aniversários, pelo que a data de 24 de fevereiro é algo que os ucranianos não estão ansiosos por ver. Há, pois, receio de nova tentativa de invasão alargada para tomar Kiev. 

A sombra de uma escalada na guerra paira sobre a difícil situação interna na Rússia, embora Kasianenko afaste a ideia de que Putin seja desafiado. Houve, de facto, muita discussão sobre a erosão do poder e sobre as lutas internas na Rússia em 2022. Alguns acreditavam que os generais percebessem que o plano de Putin de ocupar a Ucrânia em poucos dias falhara e tentassem tomar o poder. Porém, isso não aconteceu, não é previsível e talvez não seja o rumo bom para a solução. 

A analista disse que a ideia de que Putin estaria sozinho na sua determinação de ocupar a Ucrânia não corresponde à realidade. Tem apoiantes e as elites que o alimentam com certas narrativas dizem-lhe que a Rússia pode e vai ganhar esta guerra.

Kasianenko frisou que os russos que são contra a guerra já deixaram o país, numa vaga de fugas que atingiu os milhões desde o início do conflito. As outras pessoas estão em silêncio e a tentar evitar a política, porque têm medo, pois a natureza da opressão na Rússia intensificou-se, de forma dramática, desde a primavera de 2022. 

A solidez da aliança transatlântica (NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte) também contribuiu para o isolamento russo. Apesar da discussão nos círculos políticos – dos EUA a alguns países europeus – o apoio tem-se mantido com alguma consistência. E a China, que aumentou o consumo de energia russa, não se pôs, em definitivo, ao lado do Kremlin, como se receava. 

“A China tem tentado andar na linha e basicamente apelar aos dois lados, ao Ocidente e à Rússia”, frisou Kasianenko, sublinhando: “Em termos de apoio militar e de diplomacia, parece que os chineses estão a enviar uma mensagem de que a guerra não é uma coisa boa para a comunidade global e os chineses prefeririam ver a guerra a terminar.” 

Kasianenko acredita que Putin só estaria disposto a terminar já o conflito, se a Rússia pudesse manter os territórios ocupados. “Mas esses não são termos que os ucranianos estivessem dispostos a aceitar, considerando quantas pessoas morreram a lutar pela Ucrânia e o facto de que uma percentagem tão grande do território foi brutalmente ocupada”. Os ucranianos não negoceiam nesses termos. Não é só a questão de parar o conflito e a guerra, é o custo para a Ucrânia.  

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As armas nucleares são dispositivos explosivos cuja força destrutiva deriva de reações nucleares de fissão ou de reações nucleares de fissão e fusão combinadas. E a menor e mais simples arma nuclear será mais destrutiva e poderosa do que a maior das armas convencionais.

Nas armas de fissão, a energia é produzida por meio de reações nucleares de fissão, enquanto, nas armas nucleares de fusão, é usada uma bomba de fissão para ativar um combustível de fusão, produzindo uma explosão muito mais exotérmica e catastrófica do que a bomba de fissão.

Existem dois tipos básicos de armas nucleares. As primeiras são armas que produzem a energia por meio de reações nucleares de fissão. São as bombas atómicas ou bombas de fissão, cujo potencial explosivo varia de uma a 500 mil toneladas de dinamite. O segundo tipo, as bombas de hidrogénio ou bombas de fusão, produz incrível quantidade de energia por meio de reações de fusão nuclear. Tais dispositivos são até mil vezes mais destrutivos do que as bombas de fissão.

No modelo de fissão nuclear, a energia é produzida por meio de reações nucleares de fissão, em que um átomo se desintegra em átomos menores e em outras partículas subatómicas, num processo altamente exotérmico. Exemplo de reação de fissão nuclear é a que ocorre com o urânio-235 (235U), utilizada na confeção da bomba atómica Little Boy, de Hiroshima.

Nas bombas de fusão nuclear, chamadas de bombas de hidrogénio ou termonucleares, usa-se uma bomba de fissão para comprimir e aquecer um combustível de fusão, como hidreto de lítio deuterado sólido (LiD). Após a detonação da bomba de fissão, são emitidos à velocidade da luz raios gama (γ) e raios X, comprimem o combustível de fusão e, em seguida, aquecem-no a temperaturas termonucleares. Então, ocorre a reação de fusão dos isótopos de hidrogénio e são produzidos diversos neutrões acelerados, os quais induzem fissão em materiais que normalmente não eram propensos a tal reação, como o isótopo natural do urânio (238U).

A maior bomba de fusão nuclear já detonada foi a Tsar Bomb, pela antiga União Soviética, cujo poder destrutivo era de cerca de 50 milhões de toneladas de dinamite.

As armas nucleares podem ser desenvolvidas com diversas potências. A unidade mais usada é a que correlaciona a quantidade de trinitrotolueno (TNT), que produziria a mesma quantidade de energia da ogiva nuclear, quase sempre um múltiplo de toneladas (t) de TNT.

A bomba atómica utilizada em Nagasaki, a Fat Man, tinha o poder de 20 kt (quilotoneladas) de TNT, poder destrutivo equivalente a 20 mil toneladas de TNT. Já a Tsar Bomba, uma bomba de hidrogénio desenvolvida e testada pela União Soviética, possuía 50 Mt (militoneladas) de TNT, o equivalente a 50 milhões de toneladas de TNT. Mas a Tsar Bomba foi inicialmente desenvolvida com um poder de 100 Mt de TNT e teve o poder energético diminuído por temor das forças russas.

O site Nukemap, do portal Nuclear Secrecy, simula a explosão causada por uma arma nuclear em qualquer lugar do Mundo. Com ele, pode-se simular quantas pessoas seriam mortas e feridas com a explosão da Tsar Bomb numa região, o raio do impacto e os efeitos.

As consequências da arma nuclear (explosão e radiação) são, basicamente, as de um explosivo convencional, mas com produção de energia muito maior, alcançando níveis de temperatura muito maiores. A isto soma-se a emissão de radiação de alta energia.

Na explosão nuclear há, primeiro, a libertação imediata de radiação, seguida pela bola de fogo que se desenvolve de imediato, emitindo radiação térmica (luz e calor). E logo ocorre o pulso de altíssima pressão (onda de choque), que se propaga às regiões adjacentes à explosão.

Os efeitos da explosão nuclear também dependem da potência e do tipo da arma, se uma ou mais armas são utilizadas, se a explosão ocorre no ar, no solo, abaixo do solo, abaixo do mar, em camadas densas da atmosfera (troposfera, por exemplo), em camadas de atmosfera rarefeita (estratosfera), do tipo do terreno e das condições do tempo.

A energia libertada por arma nuclear é a da explosão (cerca de 50% da energia); a da radiação térmica (cerca de 35% da energia); a da radiação ionizante imediata (cerca de 10% da energia); e a da radiação residual (cerca de 5% da energia).

Quando uma explosão nuclear atinge uma cidade, as consequências são catastróficas. Os danos dependerão da distância do hipocentro, ou seja, o ponto de explosão da bomba.

No hipocentro, tudo será instantaneamente vaporizado pelas altas temperaturas (atingem mais de 300 milhões de graus Celsius). Distanciando-se do hipocentro, a maioria das fatalidades e dos danos resulta de queimaduras, objetos arremessados, devido à onda de choque e à exposição aguda à radiação. Danos em regiões mais distantes provêm de calor, de radiação e de incêndios causados pela onda de calor. Forma-se uma chuva de elementos radioativos, que se mantém por dias e até por semanas em regiões bem distantes do hipocentro. As partículas radioativas afetam a água e são inaladas ou ingeridas por pessoas em distâncias distantes do epicentro da explosão.

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É de ver no que os decisores meterão o mundo, se optarem pela espiral nuclear. Tenham tento!

2023.02.20 – Louro de Carvalho

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