Comunicar
Ciência foi o tema de debate online, via Zoom, a 8 de fevereiro a partir das 18
horas, no ciclo “Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea”, iniciativa do
Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa, em que
participou Rodrigo Cunha, investigador e docente no Centro de Neurociências e
Biologia Celular da Universidade de Coimbra, que detalhou, em entrevista ao Diário de Notícias (DN) algumas das questões que levou ao encontro.
Interpelado pela evidência da necessidade de comunicar ciência a um
público alargado, suscitada pela pandemia, o cientista sustenta que o modo como a sociedade procura informação científica assemelha-se
ao da criança que vê um carro voador e procura no pai respostas, o qual
engendra explicações baseadas no seu conhecimento de vida, com extrapolações.
Ora, a resposta só será cientificamente fundamentada, se o pai for físico ou engenheiro
aeronáutico ou já tiver estudado o assunto. E a resposta da maioria dos
comunicadores científicos à pandemia foi semelhante: fizeram-se analogias e
extrapolações para ir respondendo à premência de questões.
O mérito
deste período de procura generalizada de informação científica terá sido
recordar que a atividade científica tem valor societal importante e chamar a
atenção para a necessidade de contactar com uma parte do conhecimento ignorada
pela população fora de períodos de crise.
Este súbito recurso
a apoio científico sugere alguns considerandos: a coragem de quem deu a cara
para fazer o papel do pai, a enquadrar o incógnito na normalidade do
conhecimento; a ignorância científica da população, o que azou incríveis vagas
de desinformação, intermediários no processo de divulgação científica com
dissociação entre o reconhecimento de alguém como especialista pelos pares e a
seleção feita pelos órgãos de informação, originando algumas decisões erráticas
dos decisores políticos baseadas em opinião de supostos especialistas, em
detrimento de factos e evidências; a oportunidade perdida para mostrar que o
conhecimento não está disponível para ser usado, mas tem de ser laboriosamente
construído para poder ser aproveitado; e a dramatização do custo social da
pandemia pela falta de investimento e mesmo pelo crescente desinvestimento na
investigação em microbiologia, em geral, e médica, em particular.
A celeridade
na obtenção de uma vacina e a sua surpreendente eficácia só foram possíveis
graças ao desenvolvimento da pesquisa na biologia do RNA, alicerçada em
motivações que não tinham a ver com esta aplicação. Sem grande investimento na
busca de conhecimento, este não estará disponível para poder ajudar a resolver
problemas. Esta premissa é confirmada com o marcado aumento anormal de
falecimentos em Portugal e, em geral, no mundo ocidental.
Diz o académico que
a ciência pretende gerar novo conhecimento, cuja génese resulta de indivíduos
angustiados por quererem saber a razão do porquê, ou seja, conhecer as causas e
consequências do problema, não tanto resolvê-lo. O cientista quer conhecer os
processos moleculares envolvidos na capacidade do SARS-CoV-2 interagir com uma
célula endotelial e faz experiências, enquanto o médico tem a responsabilidade
de diminuir o sofrimento do doente.
Não se faz
ciência por decreto. São décadas de estudos que levam a sucessos retumbantes,
como inverter a possibilidade de curar cerca de 90% dos doentes de linfomas de
Hodgkin [cancro do sangue] quando, há dezenas de anos, morriam 90% destes
doentes. Assim, importa perceber que o recurso a conhecimento científico para
resolver as próximas crises depende do investimento na génese desinteressada de
conhecimento, pois a ciência é uma forma de cultura.
Rodrigo
Cunha não tem a perceção de grande desenvolvimento da cultura científica no
espaço Europeu, embora reconheça o esforço feito por um número limitado de
atores. Em Portugal, a iniciativa Ciência Viva tem contribuído para fazer
chegar a cultura científica a um maior número de jovens. Porém, a complexidade
dos problemas e a velocidade dos avanços no conhecimento graças a meios
tecnológicos cada vez mais eficientes, aumentam o fosso entre o conhecimento
científico gerado e a capacidade da sua perceção por uma população com
rudimentos de cultura científica demasiado limitados.
Tal fosso gera
desperdício a vários níveis: nos agentes económicos, que perdem oportunidades
ímpares de desenvolvimento; nos atores políticos, que tomam decisões de menor
qualidade por não saberem compilar a informação mais relevante; na sociedade
como um todo, que não participa na definição das prioridades na sua
sustentabilidade e desenvolvimento. Isto é ilustrado pelo nível do debate
relativo aos temas científicos mais discutidos como a covid-19, as alterações
climáticas e os organismos geneticamente modificados. Emerge a desinformação e
várias vozes opinam, mas não são se discutem criticamente dados objetivos. Ora,
esta falta de cultura e de conhecimento científico limita a valorização pelo
público do aporte oferecido pela ciência para a qualidade de vida. Na verdade,
quem lidou com a covi-19 foram os médicos, mas não foram eles quem possibilitou
a génese da vacina, pois não é o seu papel. Pouca gente sabe que há, em
Portugal, um dos grupos de investigação mais importantes no avanço do
conhecimento da biologia do RNA que tornou possível o desenvolvimento das
melhores vacinas utilizadas no combate à pandemia.
Isto mostra como
é pouco realista esperar a valorização do conhecimento científico sem cultura
científica suficiente para apreciar o problema. De contrário, o público faria
pressão para ter regularmente programas sobre ciência na televisão.
Contrariando a ideia de que o investigador não tem de ser bom
comunicador, o cientista frisa que um bom cientista, cada vez mais, “tem de ser um bom comunicador de ciência”. Desde logo, na
apresentação, aos pares, do conhecimento gerado, no grupo, no centro de
investigação e em encontros científicos. Depois, exige-se no contacto com
financiadores, quer de agências governamentais, quer de fundações e de agentes
privados; e, obviamente, no contacto com o público “leigo”. Esta última forma
de comunicação científica é pouco treinada nos grupos de investigação. E é a
este nível que surgem as maiores diferenças entre comunicadores. De facto, ser bom
comunicador de ciência para leigos tem retorno limitado para um cientista ou para
um grupo de investigação. Num mundo materialista, com a hierarquização das
prioridades em função do retorno, a comunicação em ciência está longe do topo
das prioridades do cientista.
No entanto, Rodrigo Cunha age na
comunicação científica, porque isso faz parte da sua perceção de responsabilidade
social, mas participa em iniciativas de divulgação, respondendo a solicitações
pontuais e sem desenhar uma estratégia de divulgação – o que limita a procura
de profissionais para aprimorar a comunicação científica e que decorre do facto
de os centros de investigação e as Universidades terem uma política limitada na
divulgação científica para o público.
Confrontado
com marcas de frustração no seu discurso, refere que é frustrante a perceção da
beleza e da relevância de um novo facto científico contra a dificuldade de ele
ser entendido pelo público; a perceção de que o limite de atenção da maioria do
público é de escassos minutos quando seriam necessários uns 10 minutos para
tornar percetível a relevância do novo facto científico; a perceção de que tem
de ser cientificamente incorreto para ser percebido pelo público; a conclusão
que ninguém, fora da comunidade científica, dá valor ao novo facto científico,
se este não trouxer mensagens bombásticas; a antecipação de que a ultrassimplificação
da mensagem leva à sua deturpação; a e visão de que o esforço de divulgação do
novo facto científico muitas vezes não tem impacto na sociedade, nem cultural,
nem de potencial económico, nem de qualidade de vida.
Advertido para o papel da Internet
e das redes sociais na divulgação da informação, observa que “o desafio hoje não é obter informação, mas selecionar
a informação”, sobretudo separando “a informação da desinformação”, num filtro
qualitativo que “requer cultura científica”, que “escasseia na população”. Como
o consumidor escolhe os produtos com maior retorno hedónico, “também o público
seleciona a informação pelo impacto emocional, como o sensacionalismo dos
títulos e adesão da mensagem com o seu património de experiências e
comportamentos”.
Nas notas que antecedem a conferência em que participou, escreveu que o
“crescente imediatismo hedónico diminui a curiosidade face à emoção”. Por isso,
“descobrir algo é um verdadeiro prazer
que faz mover os cientistas”, o que requer muito trabalho até ao instante do Eureka. E a sociedade está formatada
para a procura de prazer imediato. Cada vez há menos espaço e menos apetência
para olhar, para observar, para questionar e para usar o tempo necessário para
compreender.
***
Ora, a comunicação da ciência ao público tem de
ser cuidada, doseada e monitorizada. Quem não lembra os avanços e recuos que as
incertezas científicas, as distorções e as pseudociências provocaram nas populações
no tempo da pandemia? Porque não se punham de acordo os cientistas sobre o que
dizer à população e ao poder político, sem ocultar a verdade e sem levar as pessoas
ao desespero, facultando aos poderes a tomada das decisões mais consentâneas
com o momento?
É, igualmente de advertir que não basta a
ciência, se não forem convertidos em lei os seus dados benéficos e se as populações
não forem mobilizadas para a aceitação da ciência. E não basta a lei, se ela
não for cumprida, se não houver fiscalização e punição dos infratores. Em tempo
de crise, há sempre lugar a oportunismo e a corrupção. É o poder despótico do
dinheiro!
Mário Lopes, do Instituto Superior Técnico (IST), perito
em sismos, conta que, após o sismo dos Açores, a 9 de julho de 1988 (magnitude
de 5,8 na escala de Richter), um grupo de engenheiros civis foi de Lisboa apoiar
a proteção civil e aferir se escolas e igrejas estavam em risco de desabar. Uma
igreja no Faial tinha de ser interditada, mas a população opunha-se, por lhe
dar o sentido de comunidade. Assim, a entrada principal foi interdita e a
serventia fez-se pela lateral.
Mais de 125 milhões de pessoas foram afetadas por sismos
entre 1998 e 2017. E os riscos para a saúde, que perduram, variam conforme a
magnitude do terramoto e a natureza das construções.
Na Turquia, em 1999, após um sismo que abalou 11 cidades, várias
famílias dormiam em tendas num jardim em frente ao edifício onde moravam. As
autoridades disseram que ficariam lá dois anos, enquanto se construíam novas
habitações. Três meses depois, houve outro sismo. E o governo criou um fundo
nacional para reforço sísmico dos edifícios.
Segundo um estudo publicado, em 2011, na revista Nature, 83% das mortes por sismos nas
três décadas anteriores deram-se em países anormalmente corruptos. O trabalho
foi divulgado um ano após o sismo que matou mais de 220 mil pessoas na capital
do Haiti, um dos países mais corruptos do Mundo. O governo, por não ter meios
para reagir, foi afastado do controlo das operações pela comunidade
internacional. Em 2021, novo abalo matou mais de duas mil pessoas, mostrando que
as medidas de redução de risco prometidas pelos políticos não foram aplicadas.
A base de dados EM-Dat, do Centro de Pesquisa em
Epidemiologia de Desastres (Universidade de Lovaina, Bélgica), mostra que, dos
40 sismos mais mortíferos dos últimos 120 anos, 10 ocorreram na China. O
último, com epicentro na província de Sichuan, em 2008, matou mais de 87 mil
pessoas. E o Governo admitiu que a corrupção estava na origem da “fraca
construção”.
Após o sismo de Caxemira, em 2005, que matou mais de 73 mil
pessoas e feriu quase 130 mil no Paquistão, dirigentes da agência estatal que
ia aplicar os fundos internacionais para a reconstrução resistente a sismos
foram acusados de corrupção.
Enfim, é preciso conhecer a sismologia, monitorizar os
fenómenos, instar com os regulamentos de construção antissísmica, fiscalizar a
sua aplicação, punir os infratores e instruir a população no sentido do que
fazer ante um sismo e de escrutinar a aplicação dos regulamentos; fazer simulacros
periódicos nas comunidades; e inserir noções de sismologia nos curricula escolares.
2023.02.12 – Louro
de Carvalho
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