quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

A situação bélica em vésperas do 1.º aniversário da guerra na Ucrânia

 

Para que não haja dúvidas do apoio dos Estados Unidos da América (EUA) à Ucrânia, o presidente norte-americano, Joe Biden, chegou a Kiev, a 20 de fevereiro, com mais um pacote de ajuda no valor de 500 milhões de dólares. E o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, agradecido, frisou que esta é a visita mais importante na história das relações entre os dois países.
Para evitar mal-entendidos, a Rússia foi alertada “umas horas antes” da visita, disse Jake Sullivan, Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, segundo o qual não tem precedentes modernos  esta visita (só decidida a 17 de fevereiro, apesar de ter levado meses a preparar), pois foi a primeira vez que um presidente norte-americano visitou “a capital de um país em guerra onde os militares dos EUA não controlam as infraestruturas críticas”.
Os media estatais russos apelidaram a viagem de golpe publicitário, antes de Biden lançar a candidatura a segundo mandato, considerando Zelensky uma marioneta do líder norte-americano. Os analistas pró-Kremlin sustentam que a visita prova que os EUA estão a empreender uma “guerra por procuração” na Ucrânia e que Washington é o verdadeiro inimigo de Moscovo.
O ex-presidente Dmitry Medvedev, ora número dois do Conselho de Segurança da Rússia, disse que Biden recebeu garantias de segurança antes da viagem a Kiev. “Prometeu muitas armas e jurou lealdade ao regime neonazi até à morte”, escreveu no Telegram. “E claro houve encantos mútuos sobre a vitória que chegará com as novas armas e um povo corajoso”, acrescentou.
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Pouco antes das 11,30 horas locais, as sirenes soaram em Kiev, pois um Mig-31 russo descolou, com destino desconhecido, da Bielorrússia, armado com um míssil hipersónico Kinzhal, que os ucranianos não conseguem abater. Porém, Joe Biden e Volodymyr Zelensky, avessos ao alarme, deixavam o Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas e abeiravam-se do Muro da Memória, para depositarem duas coroas de flores ante os retratos dos mais de 4500 soldados que morreram desde que a Rússia anexou a Crimeia, em 2014. E os dois presidentes trocaram um abraço.
“Um ano depois, Kiev está de pé. E a Ucrânia está de pé. A democracia está de pé”, sublinhou Biden, no Palácio Mariinsky, a residência oficial do presidente ucraniano, onde sido recebido, horas antes, à entrada, por Zelensky e pela sua mulher, Olena Zelenska, perguntando pelos filhos de ambos, tendo confessado momentos antes: “Quando Putin lançou a invasão, há quase um ano, pensou que a Ucrânia estava fraca e que o Ocidente estava dividido. Pensou que poderia sobreviver a todos nós. Mas ele estava totalmente errado.”
O presidente dos EUA, que usou gravata azul e amarela (cores da bandeira ucraniana), passou mais de cinco horas na visita a Kiev, a qual pretende mostrar o indubitável apoio dos EUA. E Zelensky escreveu, no seu canal oficial de Telegram: “[Esta foi] a mais importante visita na história das relações [entre os dois países].
A ajuda militar que acompanhava Joe Biden inclui munições de artilharia, obuses e mísseis antitanque Javelin, mas nenhuma das armas de longo alcance desejadas pelos ucranianos, os caças de fabrico ocidental. Todavia, a promessa de mais armas é “sinal inequívoco de que as tentativas da Rússia para ganhar não terão sucesso”, vincou Zelensky.
Biden levou também a Kiev a promessa de mais sanções contra as elites e as empresas russas.
Ao mesmo tempo, em Bruxelas, os chefes da diplomacia da União Europeia (UE) discutiam mais um pacote de sanções europeias contra a Rússia. O alto representante da UE para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell, diz que é “uma questão de horas” até ser aprovado. E os 27 falaram também da aceleração do fornecimento de armas à Ucrânia. E Borrell advertiu que, se este apoio falhar, “o resultado da guerra está em risco”. E a falta de armas e de munições tem sido preocupante, quando se espera nova ofensiva. A Rússia dispara cerca de 50 mil tiros de artilharia por dia e a Ucrânia precisa do mesmo nível de capacidade. Tem canhões, mas falta-lhes munições.
Em reunião, no dia 21, o secretário-geral da Organização do tratado do Atlântico Norte (NATO), Jens Stoltenberg, e o chefe da diplomacia ucraniano, Dmytro Kuleba, para discutiram o tema.
O Reino Unido equacionou o envio, para breve, do equipamento militar desejado por Zelensky.
O Japão acaba de prometer ajuda financeira no valor de 5,5 mil milhões de dólares a Kiev, depois de já ter dado 600 milhões de ajuda humanitária de emergência. E o Japão, que lidera, neste ano, o G7, anunciou, ainda, uma reunião por videoconferência com os líderes das sete maiores economias do mundo no dia 24, o aniversário da invasão, em que participaria Zelensky.
Por seu lado, o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, defendeu um programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) de apoio à Ucrânia, no valor de 16 mil milhões de dólares ao longo de quatro anos. “Para lá do apoio providenciado pela Europa, para lá do apoio providenciado pelos países do G7, é importante que o FMI se mobilize pela Ucrânia”, disse antes de um encontro dos homólogos do G20, a decorrer na Índia. E o FMI indicou ter alcançado um acordo para providenciar um empréstimo à Ucrânia.
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Entretanto, o presidente da Rússia, a 21 de fevereiro, Vladimir Putin, no discurso anual do estado da Nação, há muito adiado, para vésperas do 1.º aniversário da invasão da Ucrânia, criticou as nações ocidentais, acusando-as de fomentar conflitos. Avaliando os progressos da campanha militar e a situação internacional, clamou:É um momento histórico para o nosso povo.” E garantiu que a Rússia alcançará os seus objetivos na Ucrânia “passo a passo, com cuidado e consistentemente”, ao mesmo tempo que descreveu o momento que o país vive como “difícil”.
Foi no dia 21 de fevereiro de 2022 que Vladimir Putin ordenou a mobilização do Exército russo para “manutenção da paz” nos territórios separatistas pró-russos no leste da Ucrânia – prelúdio para o início da ofensiva militar contra a Ucrânia que aconteceria poucos dias depois.
Desde 2014, ano da “libertação” desnazificadora da Crimeia, o Donbass “lutou, defendeu o direito de viver na sua própria terra, falar a sua língua nativa, lutou e não desistiu sob as condições do bloqueio e bombardeios constantes, o ódio indisfarçável do regime de Kiev e acreditou e esperou que a Rússia viesse em seu socorro”, explanou o presidente russo. O chefe do Kremlin referiu que, entretanto, a Rússia fez “todo o possível” para resolver o problema por meios pacíficos e “negociou pacientemente” uma saída pacífica deste conflito “muito difícil”. E sublinhou que este é um momento de viragem para a Rússia e para o Mundo.
Vladimir Putin acusou os EUA e o G7 de fornecerem armamento à Ucrânia e afirmou: “Foram eles que que desencadearam a guerra”. E sustentou que o Ocidente “simplesmente ganhou tempo”, envolveu-se “em truques e fechou os olhos para assassinatos políticos, repressões do regime de Kiev, troça dos crentes e cada vez mais encorajou os neonazistas ucranianos a liderar ações terroristas em Donbass”. “O planeta está cheio de bases americanas […] Defendemos a vida, o Ocidente quer poder”, disse o presidente russo, que enfatizou: “Mesmo antes do início da operação militar especial, Kiev estava a negociar com o Ocidente o fornecimento de sistemas de defesa aérea, aeronaves de combate e outros equipamentos pesados para a Ucrânia.” E, acusando, novamente, a Ucrânia de ter tentado “adquirir armas nucleares”, vincou: “Atacam a nossa cultura, a nossa Igreja […] e querem obrigar os sacerdotes a abençoar casamentos homossexuais. A família é a união de um homem e de uma mulher.”.
Explicando, Putin acusou os EUA e os seus aliados da NATO de declararem abertamente o objetivo da derrota da Rússia na Ucrânia.
Após o rol de críticas ao Ocidente, dirigiu-se ao país e agradeceu “ao povo da Rússia pela coragem” e porfiou que os “traidores da Rússia devem ser perseguidos e levados à Justiça.
O presidente russo declarou, ainda, que Moscovo suspende a sua participação no tratado New START, o último pacto de controlo de armas nucleares que restava com os EUA, aumentando a tensão com Washington. E defendeu que a Rússia deveria estar pronta a retomar os testes de armas nucleares se os EUA o fizessem, uma medida que poria fim à proibição global de testes de armas nucleares, em vigor desde os tempos da Guerra Fria.
Por fim, fez a análise da situação económica – difícil, mas não como o Ocidente a descreve – e apelou ao investimento dos mias ricos e à mobilização de todos para a produção de riqueza.
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Em discurso na capital da Polónia, no dia 21 – depois da sua visita-surpresa a Kiev e após o discurso de Putin –, o presidente norte-americano quis afirmar que “a NATO está mais unida do que nunca”. “Putin subestimou-nos”, disse Joe Biden, garantindo que os EUA irão continuar a apoiar a Ucrânia, “independentemente do que suceda”.
A três dias de ser assinalado o primeiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, Joe Biden salientou que, um ano depois, “Kiev permanece de pé e firme”. “Respondemos, ficamos mais fortes e permanecemos unidos. O mundo não virou a cara”, disse o presidente norte-americano.
“O artigo 5.º da NATO mantém-se sólido e a Rússia sabe disso”, disse Biden, para vincar: “Um ataque a um de nós é um ataque a todos nós. Este é um juramento sagrado.”Um ano depois, Putin já não duvida da força da nossa coligação, mas ainda duvida das nossas convicções”, disse o presidente norte-americano. “Duvida de que permaneçamos unidos. Mas não deve haver qualquer dúvida: o nosso apoio à Ucrânia não vai diminuir, não seremos divididos e não entraremos em fadiga”, afiançou. E, porfiando que “a Ucrânia nunca será derrotada pela Rússia” e que “esta é a luta que vai definir o mundo”, Joe Biden declarou que “o Ocidente não pretende atacar a Rússia, como Putin afirmou hoje. Os Russos não são o nosso inimigo. Esta guerra não é uma necessidade, é uma tragédia. Putin escolheu esta guerra.”
Ainda na capital polaca, Biden garantiu, em reunião com o homólogo polaco e com o primeiro-ministro, que o comando militar norte-americano na Europa ficará instalado na Polónia, pois este país é importante para os EUA, por ser o país da NATO que tem a maior fronteira com a Ucrânia.
Por fim, é de registar que a China – aliada da Rússia, embora não cooperante neste conflito – lhe apresentou um plano de paz, uma solução política para a guerra, o que levou Putin a dizer que esperava com ansiedade a chegada do homólogo chinês ao país e a enaltecer as mútuas relações.
Todavia, o governo ucraniano reagiu, dizendo que Pequim não consultou Kiev na preparação deste plano de paz. Não obstante, o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, que se encontrou com o homólogo chinês na Alemanha, revelou, em Bruxelas, que este o informara, verbalmente, dos elementos-chave do plano.  E, no dia 22, um alto responsável ucraniano avisou que nenhum plano de paz deve ultrapassar as linhas vermelhas de Kiev, incluindo concessões territoriais à Rússia, que ocupa territórios a leste e a sul. As linhas vermelhas são os princípios da carta da Organização das Nações Unidas (ONU), incluindo o respeito pela integridade territorial ucraniana.
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Aguardemos os próximos desenvolvimentos e esperemos a paz sem graves sequelas.

2023.02.22 – Louro de Carvalho


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