terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Junta militar de Myanmar matou 3.000 civis desde o golpe de Estado

 

A Associação de Assistência aos Presos Políticos (AAPP) de Myanmar (a antiga Birmânia) denunciou que, pelo menos 3.000 civis (entre os quais se contam 300 crianças), morreram no país, devido à repressão dos militares desde o golpe de Estado lançado pelo exército em fevereiro de 2021. E o seu relatório não inclui as vítimas que lutaram conta a junta militar.

É uma verdadeira catástrofe humana.

A 3.000.ª vítima foi identificada pela AAPP como a freira Sate, “queimada viva” na região de Sagaing, não tendo conseguido escapar de um ataque a Let Pan Hla, no município de Khin-U, localidade em que vivia a religiosa, de 70 anos, e onde cerca de cem militares da junta militar e da milícia Pyu Saw Htee incendiaram todas as casas.

Como já apontado, entre as 3.000 vítimas, incluem-se 300 crianças, mortas pela artilharia da junta militar, por ataques aéreos, ou baleadas enquanto brincavam.

O balanço, divulgado pelo portal de notícias The Irrawaddy, ligado à oposição birmanesa, adianta que 1.229 pessoas, ou seja, quase 41% do total das pessoas mortas, foram assassinadas pela junta militar e pelas milícias paramilitares Pyu Saw Htee, da região de Sagaing. Em segundo lugar da lista de locais com maior número de vítimas, ficou a região vizinha, Mandalay, contabilizando 350 mortos, enquanto a região de Rangoon registou 316, colocando-se em terceiro lugar.

Além do número crescente de mortos, a quantidade de pessoas que teve de deixar as suas casas por causa da repressão preocupa as Nações Unidas: 1,2 milhões de pessoas permanecem deslocadas dentro do país e outras 700.000 tiveram de deixar Myanmar nos últimos dois anos.

A este número somam-se os milhões de muçulmanos da etnia rohingya que fugiram do país, nas últimas décadas, devido à perseguição de que são alvo.

As Nações Unidas referiram que há muitas infraestruturas danificadas, dando como exemplo os mais de 34.000 edifícios públicos, hospitais, escolas e locais de culto que foram incendiados.

Já neste ano de 2023, pelo menos, 118 civis foram mortos pelas forças da junta, embora a associação que ajuda os presos políticos considere que o número real será muito maior.

O regime decidiu, no início de fevereiro, manter o atual estado de emergência por, pelo menos, mais seis meses, o que abre portas à manutenção da repressão que se tornou especialmente evidente nas semanas após o golpe contra o governo da vencedora das últimas eleições reconhecidas, Aung San Suu Kyi.

Os militares tomaram à força o poder em Myanmar, a 1 de fevereiro de 2021, com o pretexto de fraude nas eleições do ano anterior, que foram esmagadoramente vencidas pelo partido pró-democracia de Aung San Suu Kyi, acima referida.

Após o golpe de Estado, a junta militar assegurou que organizaria novas eleições, estimando que só acontecessem em agosto de 2023, já que o país, que entrou num violento conflito civil, deveria primeiro ganhar “paz e estabilidade”. Entretanto, vem realizando uma repressão sangrenta, numa tentativa de suprimir a oposição pública ao seu governo, registando-se, de acordo com a AAPP, além dos 3.000 mortos agora denunciados, quase 15.900 presos.

Entre os presos pela junta militar, incluem-se líderes eleitos, legisladores, manifestantes pacíficos, jornalistas, estudantes, funcionários públicos em greve, professores, médicos, e até crianças. A junta também prendeu mais de 450 membros da família de ativistas antirregime, quando as suas tropas não conseguiram encontrá-los em casa.

No final de janeiro, Volker Türk, alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, alertou para a “regressão geral em termos de direitos humanos” em Myanmar nos quase dois anos que decorreram desde o golpe de Estado. E, afirmando que o revés afeta os direitos económicos, sociais, culturais, civis e políticos dos cidadãos, pediu às autoridades de facto a libertação de todos os presos políticos, incluindo a ex-conselheira de Estado e Prémio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, como forma de resolver a crise humanitária.

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Face à contínua escalada da violência, às graves violações dos direitos humanos e às ameaças à paz, à segurança e à estabilidade em Myanmar, o Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE), reunido a 20 de fevereiro, em Bruxelas, adotou “medidas restritivas contra nove pessoas e sete entidades”.

Foram objeto de sanções, entre outros, o ministro da Energia, destacados empresários que apoiaram a repressão exercida pelo regime com armas e bens de dupla utilização e oficiais de alta patente das Forças Armadas de Myanmar estreitamente associados ao regime. Encontram-se, igualmente, incluídos na lista políticos e administradores da região de Rangum implicados no processo de condenação à morte e execução de quatro ativistas pró-democracia, em julho de 2022, e do estado de Cachim, onde foram responsáveis pela supervisão de ataques aéreos, massacres, rusgas, fogo posto e ainda do recurso a escudos humanos, atos praticados pelas forças armadas.

Entre as entidades constantes da lista, contam-se elementos dos departamentos do Ministério da Defesa e de uma empresa pública sob a sua jurisdição, bem como de empresas privadas que fornecem combustível, armas e fundos às forças armadas.

Ao todo, as medidas restritivas aplicam-se agora a 93 pessoas e 18 entidades. As pessoas designadas estão sujeitas a um congelamento de bens e à proibição de viajar, o que as impede de entrar ou transitar pelo território da UE. Além disso, é proibido a pessoas e entidades da UE disponibilizarem fundos às pessoas e entidades incluídas na lista de sanções.

Continuarão em vigor outras medidas restritivas da UE: embargo às armas e a equipamentos e restrições à exportação de equipamento para a monitorização de comunicações, utilizável para fins de repressão interna; proibição de exportação de bens de dupla utilização, para uso das forças armadas e da polícia de fronteiras; e ainda a proibição da prestação de formação militar às Tatmadaw (nome oficial das forças armadas de Myanmar) e de cooperação militar com esta entidade. Por outro lado, as medidas restritivas, agora tomadas, vêm acrescentar-se à já em vigor suspensão de assistência financeira da UE diretamente destinada ao Governo e ao congelamento de toda a assistência da UE que possa ser considerada como legitimadora da junta militar.

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A 1 de fevereiro de 2022, 1.º aniversário do golpe militar, em resposta ao apelo da conferência episcopal do país, a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) convocou os benfeitores e amigos em todo o mundo para fazerem daquele dia uma jornada de oração e de solidariedade para com a Igreja deste país asiático.

O presidente executivo internacional da AIS vincava, em comunicado, que aquele dia de oração procurava ser “um sinal de solidariedade e de fraternidade” para com a Igreja local, lembrando todas as “vítimas inocentes” da violência que irrompeu no país ao longo de 2021.

Entre os estados que mais sofreram estão os de Chin, Kayah e Karen, marcados por longos conflitos étnicos e onde o exército se tem confrontado com milícias armadas. E, ainda que minoritária, há uma presença considerável de população cristã nestes estados, facto que tem motivado um acréscimo de preocupação por parte da AIS.

Aquela fundação pontifícia dizia estar a seguir de perto a situação vivida pelos cristãos no país, “apesar das enormes dificuldades de comunicação”, e sublinhava que, “pelo menos, 14 paróquias no estado de Kayah foram abandonadas, com muitos padres e irmãs refugiados na selva ou em aldeias remotas, acompanhando as populações locais.

“Outros – referia a AIS, em comunicado – optaram por ficar em aldeias quase desertas”. E havia o relato de que, “entre os milhares de deslocados, cerca de 300 pessoas, na sua maioria idosos, mulheres, crianças e deficientes, teriam procurado abrigo no complexo da catedral de Kayah.

A Igreja local tem sido porto de abrigo de deslocados e de vítimas que precisam de apoio, de comida, de água, de abrigo e de medicamentos. As populações “fogem da violência, por vezes brutal, que tem vindo a ocorrer um pouco por todo o país”, como foi o caso do “massacre de, pelo menos, 35 civis inocentes, queimados e mutilados na aldeia de Mo So, também no estado de Kayah, na altura do Natal” de 2021, assinalava a AIS.

De acordo com as Nações Unidas, a 17 de janeiro de 2022, o número oficial de deslocados em Myanmar ultrapassava já os 405 mil, estimando-se que o número de pessoas em risco de pobreza tenha chegando aos 25 milhões (quase metade da população) durante o ano de 2022, sendo que, destes, cerca de 14 milhões precisavam de ajuda humanitária urgente.

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Enfim, vive a Europa e o Ocidente, em geral, a situação de guerra entre a Federação Russa e a Ucrânia (a que se aliou o Ocidente: pelo menos os Estados Unidos da América, o Reino Unido e a UE). Todavia, não podem esquecer-se e descurar-se as guerras internas em diversos países, assinaladas pelas Nações Unidas, como é o caso de Myanmar, onde as pessoas são detidas, presas ou mortas, muitos fogem, as estruturas físicas e sociais são destruídas, a pobreza está em ascendente e quase generalizada escalada, uma etnia é violentamente escorraçada – tudo em flagrante violação dos direitos humanos e do desígnio da paz.

2023.02.21 – Louro de Carvalho

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