quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Ucrânia responde a 90 ataques e Putin reforça armamento nuclear

 

As forças ucranianas, em 24 horas, de 22 para 23 de fevereiro, responderam a cerca de 90 ataques russos, que tiveram como alvos principais áreas nevrálgicas no nordeste e no leste da Ucrânia, estando agora a ofensiva russa concentrada na região nordeste de Kharkiv e nas regiões vizinhas de Lugansk e Donetsk, as quais fazem fronteira com a Rússia.

Efetivamente, a chefia do exército ucraniano, citada pela agência espanhola EFE, referiu: “A Ucrânia repeliu ataques perto de Kupiansk, no leste da região de Kharkiv, não muito longe da vizinha Lugansk, e nas cidades de Lyman, Bakhmut, Adviika e Shakhtarsk, em Donetsk, onde a Rússia está a concentrar os seus principais esforços ofensivos.”

O exército ucraniano afirmou que, na cidade estratégica de Bakhmut, os combates continuam “rua a rua”, pois o controlo da área permitiria que cada lado dispusesse de um corredor seguro para o transporte de armas e de soldados. E o Estado-Maior ucraniano informou que a Rússia lançou 19 ataques aéreos e 37 ataques com sistemas de foguete de lançamento múltiplo, danificando cidades e aldeias e ferindo um número indeterminado de civis.

Segundo Kiev, as forças russas mantêm a ofensiva na área, para obterem o controlo total sobre Donetsk, uma das quatro regiões que Moscovo anexou unilateralmente, em setembro de 2022, e que ainda não conseguiu ocupar totalmente. “Milícias locais apoiadas pela Rússia e grupos mercenários privados, tais como o Grupo Wagner, apoiado pelo Kremlin, têm prestado assistência às forças regulares russas na área e sofreram pesadas perdas”, afirmou o exército ucraniano, segundo agências locais, advertindo que a ameaça de ataques russos com mísseis “permanece elevada em toda a Ucrânia”.

Não obstante, o Estado-Maior ucraniano assegurou que as autoridades ucranianas continuam a reforçar as medidas de segurança em todo o país, marcando o primeiro aniversário do início da invasão. Com efeito, a Rússia iniciou a guerra contra a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, com uma invasão em grande escala, depois de ter concentrado milhares de soldados junto às fronteiras com o país vizinho.

Também, de acordo com a respetiva administração regional, no sudeste da Ucrânia, na região de Kherson, houve ataques no dia 22 de fevereiro, que mataram pelo menos dois civis. “Os ocupantes russos dispararam 71 tiros na região de Kherson. Atacaram com várias armas: MLRS [sistemas de lançamento de foguetes múltiplos], morteiros, artilharia, tanques e veículos aéreos não tripulados”, disseram as autoridades regionais.

A região está parcialmente ocupada pelo exército russo, que se retirou para a margem esquerda do rio Dnieper, em janeiro, deixando-a dividida em duas.

É recordar que, no final de setembro, a Rússia formalizou – com base em referendos convocados, dirigidos e controlados pelo poder político de Moscovo –, na legislação interna, a anexação das regiões de Kherson, Zaporijia, Donetsk e Lugansk, depois de ter feito o mesmo em 2014, na Crimeia. Todavia, nem Kiev nem a generalidade da comunidade internacional reconhecem a autoridade russa nas cinco regiões anexadas.

Desconhece-se o número exato número de baixas civis e militares, mas diversas fontes, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU), têm admitido que será consideravelmente elevado.

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Entretanto, depois de ter anunciado, no dia 21,no discurso do estado da Nação, que Moscovo suspende a participação no tratado New START, último pacto de controlo de armas nucleares que restava com os EUA, aumentando a tensão com Washington, o presidente russo anunciou o reforço da “tríade nuclear”: mísseis prontos para lançar de terra, do ar e do mar.

No dia 22, Vladimir Putin apelou, no palco do estádio principal de Moscovo, a um grande concerto patriótico, dizendo que o exército estava a lutar, na Ucrânia, pelas “terras históricas” da Rússia. E, desta vez, anunciou a entrada ao serviço, neste ano, dos novos mísseis balísticos intercontinentais Sarmat e, ainda, a entrega às forças armadas de mísseis hipersónicos Kinzhal e Tsirkon, tal como prometeu dar ao exército os meios de que necessitar para a guerra contra a Ucrânia. “Estamos a prestar particular atenção, como sempre, ao reforço da tríade nuclear [armamento capaz de ser lançado por terra, ar e mar]. Este ano, os primeiros lançadores do sistema de mísseis Sarmat serão postos em serviço”, explicitou o líder do Kremlin, num vídeo por ocasião do Dia do Defensor da Pátria, citado pela agência francesa AFP.

A mensagem foi distribuída pelo Kremlin (presidência) na véspera do primeiro aniversário da guerra da Rússia contra a Ucrânia, país que invadiu em 24 de fevereiro de 2022.

Segundo a agência espanhola EFE, os mísseis intercontinentais superpesados do tipo Sarmat, apelidados de Satanás II pelos militares ocidentais, podem transportar múltiplas ogivas nucleares.

Em abril de 2022, Putin descreveu o Sarmat como capaz de “provocar o fracasso de todos os sistemas antiaéreos” e que “fará refletir duas vezes aqueles que tentam ameaçar” a Rússia.

Na mensagem em vídeo, Putin, ao anunciar a entrega às forças armadas de mísseis hipersónicos Kinzhal e Tsirkon, garantiu que o complexo industrial militar russo “continuará a produção em série dos sistemas de mísseis hipersónicos Kinzhal lançados do ar” e iniciará a “produção em massa de mísseis hipersónicos Tsirkon lançados do mar”.

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Nunca é de mais evocar os acontecimentos principais que enformam esta guerra, que está longe de se circunscrever a dois países, o gigante Golias e o pequeno pastor da funda, como alguns quiseram fazer crer. 

Após ter anexado a Crimeia, em 2014, sem considerável resistência por parte da Ucrânia, a Rússia lançou, há um ano, uma ofensiva na Ucrânia, incluindo Kiev, a capital, mas as suas tropas acabaram por se concentrar no sul e no leste do país, face à resistência das forças ucranianas.

Face a revezes militares com pesadas baixas, Putin mobilizou, pelo menos, 300 mil reservistas em setembro, pelo que muitos observadores esperam nova grande ofensiva nas próximas semanas. “Um exército e uma marinha modernos e eficientes são uma garantia da segurança e soberania do país, uma garantia do seu desenvolvimento estável e futuro”, disse Putin no referido vídeo.

Referindo-se ao Dia do Defensor da Pátria, o chefe de Estado sentenciou: “Este feriado do povo simboliza a história heroica do nosso exército e da marinha, a relação indestrutível de todas as gerações de defensores da Pátria.”.

A Rússia integrou no seu território as regiões ucranianas de Kherson, Zaporijia, Donetsk e Lugansk, em 30 de setembro do ano passado, que totalizam, com a Crimeia, cinco anexadas, mas a Ucrânia e a generalidade da comunidade internacional não reconhecem a soberania da Rússia nas cinco regiões anexadas. E a recuperação daqueles territórios é uma das condições prévias exigidas por Kiev para participar em eventuais conversações de paz. Da sua parte, Moscovo rejeita tais condições e alega que Kiev tem de se adaptar à nova realidade.

A Rússia tem ameaçado recorrer a todas as armas, incluindo armas nucleares, para defender o seu território nacional, que integra agora, do ponto de vista de Moscovo, as cinco regiões ucranianas anexadas. E a última decisão presidencial é a do reforço do armamento nuclear.

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Está, assim, a guerra num impasse. A Ucrânia, que pretende conhecer o plano de paz, apresentado à Rússia pela China, não prescinde da retoma da Crimeia e das outras quatro regiões autónomas indevidamente anexadas (linhas vermelhas que definiu); e a Rússia não abdica das suas alegadas conquistas. O Ocidente juntou-se em torno da Ucrânia, sobretudo através Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), a que alguns países europeus, a norte e a leste, querem aderir, a princípio, de modo ténue e meio encriptada, do ponto de vista formal, mas, posteriormente, de forma clara e ativa. E a União Europeia (UE) também se vem incorporando no cortejo cooperante.

Ao longo do tempo de guerra, não bastando as naturais consequências da mesma nas economias, o Ocidente mimou a Rússia com vários pacotes de sanções económicas, pensando vencê-la pelo lado da asfixia económica. As sanções, contudo, não redundaram na aniquilação económica da Rússia, apesar de a sua economia não estar, eventualmente, tão saudável como Putin a proclama (nem é possível cuidar da criação de riqueza e fazer a guerra, num país tão extenso, mas não proporcionalmente populoso). As maiores consequências refletem-se na economia da Europa e nas economias de África, não tanto nos países como tais, mas nas suas populações mais carenciadas e nas pertencentes às classes média-baixa e média-média.

Assim, a crise energética parece ter vindo para ficar durante longo tempo e o cabaz dos bens essenciais parece escalar quatro ou cindo degraus de cada vez.  

E paira no horizonte a ameaça da escalada nuclear, que não sei se apenas será bluff, como alguém sustenta, ou se, num ato de desespero político-militar, alguém não acionará o sistema demolidor.

A guerra não deixa nada na mesma. A onda de destruição, de morte e de desolação fica visível durante muito tempo e deixa marcas indeléveis.

2023.02.23 – Louro de Carvalho

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