terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A proteção dos oceanos é uma causa global

 

É uma notável asserção do primeiro-ministro de Portugal, António Costa, na Cimeira dos Oceanos (ou Ocean Race Summit) no Mindelo, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, a 23 de Janeiro deste ano, efeméride a que a opinião pública parece ter dado importância diminuta, mas que representa a concretização de relevante ponto de agenda em prol dos oceanos, neste país-arquipélago assente em pleno oceano.

A cimeira, que também equacionou o problema financeiro inerente ao tema, realizou-se no Ocean Science Centre Mindelo, no âmbito da primeira passagem por Cabo Verde da Ocean Race (de 20 a 25 de janeiro), a maior e mais antiga regata do mundo.

Já a 21 de janeiro, o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou, após reunião com o primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, no Mindelo: “Precisamos de Justiça para aqueles que, como Cabo Verde, praticamente nada fizeram para provocar esta crise, mas pagam por causa dela um preço muito elevado. Cabo Verde tem demonstrado liderança climática em palavras e ações.” Com efeito, perspetivando a importância da visita a Cabo Verde, defendeu que o momento é de mais solidariedade e maior sentido de urgência e mais ambição.

Na sessão de abertura, intervieram o secretário-geral da ONU, o primeiro-ministro cabo-verdiano e o primeiro-ministro português. Seguiram-se vários painéis com políticos, especialistas, desportistas e ambientalistas cabo-verdianos e internacionais.

Da cimeira constou, também, a assinatura, entre os governos de Cabo Verde e de Portugal, de um memorando de entendimento para conversão de dívida num Fundo Climático e Ambiental (FCA).

Efetivamente, a 19 de janeiro, Ulisses Correia e Silva, em declarações à agência Lusa, anunciava: “Nós já iremos assinar um memorando de entendimento relativamente à transformação da dívida Estado a Estado, Cabo Verde e Portugal, para a sua aplicação em investimentos que aumentem a resiliência de Cabo Verde. No fundo, é a alimentação do Fundo Climático e Ambiental, através de uma comparticipação de Portugal, esperando que haja comparticipação de outros parceiros, bilaterais e multilaterais.”

O primeiro-ministro de Cabo-Verde disse tratar-se de um acordo que representa “um exemplo” e “um engajamento muito forte”, ante os efeitos que o arquipélago enfrenta com as alterações climáticas, nomeadamente a seca prolongada desde 2016, além da crise económica decorrente da pandemia de covid-19 e o impacto da crise inflacionista mercê da guerra na Ucrânia. E vincou: “Há muito tempo e sempre que se realizam as COP (Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), já houve várias, várias iniciativas. A questão do financiamento climático tem estado sempre sobre a mesa. Nós estamos aqui a construir uma solução muito boa, porque é um investimento, um financiamento, para aumento da resiliência e do aumento da capacidade do país superar as situações de eventuais crises. Isso é muito mais forte no percurso do seu desenvolvimento.” Segundo dados do Governo cabo-verdiano de 2021, a dívida de Cabo Verde a Portugal ascendia a mais de 600 milhões de euros. O memorando não fixa os valores, mas os mecanismos. Portugal e Cabo Verde vão trabalhar para a criação do FCA, segundo o princípio da transformação da dívida bilateral entre os dois países em financiamento ambiental e climático, nomeadamente a transição energética, o financiamento para garantir as condições de proteção da biodiversidade, naquela zona marítima, a questão associada à proteção da conservação da biodiversidade, também terrestre, e a política da água.

O secretário-geral da ONU, no discurso de abertura – focado na urgência das alterações climáticas e na linha da frente que são os oceanos e os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês), como Cabo Verde –, acusou a humanidade de estar a matar o mar e reclamou o apoio maciço internacional aos países em desenvolvimento, como uma das medidas para se acabar com a atual “emergência oceânica” e agradeceu ao governo e a Cabo Verde o empenho na conservação dos oceanos. E, este respeito, vincou: “Acabar com a emergência oceânica significa fornecer apoio maciço aos países em desenvolvimento que vivem com os primeiros e piores impactos da degradação do nosso clima e oceanos. Os países em desenvolvimento são vítimas de um sistema financeiro global moralmente falido, projetado pelos países ricos para beneficiar os países ricos.”

Estou profundamente frustrado com o facto de os líderes mundiais não estarem a prestar a esta emergência, uma emergência de vida ou de morte, a ação e os investimentos necessários. Estamos perante a luta das nossas vidas e infelizmente estamos a perdê-la”, afirmou António Guterres, que enfatizou: “As emissões continuam a aumentar, as temperaturas não param de subir, estamos prestes a ultrapassar o limite de 1,5 graus e, se nada for feito a caminho, na direção, dos 2,8 graus de aquecimento global até ao final do século. Seria uma catástrofe de consequências devastadoras. Várias partes do nosso planeta seriam inabitáveis, particularmente em África, e, para muitos, esta seria uma sentença de morte.”

O primeiro-ministro cabo-verdiano, enquanto anfitrião, manifestou a total adesão de Cabo Verde ao apelo do dirigente da ONU e explanou: “É neste sentido que Cabo Verde manifesta total adesão ao apelo do Secretário-geral das Nações Unidas, à ação para salvar os oceanos e proteger o futuro do planeta Terra. Colocamos justificadas expectativas na Coligação dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento pela Natureza, criada com o objetivo de mobilizar meios para a implementação dos objetivos ambiciosos a nível da biodiversidade. E, no apelo ‘Call for Action’, acrescento, ‘Now’. Gostaríamos que os temas e os compromissos que a Coligação pela Natureza propõe fossem considerados na Cimeira do Futuro a ter lugar em Setembro de 2023 e na próxima Conferência dos Oceanos das Nações Unidas em 2025.” 

Tal conferência será organizada pela França em conjunto com a Costa Rica.

António Costa, sustentou que “a proteção dos oceanos é uma causa global”, a abordar de forma multilateral, centrada nas Nações Unidas, através de processo participativo que envolva os governos e a sociedade civil e assente na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Na sua intervenção, António Costa relembrou a 2.ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas que decorreu em Lisboa, 27 de junho a 1 de julho de 2022, e da qual resultou a Declaração de Lisboa – intitulada “O nosso Oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade”.

O primeiro-ministro de Portugal, para quem importa “concretizarmos as nossas responsabilidades e caminharmos, em conjunto, para uma verdadeira agenda de proteção dos Oceanos, atingindo os compromissos assentes no Acordo de Paris e na Agenda 2030”, destacou a necessidade de uma estratégia credível para cumprir as metas de descarbonização e fazer face às alterações climáticas, que “passa obrigatoriamente por desenvolver uma transição azul a par de uma transição verde”. Assegurar o adequado financiamento destas transições é o objetivo.

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É de recordar que a ONU mantém coerentemente a sua linha de preocupação pelo clima e pelos Oceanos. No balanço de 2022, que efetuou a 19 de dezembro, António Guterres voltou a apelar aos líderes de governos, de empresas e da sociedade civil a que tomem novas medidas que sejam credíveis. E prometeu convocar “uma ambiciosa Cimeira Climática para setembro de 2023”, convidando “todos os líderes a participar” – convite aberto, mas com preço de entrada a pagar. E o preço “não é negociável”, sublinhou Guterres, revelando os objetivos: “Devem ser apresentadas novas ações credíveis e sérias e novas soluções para responder à urgência da crise climática.”

Após quatro anos de conversações e duas semanas de negociação, os Estados-membros da COP15 (Conferência da Biodiversidade), realizada em Montreal, Canadá (7 a 19 de dezembro de 2022), aprovaram um acordo histórico de proteção da biodiversidade global. O acordo, do penúltimo dia, prevê garantias de proteção de, pelo menos, 30% da terra e da água do planeta até 2030, com centenas de milhares de milhões de euros para a conservação de locais e espécies selvagens.

O biólogo português Humberto Rosa, ex-secretário de Estado do Ambiente, e líder da Direção-Geral para a Biodiversidade na Comissão Europeia (conselheiro de Guterres em matéria ambiental no governo) desejava, em declarações à Rádio Renascença (ainda não sabendo do acordo), que a COP15 fosse mais longe na definição de metodologias que permitam medir o estado e o progresso na defesa da biodiversidade. Entre os pontos mais complexos estão as questões do financiamento e da proteção dos recursos genéticos.

Observando que a biodiversidade não é problema autónomo face à crise da insustentabilidade global, diz que as alterações climáticas são a manifestação mais evidente da crise, mas que há “um declínio brutal da natureza porque estamos a desenvolver-nos à custa da biosfera”.

Com efeito, as alterações climáticas, a biodiversidade e a economia estão intrinsecamente ligadas. E, não sendo crível que a simples decisão da cimeira resolva problema tão vasto, pode, no entanto, contribuir para deixarmos de ser o que António Guterres exemplificou, ao referir que “o ser humano está a transformar-se numa arma de destruição maciça”. Há que parar com isso, não por estética, mas por dependência estrita. Do ponto de vista científico, está claro que a ação humana está a provocar esta enorme crise de natureza e biodiversidade no mundo. Na perceção da opinião pública, que determina a ação política, a biodiversidade tem menos “pedagogia da catástrofe” comparando com a das alterações climáticas, que está ilustrada com cheias, ondas de calor ou fogos florestais. E são os povos indígenas que mais cuidam do ambiente, sem benefício, quando os ricos, neocolonizadores, não aceitam ser “vítimas” da biopirataria.

Não obstante, começam a registar-se casos, como o declínio de insetos polinizadores, que ocorre na Europa e noutras partes do Mundo, com relação direta com a segurança alimentar. Isso é sentido pelas pessoas, como sucede com os plásticos nos oceanos ou com os fogos florestais, que ligam os temas da biodiversidade e das alterações climáticas. E o discurso político liga cada vez mais os dois temas, nomeadamente através das soluções baseadas na natureza, mais eficazes em tantas frentes. Na verdade, não se resolve o problema climático, se se degradar a natureza. A janela de oportunidade é curta. Os seres humanos precisam de números e de metas para se mobilizarem. Trabalha-se em décadas, por ser mais percetível para o ser humano cumprir os objetivos. Havendo metas climáticas para 2030, faz sentido que as outras metas interligadas, como a conservação, o restauro e o uso sustentável da natureza convirjam.

Assim o queiram as instâncias internacionais, os governos dos países, os cidadãos e os agentes económicos. As cimeiras temáticas em países assentes no Oceano são um belo contributo. E a cimeira de Cabo Verde é ponto de contacto entre a Conferência dos Oceanos de 2022 e a de 2025.

2023.02.07 – Louro de Carvalho

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