domingo, 19 de fevereiro de 2023

Inteligência artificial e tecnologias emergentes para a Justiça


O governo apresentou, a 17 de fevereiro, uma nova estratégia centrada na Inteligência Artificial (IA, em Inglês, AI – artificial intelligence) e nas tecnologias emergentes “para transformar a Justiça”, a Estratégia de Govtech. Cerca de 26 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) serão utilizados para desenvolver a primeira Estratégia de Govtech, especificamente dirigida ao setor da Justiça.

O termo GovTech (governance techonogies) formou-se à semelhança de outros modelos amplamente adotados, como, por exemplo, o FinTech (relacionado com as startups do setor financeiro) e o EdTech (para as soluções disruptivas no setor da educação). Extrai-se daí, portanto, um conceito básico de que as GovTechs promovem a transformação dos governos, pela união entre inovação tecnológica e as demandas governamentais. E tem com as startups que atuam na área três semelhanças: uso de ferramentas digitais; novas tecnologias relacionadas com a análise e a geração de dados; e pessoas que já transitaram entre as esferas pública e privada, altamente empenhadas em oferecer melhores serviços públicos ao cidadão.

Em comunicado, o Ministério da Justiça refere: “A iniciativa materializa-se num conjunto de projetos de inovação e transformação digital, desenvolvidos em colaboração com universidades, centros de investigação e startups com o objetivo de tornar os serviços da justiça mais ágeis e eficientes.” Com o mote “Juntos para transformar a Justiça”, a estratégia integra vários projetos de base tecnológica, que recorrem a ferramentas de inteligência artificial, e projetos de desenvolvimento de competências na área da inovação.

No evento de apresentação pública do Govtech Justiça, que decorreu, a 17 de fevereiro, com a presença da Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e dos secretários de Estado Jorge Alves Costa e Pedro Ferrão Tavares, foram apresentadas as soluções já implementadas e as iniciativas em curso. Entre elas, releva a já disponível: o pedido online de nacionalidade com validador automático da autenticidade de documentos, nesta primeira fase, para mandatários, possibilitando a entrada do processo totalmente desmaterializado e com automatismos e inteligência artificial que reduzem o trabalho manual.

Por outro lado, a anonimização de processos permitirá, em breve, publicar as sentenças de todas as instâncias, aumentando a transparência, melhorando a pesquisa de informação para os magistrados e, simultaneamente, reduzindo a afetação de funcionários dos tribunais para tarefas manuais, com recurso a um algoritmo de inteligência artificial. Efetivamente, a anonimização manual ocupa funcionários, que são necessários noutros misteres da área e absorve imenso tempo.

Outra das iniciativas é o Guia de Acesso à Justiça. Com lançamento previsto para março, este é o “primeiro modelo de linguagem avançada desenvolvido com machine learning na Justiça”, informando os cidadãos sobre os serviços mais adequados para cada situação. “Sem substituir as competências atribuídas aos mandatários, procura esclarecer e acompanhar para um melhor acesso à informação da Justiça, através do uso de tecnologia inovadora, com caraterísticas semelhantes ao ChatGPT” – refere o Ministério da Justiça.

A primeira versão do guia incidirá sobre a temática do casamento e do divórcio, e, no futuro, oferecerá informações relacionadas com os vários serviços prestados pelo sistema judicial, meios de resolução alternativa de litígios e registos.

Outra das medidas apresentadas foi a Automatização da Bolsa de Firmas e Denominações, que já se encontra em funcionamento e recorre a algoritmos de inteligência artificial para criar, de forma automática, nomes de empresas – tarefa aqui exclusivamente realizada por intervenção manual. Atualmente, encontra-se em desenvolvimento a funcionalidade que tornará possível a sugestão de nomes com base na área de atividade da empresa.

No evento em referência, foi também lançado o Desafios Justiça, um concurso de ideias inovadoras para a Justiça dirigido a startups, a universidades e a centros de investigação, cujo primeiro desafio será promovido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para a identificação de marcas através de imagens e conceitos.

O evento contou com a participação da deputada ao Parlamento Europeu (PE), Maria Manuel Leitão Marques, e com um testemunho de um representante da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que abordou o trabalho de inovação empreendido no setor da Justiça em Portugal.

Do investimento total PRR previsto para a Justiça, de cerca de 266,9 milhões de euros, já foram contratualizados mais de 39 milhões de euros para a modernização desta área, o que representa cerca de 15% do valor total previsto para a simplificação dos serviços eletrónicos para cidadãos e para empresas.

A IA vai passar a ser utilizada para ajudar os cidadãos no acesso à justiça, a validar a autenticidade de documentos e na divulgação anonimizada de decisões judiciais, segundo a estratégia que o Governo apresentou.

Fonte oficial do Ministério da Justiça adiantou à Lusa que “Portugal será o primeiro país a nível mundial a utilizar a mesma tecnologia que está na base do ChatGPT”, com o recurso a um modelo de “machine learning”, em que o sistema informático vai aperfeiçoando conhecimentos para informar as pessoas sobre os diferentes serviços na esfera judicial e dos registos que estão disponíveis através da Internet.

O ChatGPT é uma plataforma de conversação que deteta qualquer idioma. É através deste formato de diálogo que a IA e o utilizador comunicam.

O programa da Open AI é formado para projetar respostas a perguntas colocadas pelo utilizador, fornecer informações e resolver uma série de problemas. As respostas são naturais, isto é, dada a qualidade do texto, aparentam ser escritas por humanos. GPT significa “Generative Pre-Trained Transformer”, rede neural complexa que tenta projetar o comportamento dos neurónios humanos. Quando faz uma pergunta, o chatbot pesquisa na memória, para encontrar informações relevantes e usá-las para gerar a resposta. No fundo, o ChatGPT tem a capacidade de reter e processar dados de forma quase ilimitada, armazenando mais informação do que todas as enciclopédias.

A nova estratégia, que conta com parcerias com universidades e empresas startup na área tecnológica, vai ser aplicada também no âmbito da validação da autenticidade de documentos necessários para processos de concessão da nacionalidade, em que a IA deverá agilizar a desmaterialização dos pedidos.

Também está inserida neste projeto a anonimização das decisões dos tribunais, permitindo a sua divulgação pública sem colocar em causa os dados pessoais. Segundo a mesma fonte, a tecnologia vai permitir automatizar esse processo, retirando a necessidade de alocar funcionários judiciais para essa tarefa, que tem sido feita até agora de forma manual.

À TSF, o secretário de Estado da Justiça, Pedro Tavares, frisou que profissionais, como os advogados e os solicitadores, não serão substituídos. A IA vai passar a ser utilizada para ajudar os cidadãos no acesso à justiça, a validar a autenticidade de documentos e na divulgação anonimizada de decisões judiciais.

O Guia Prático da Justiça (GPJ) será um chat de perguntas e respostas. A partir de março, começa por responder a dúvidas sobre o casamento e divórcio. Por exemplo, um indivíduo que se queira divorciar pode ter à disposição, de acordo com o caso, os tribunais, os meios alternativos de resolução litígios ou mesmo, se for algo muito simples, pode fazer um registo, através da plataforma de entendimento à distância, a partir de videoconferência.

“O que nós temos é uma aplicação que utiliza a tecnologia mais avançada do mundo neste momento que é o CHATGPT, que vai permitir, em linguagem clara, orientar os cidadãos para que possam ter uma resposta ou ir ao tribunal ou ir a um meio alternativo, ou agendar rapidamente o seu caso no registo” – explicitou o governante.

A ferramenta vai lidar ainda com casos de nacionalidade, criação de empresas, “casos do óbito, em que as pessoas estão numa situação muitas vezes mais fragilizada”. E Pedro Ferrão Tavares espera que, no futuro, possa chegar a mais áreas da justiça. “Vamos construir isto também de acordo com aquilo que são as necessidades dos cidadãos e empresas, sempre sem substituir os mandatários, advogados e solicitadores” – disse.

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Esta estratégia, desenhada e apresentada pelo governo, vem ao encontro do desejo dos juízes, que desejam inteligência artificial nos tribunais, mas não para decidir por eles. Ou seja, os juízes querem utilizar a IA como um “assistente judicial eletrónico”, tornando clara a sua influência na tomada da decisão final.

A proposta consta da síntese do relatório Para uma Agenda de Reforma da Justiça, elaborado a pedido da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) por um grupo de reflexão coordenado pelo juiz conselheiro do Tribunal de Contas Nuno Coelho.

Os autores do documento dizem que há “particular interesse no debate sobre as condições ou limites da intervenção da inteligência artificial no processo de decisão judicial”, mas salvaguardam a necessidade de um uso regulado da IA e de uma “reflexão profunda” sobre “limites e regras aplicáveis”. Assim, os juízes querem levar a IA para os tribunais, transformando-a, numa primeira etapa, num “assistente judicial eletrónico” que ajude, por exemplo, a escrever sentenças, mas sem que o fazerem autonomamente.

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São bem-vindos os recursos que agilizem e tornem eficaz a Justiça, sem a desumanizarem, mas colocando-a ao serviço dos cidadãos e das empresas e tendo sempre em vista o interesse público, o bem comum.

2023.02.19 – Louro de Carvalho

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