quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

A condição das mulheres está longe de ser satisfatória

 

 

Portugal ocupa a 29.ª posição no Índice Global de Desigualdade de Género (IGDG) à escala mundial. Entre nós, tal como em Espanha, as mulheres detêm cada vez maior representatividade, constituindo, dentro das empresas, metade da força de trabalho (50% de mulheres contra 50% de homens), mas só representam 31% dos lugares nos conselhos de administração e 6% dos Chief Executive Officer (CEO),segundo o estudo “​Women Matter Iberia”,​ da consultora McKinsey. E, em 45 empresas portuguesas e espanholas, que empregam mais de 300 mil pessoas, elas pedem mais flexibilidade e reconhecimento, o que é mais importante do que o salário, como dizem.

O relatório, elaborado no segundo semestre de 2022, contou com a participação de 300 mil funcionários de 45 empresas, um terço das quais são portuguesas. Trata-se da atualização de um estudo que tinha sido levado a cabo em 2017, como declarou ao Público Joana Magalhães Silva, sócia associada da McKinsey.

Homens e mulheres responderam sobre as expectativas para o trabalho e sobre a desigualdade que se continua a verificar entre géneros. Permanece a disparidade salarial de 10,1% entre os dois sexos. E, apesar de haver uma quota de 33,3% de mulheres em conselhos de administração, são mais 30% dos homens a alcançar os cargos de liderança, contra 9% das mulheres (segundo o Banco Mundial, apenas 6%).Pausa0% Ou seja, nos conselhos de administração, as mulheres ocupam cargos mais relacionados com tarefas do que os relacionados com decisões: 41% das mulheres desempenham funções de staff (administração, finanças, recursos humanos) e só 28% dos homens fazem as mesmas tarefas. “Não se trata de não ter mulheres na força de trabalho, mas que, de facto, elas tenham uma presença significativa nos cargos de topo”, destaca Joana Magalhães Silva.

Todavia, quando entram numa nova empresa, 85%​ das mulheres (versus 88% dos homens) acreditam ter igual oportunidade de progressão. Com o tempo, após mais de cinco anos na empresa, a perceção vai mudando e desce para os 59%. A sócia associada da McKinsey esclarece: “As razões podem ser múltiplas, mas o que percebemos é que poderá ter que ver com o peso que as mulheres têm nas funções de suporte e menos nas funções de negócio.”

No atinente à vida familiar, também são elas as mais penalizadas, devido ao trabalho, apesar de 80% dos locais de trabalho terem medidas para apoiar os colaboradores com crianças. Quase metade (49%) diz ser responsável pela maioria ou pela totalidade das tarefas domésticas, enquanto só 15% dos homens dizem fazer o mesmo. Pode ser este um dos motivos por que também elas revelam níveis mais elevados de burnout: 45% sentem-se quase sempre em esgotamento, ao passo que isso acontece em 33% dos homens que trabalham. Por conseguinte, são igualmente as mulheres a pedir mais flexibilidade na função, sobretudo depois da pandemia. “Quando perguntamos às mulheres o que falta para ser melhor: a flexibilidade adicional”, aponta Joana Magalhães Silva, pedem que se flexibilize o trabalho remoto, o preferido​. E, nos últimos anos, 95% das empresas já oferecem opções de teletrabalho.

Mais do que o salário, 56% das mulheres consideram que serem reconhecidas e recompensadas pelo trabalho é o fator mais importante para decidirem entrar ou permanecer numa empresa, ao passo que, para os homens, o salário é o primeiro fator. Estes resultados são uma forma de as “empresas endereçarem melhor as preocupações”.

Em segundo lugar, na lista do que faz a diferença para as mulheres, com 42%, surge então a remuneração elevada. Ter uma mentoria é importante para 31% das trabalhadoras, tal como testemunhar modelos de comportamento. Ou seja, elas (53%) querem chegar aos lugares de topo, mas apenas se sentirem que o estilo de vida é sustentável e que o seu bem-estar será mantido.

Podem ser menos no topo as mulheres, mas serão melhores. Nas empresas com liderança feminina, a quota de satisfação dos funcionários é mais elevada – 79% dizem-se satisfeitos com as chefias. Quando há uma menor presença de mulheres na liderança, a satisfação desce para os 65%. O que o estudo mostra é que as gestoras mulheres têm, tipicamente, maior preocupação com o crescimento profissional das suas equipas. À semelhança do que querem para si, quando estão a chefiar, as mulheres preocupam-se com o bem-estar das suas equipas e dão-lhes mais flexibilidade. E, ao receberem novos funcionários, preocupam-se com a sua integração, através de mentorias. “Permite-nos quantificar a importância de ter líderes também mulheres para a satisfação dos colaboradores e isso é uma ferramenta de retenção de talento nas empresas”, comenta a referida sócia associada da McKinsey.

Desde 2007 que a consultora McKinsey & Company vem realizando globalmente estes estudos focados na representatividade das mulheres na força de trabalho. O objetivo é gerar mudanças nas empresas, explorando a importância da diversidade de género para o sucesso dos negócios.

***

Apesar de “Portugal liderar em termos de paridade da força de trabalho na União Europeia” (50 % mulheres e 50% homens), as portuguesas são travadas, quando estão quase no topo, visto que se mantém o registo de enorme diferença na progressão profissional, só ocupando 6% dos cargos executivos em comparação com 31% dos homens. Fonte da empresa autora do estudo esclarece que, nos conselhos de administração, com a imposição de quotas, a percentagem de mulheres tem vindo a crescer, estando em paridade com os homens.

Apesar de a fonte oficial do estudo considerar que estar no topo a nível da União Europeia (UE) em termos de paridade da força de trabalho é um bom indicativo e uma resposta positiva do tecido empresarial nacional face às recentes medidas implementadas para combater as desigualdades de género, reconhece que este dado deve ser acompanhado por mais e melhores condições, quer em termos de progressão de carreira, quer em termos de flexibilidade de trabalho para as mulheres.

Para a responsável do estudo, os travões estão entre a sala de reuniões da empresa e a sala de estar lá de casa. Sobre o primeiro, apesar de esforços significativos, o crescimento da presença de mulheres nas carreiras da STEM (Science, Technology, Engineering and Math) continua a ser pouco significativo, não atingindo o nível dos homens. Aliado a este facto vem o de as dinâmicas atuais ainda não estarem configuradas para o sucesso das mulheres nas empresas. As mulheres sentem que têm menos oportunidades de desenvolvimento do que os homens (64% versus 76%). Sustentando esta análise, o estudo revela que cerca de 41 % das mulheres têm funções de staff contra 28% dos homens.

Num segundo patamar, a investigação revela que as mulheres participam mais em programas de flexibilidade, mas, em contrapartida, registam menor presença em programas de mobilidade (2% versus 9% nos homens), que é “muitas vezes necessária para a ascensão à posição de CEO”.

Verifica-se que 85% das mulheres acreditam ser promovidas, de igual forma, no início da carreira versus 88% dos homens, contudo 59% sente-se menos confiante em ser promovida após os 5 anos de experiência, em comparação com 73% dos homens. Esta insegurança pode ser justificada com o maior peso das responsabilidades familiares ou a menor participação em programas de mobilidade geográfica.

No que toca à execução de tarefas domésticas, os dados evidenciam serem as mulheres as mais dedicadas. “O maior peso das responsabilidades familiares e tarefas domésticas – 49% versus 15% nos homens – é outra das barreiras no caminho das mulheres para a liderança.

Verifica-se também diferença na ambição em alcançar posições de topo (36% das mulheres contra 43% dos homens), que se deverá “à perceção de que não têm as mesmas oportunidades de subir a escada organizacional face os seus homólogos masculinos”. Para as mulheres ascenderem a cargos de topo, as empresas não precisam de lançar muitas iniciativas, mas concentrar-se no que funciona: oferecer oportunidades de desenvolvimento que exijam resultados, proporcionando flexibilidade num sentido amplo e apoio nos momentos chave da carreira, sobretudo no primeiro salto para responsabilidades de gestão que, muitas vezes, coincide com a maternidade.

***

Também na violência em geral e na violência sexual (que atingem ambos os sexos e em todas as idades), segundo vários estudos, as meninas e mulheres são mais vítimas que os indivíduos do sexo masculino. E, mesmo no atinente a abuso sexual de menores, como refere o psiquiatra Daniel Sampaio, com base numa análise internacional, evocada a 13 de fevereiro, 18% das meninas e 8% dos rapazes são vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos.

***

Outro flagelo social desumano que atinge as mulheres é a mutilação genital feminina (MGF) ou circuncisão feminina (esta expressão é rejeitada pela comunidade médica). Consiste na remoção ritualista de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos, por circuncidador/a tradicional ou por profissionais de saúde, usando lâmina de corte (há vários instrumentos cortantes), com ou sem anestesia. Concentra-se em 29 países africanos, na Indonésia, no Iémen e no Curdistão iraquiano, mas também é praticada em outros locais da Ásia e do Médio Oriente, bem como em comunidades expatriadas. Mais de 50% dos casos registados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) reportam-se a três países (Indonésia, Egito e Etiópia). 

A prática radica na desigualdade de género, em tentativas de controlo da sexualidade da mulher e em ideias de pureza, de modéstia e de estética. É iniciada e executada por mulheres, que a veem como motivo de honra e receiam que a não a sua realização exponha à exclusão social as filhas e as netas. Mais de 130 milhões de mulheres e jovens foram alvo de MGF nos 29 países onde é mais frequente. Entre estas, mais de oito milhões foram infibuladas, prática que, na sua maioria, ocorre no Djibuto, na Eritreia, na Somália e no Sudão.

A idade de realização varia entre alguns dias após o nascimento e a puberdade.

Geralmente, os procedimentos incluem a remoção do clítoris e do prepúcio clitoriano e, na forma mais grave, a remoção dos grandes e pequenos lábios e encerramento da vulva. Neste último procedimento – infibulação ou excisão faraónica – fica um orifício para a passagem da urina e para o sangue da menstruação, e a vagina é aberta para relações sexuais e para o parto. As sequelas na saúde dependem do procedimento, mas incluem recorrentes infeções, dor crónica, dificuldade de urinar ou de escoar o fluxo menstrual, cistos, impossibilidade de engravidar, complicações no parto e hemorragias fatais, bem como propensão para a transmissão da hepatite B e do vírus da imunodeficiência humana (VIH). E não há benefícios médicos.

Em Portugal, diz a Associação para o Planeamento da Família (APF), há mais de 8 000 mulheres, raparigas e meninas que foram vítimas ou que estão em risco de o serem. Os registos oficiais – baseados geralmente em casos que chegam aos hospitais – apontam para cerca de 6 500 mulheres mutiladas, oriundas de comunidades muçulmanas de África, nomeadamente da Guiné-Bissau, da Guiné-Conacri, do Senegal e do Egito. Os casos são detetados por médicos na sequência das complicações psicológicas, sexuais, obstétricas, urológicas ou ginecológicas.

O médico Pierre Foldès, com o urologista Jean-Antoine Robein, iniciou em 2002 cirurgias reparadoras do clitóris, superando, em 2012, os 3.000 casos, mostrando a reversibilidade da MGF.

***

É longo o caminho por andar para a igualdade de género e para evitar o sofrimento das mulheres.

2023.02.15 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário