domingo, 12 de fevereiro de 2023

A importância da gestão da divulgação científica

 

Comunicar Ciência foi o tema de debate online, via Zoom, a 8 de fevereiro a partir das 18 horas, no ciclo “Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea”, iniciativa do Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa, em que participou Rodrigo Cunha, investigador e docente no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, que detalhou, em entrevista ao Diário de Notícias (DN) algumas das questões que levou ao encontro.

Interpelado pela evidência da necessidade de comunicar ciência a um público alargado, suscitada pela pandemia, o cientista sustenta que o modo como a sociedade procura informação científica assemelha-se ao da criança que vê um carro voador e procura no pai respostas, o qual engendra explicações baseadas no seu conhecimento de vida, com extrapolações. Ora, a resposta só será cientificamente fundamentada, se o pai for físico ou engenheiro aeronáutico ou já tiver estudado o assunto. E a resposta da maioria dos comunicadores científicos à pandemia foi semelhante: fizeram-se analogias e extrapolações para ir respondendo à premência de questões.

O mérito deste período de procura generalizada de informação científica terá sido recordar que a atividade científica tem valor societal importante e chamar a atenção para a necessidade de contactar com uma parte do conhecimento ignorada pela população fora de períodos de crise.

Este súbito recurso a apoio científico sugere alguns considerandos: a coragem de quem deu a cara para fazer o papel do pai, a enquadrar o incógnito na normalidade do conhecimento; a ignorância científica da população, o que azou incríveis vagas de desinformação, intermediários no processo de divulgação científica com dissociação entre o reconhecimento de alguém como especialista pelos pares e a seleção feita pelos órgãos de informação, originando algumas decisões erráticas dos decisores políticos baseadas em opinião de supostos especialistas, em detrimento de factos e evidências; a oportunidade perdida para mostrar que o conhecimento não está disponível para ser usado, mas tem de ser laboriosamente construído para poder ser aproveitado; e a dramatização do custo social da pandemia pela falta de investimento e mesmo pelo crescente desinvestimento na investigação em microbiologia, em geral, e médica, em particular.

A celeridade na obtenção de uma vacina e a sua surpreendente eficácia só foram possíveis graças ao desenvolvimento da pesquisa na biologia do RNA, alicerçada em motivações que não tinham a ver com esta aplicação. Sem grande investimento na busca de conhecimento, este não estará disponível para poder ajudar a resolver problemas. Esta premissa é confirmada com o marcado aumento anormal de falecimentos em Portugal e, em geral, no mundo ocidental.

Diz o académico que a ciência pretende gerar novo conhecimento, cuja génese resulta de indivíduos angustiados por quererem saber a razão do porquê, ou seja, conhecer as causas e consequências do problema, não tanto resolvê-lo. O cientista quer conhecer os processos moleculares envolvidos na capacidade do SARS-CoV-2 interagir com uma célula endotelial e faz experiências, enquanto o médico tem a responsabilidade de diminuir o sofrimento do doente.

Não se faz ciência por decreto. São décadas de estudos que levam a sucessos retumbantes, como inverter a possibilidade de curar cerca de 90% dos doentes de linfomas de Hodgkin [cancro do sangue] quando, há dezenas de anos, morriam 90% destes doentes. Assim, importa perceber que o recurso a conhecimento científico para resolver as próximas crises depende do investimento na génese desinteressada de conhecimento, pois a ciência é uma forma de cultura.

Rodrigo Cunha não tem a perceção de grande desenvolvimento da cultura científica no espaço Europeu, embora reconheça o esforço feito por um número limitado de atores. Em Portugal, a iniciativa Ciência Viva tem contribuído para fazer chegar a cultura científica a um maior número de jovens. Porém, a complexidade dos problemas e a velocidade dos avanços no conhecimento graças a meios tecnológicos cada vez mais eficientes, aumentam o fosso entre o conhecimento científico gerado e a capacidade da sua perceção por uma população com rudimentos de cultura científica demasiado limitados.

Tal fosso gera desperdício a vários níveis: nos agentes económicos, que perdem oportunidades ímpares de desenvolvimento; nos atores políticos, que tomam decisões de menor qualidade por não saberem compilar a informação mais relevante; na sociedade como um todo, que não participa na definição das prioridades na sua sustentabilidade e desenvolvimento. Isto é ilustrado pelo nível do debate relativo aos temas científicos mais discutidos como a covid-19, as alterações climáticas e os organismos geneticamente modificados. Emerge a desinformação e várias vozes opinam, mas não são se discutem criticamente dados objetivos. Ora, esta falta de cultura e de conhecimento científico limita a valorização pelo público do aporte oferecido pela ciência para a qualidade de vida. Na verdade, quem lidou com a covi-19 foram os médicos, mas não foram eles quem possibilitou a génese da vacina, pois não é o seu papel. Pouca gente sabe que há, em Portugal, um dos grupos de investigação mais importantes no avanço do conhecimento da biologia do RNA que tornou possível o desenvolvimento das melhores vacinas utilizadas no combate à pandemia.

Isto mostra como é pouco realista esperar a valorização do conhecimento científico sem cultura científica suficiente para apreciar o problema. De contrário, o público faria pressão para ter regularmente programas sobre ciência na televisão.

Contrariando a ideia de que o investigador não tem de ser bom comunicador, o cientista frisa que um bom cientista, cada vez mais, “tem de ser um bom comunicador de ciência”. Desde logo, na apresentação, aos pares, do conhecimento gerado, no grupo, no centro de investigação e em encontros científicos. Depois, exige-se no contacto com financiadores, quer de agências governamentais, quer de fundações e de agentes privados; e, obviamente, no contacto com o público “leigo”. Esta última forma de comunicação científica é pouco treinada nos grupos de investigação. E é a este nível que surgem as maiores diferenças entre comunicadores. De facto, ser bom comunicador de ciência para leigos tem retorno limitado para um cientista ou para um grupo de investigação. Num mundo materialista, com a hierarquização das prioridades em função do retorno, a comunicação em ciência está longe do topo das prioridades do cientista.

No entanto, Rodrigo Cunha age na comunicação científica, porque isso faz parte da sua perceção de responsabilidade social, mas participa em iniciativas de divulgação, respondendo a solicitações pontuais e sem desenhar uma estratégia de divulgação – o que limita a procura de profissionais para aprimorar a comunicação científica e que decorre do facto de os centros de investigação e as Universidades terem uma política limitada na divulgação científica para o público.

Confrontado com marcas de frustração no seu discurso, refere que é frustrante a perceção da beleza e da relevância de um novo facto científico contra a dificuldade de ele ser entendido pelo público; a perceção de que o limite de atenção da maioria do público é de escassos minutos quando seriam necessários uns 10 minutos para tornar percetível a relevância do novo facto científico; a perceção de que tem de ser cientificamente incorreto para ser percebido pelo público; a conclusão que ninguém, fora da comunidade científica, dá valor ao novo facto científico, se este não trouxer mensagens bombásticas; a antecipação de que a ultrassimplificação da mensagem leva à sua deturpação; a e visão de que o esforço de divulgação do novo facto científico muitas vezes não tem impacto na sociedade, nem cultural, nem de potencial económico, nem de qualidade de vida.

Advertido para o papel da Internet e das redes sociais na divulgação da informação, observa que “o desafio hoje não é obter informação, mas selecionar a informação”, sobretudo separando “a informação da desinformação”, num filtro qualitativo que “requer cultura científica”, que “escasseia na população”. Como o consumidor escolhe os produtos com maior retorno hedónico, “também o público seleciona a informação pelo impacto emocional, como o sensacionalismo dos títulos e adesão da mensagem com o seu património de experiências e comportamentos”.

Nas notas que antecedem a conferência em que participou, escreveu que o “crescente imediatismo hedónico diminui a curiosidade face à emoção”. Por isso, “descobrir algo é um verdadeiro prazer que faz mover os cientistas”, o que requer muito trabalho até ao instante do Eureka. E a sociedade está formatada para a procura de prazer imediato. Cada vez há menos espaço e menos apetência para olhar, para observar, para questionar e para usar o tempo necessário para compreender.

***

Ora, a comunicação da ciência ao público tem de ser cuidada, doseada e monitorizada. Quem não lembra os avanços e recuos que as incertezas científicas, as distorções e as pseudociências provocaram nas populações no tempo da pandemia? Porque não se punham de acordo os cientistas sobre o que dizer à população e ao poder político, sem ocultar a verdade e sem levar as pessoas ao desespero, facultando aos poderes a tomada das decisões mais consentâneas com o momento?

É, igualmente de advertir que não basta a ciência, se não forem convertidos em lei os seus dados benéficos e se as populações não forem mobilizadas para a aceitação da ciência. E não basta a lei, se ela não for cumprida, se não houver fiscalização e punição dos infratores. Em tempo de crise, há sempre lugar a oportunismo e a corrupção. É o poder despótico do dinheiro!  

Mário Lopes, do Instituto Superior Técnico (IST), perito em sismos, conta que, após o sismo dos Açores, a 9 de julho de 1988 (magnitude de 5,8 na escala de Richter), um grupo de engenheiros civis foi de Lisboa apoiar a proteção civil e aferir se escolas e igrejas estavam em risco de desabar. Uma igreja no Faial tinha de ser interditada, mas a população opunha-se, por lhe dar o sentido de comunidade. Assim, a entrada principal foi interdita e a serventia fez-se pela lateral.

Mais de 125 milhões de pes­soas foram afetadas por sismos entre 1998 e 2017. E os riscos para a saúde, que perduram, variam conforme a magnitude do terramoto e a natureza das construções.

Na Turquia, em 1999, após um sismo que abalou 11 cidades, várias famílias dormiam em tendas num jardim em frente ao edifício onde moravam. As autoridades disseram que ficariam lá dois anos, enquanto se construíam novas habitações. Três meses depois, houve outro sismo. E o governo criou um fundo nacional para reforço sísmico dos edifícios.

Segundo um estudo publicado, em 2011, na revista Nature, 83% das mortes por sismos nas três décadas anteriores deram-se em países anormalmente corruptos. O trabalho foi divulgado um ano após o sismo que matou mais de 220 mil pessoas na capital do Haiti, um dos países mais corruptos do Mundo. O governo, por não ter meios para reagir, foi afastado do controlo das operações pela comunidade internacional. Em 2021, novo abalo matou mais de duas mil pessoas, mostrando que as medidas de redução de risco prometidas pelos políticos não foram aplicadas.

A base de dados EM-Dat, do Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (Universidade de Lovaina, Bélgica), mostra que, dos 40 sismos mais mortíferos dos últimos 120 anos, 10 ocorreram na China. O último, com epicentro na província de Sichuan, em 2008, matou mais de 87 mil pessoas. E o Governo admitiu que a corrupção estava na origem da “fraca construção”.

Após o sismo de Caxemira, em 2005, que matou mais de 73 mil pessoas e feriu quase 130 mil no Paquistão, dirigentes da agência estatal que ia aplicar os fundos internacionais para a reconstrução resistente a sismos foram acusados de corrupção.

Enfim, é preciso conhecer a sismologia, monitorizar os fenómenos, instar com os regulamentos de construção antissísmica, fiscalizar a sua aplicação, punir os infratores e instruir a população no sentido do que fazer ante um sismo e de escrutinar a aplicação dos regulamentos; fazer simulacros periódicos nas comunidades; e inserir noções de sismologia nos curricula escolares.   

2023.02.12 – Louro de Carvalho

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