sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Governo aprova pacote “Mais Habitação”: importa que saia do papel

 

A 16 de fevereiro de 2023, o Conselho de Ministros aprovou as medidas de concretização do desígnio de “um parque habitacional capaz de garantir habitação digna a toda a população” pelo equilíbrio entre a reforma estrutural, assente na promoção de novas respostas de habitação pública e na qualificação das existentes, e a resposta conjuntural que permita respostas imediatas “para fazer face à urgência de assegurar acesso a uma habitação digna e adequada aos rendimentos e dimensão dos diferentes agregados familiares”.

Tais medidas configuram o Plano de Intervenção de resposta ao desígnio “Mais Habitação”, com respostas imediatas de complemento à política pública estrutural de reforço do parque público habitacional; cumprem os objetivos estratégicos de aumento da oferta de terrenos para habitação, de simplificação dos processos de licenciamento de construção, de aquisição e de utilização de habitação, bem como de aumento e de melhoria da oferta de arrendamento, de combate à especulação e de proteção às famílias.

Reveem-se os regimes jurídicos do procedimento especial aplicáveis ao despejo, à injunção em matéria de arrendamento e ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio, para salvaguardar a tutela do direito à habitação e a justa ponderação de interesses no confronto com o direito de propriedade, bem como para assegurar a interoperabilidade com outros serviços do Estado.

Altera-se o regime de controlo prévio das operações de loteamento e das operações urbanísticas, com o objetivo de promover a sua simplificação, agilização e uniformização, promover uma maior celeridade dos processos e criar um regime sancionatório.

Cria-se um apoio financeiro do Estado, em forma de bonificação temporária de juros, aos mutuários de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente, quando o indexante do contrato crédito for igual ou superior a 3%.

O diploma em causa visa responder à realidade sentida pelas famílias, devido à rápida variação do indexante de referência, com incidência num dos principais encargos do orçamento familiar, o crédito para a aquisição ou construção de habitação própria permanente.

Na conferência de imprensa subsequente à sessão do Conselho de Ministros, o primeiro-ministro, na presença dos ministros das Finanças e da Habitação, afirmou que o governo aprovou um conjunto de “medidas que procuram responder, de forma completa, a todas as dimensões do problema da habitação”, as quais “serão colocadas em discussão pública durante cerca de um mês para que possam ser aprovadas em definitivo, umas pelo Governo, outras através de proposta de lei à Assembleia da República”. Frisou que “a habitação é uma preocupação central e transversal da sociedade portuguesa, porque diz respeito a todas as famílias e não apenas às mais carenciadas”, mas também “aos jovens e às famílias da classe média”. E acrescentou que, pelo programa ora aprovado, “procuramos agir em todas as dimensões do problema”. 

Neste sentido, apontou cinco eixos de problemas e de soluções:

- Aumentar a oferta de imóveis para habitação. Mesmo sem alteração de plano de ordenamento do território ou sem licença de utilização, terrenos classificados ou imóveis licenciados para comércio ou serviços podem ser usados para a construção de (ou reconvertidos para) habitação. E o Estado disponibilizará terrenos ou edifícios para cooperativas ou o setor privado fazerem habitações a custos acessíveis, mencionando “dois concursos dedicados à construção modelar que encurta significativamente os prazos de construção e aumenta a eficiência energética”.

- Simplificar os processos de licenciamento. Sobressaem dois tipos de medidas: uma, “muito inovadora, pela qual os projetos de arquitetura e de especialidades deixam de estar sujeitos a licenciamento municipal, passando a haver um termo de responsabilidade dos projetistas, ficando o licenciamento municipal limitado às exigências urbanísticas; e outra, pela qual se fixa “efetiva penalização financeira das entidades públicas, quando não respeitem os prazos previstos na lei para a emissão de pareceres ou tomada de decisão, passando a correr juros de mora a benefício do promotor”, deduzindo o Estado, “no Orçamento do ano seguinte, ao causador da demora”.

- Maior mercado de arrendamento. Destaca-se a necessidade de reforçar a confiança dos senhorios para colocarem no mercado casas devolutas através de duas medidas, a primeira das quais é que o Estado se propõe arrendar todas as casas disponíveis durante cinco anos, desde que possa subarrendar. Além disso, introduz-se uma alteração, relativamente a contratos existentes ou que sejam estabelecidos entre senhorios e inquilinos, para que, em todos os pedidos de despejo que deem entrada no Balcão Nacional de Arrendamento, após três meses de incumprimento, o Estado passe a substituir-se ao inquilino no pagamento e ao senhorio na cobrança da dívida, verificando se há causa socialmente atendível e resolvendo-a, ou despejando-o. 

Para aumentar a oferta pública de habitações para arrendamento acessível, estabelece-se “um princípio de isenção de imposto de mais-valias a quem venda ao Estado, incluindo municípios, qualquer tipo de habitação”, incentivando quem tem casas que não pretende usar a vendê-las, para que se possa aumentar o número de habitação a colocar em arrendamento acessível. E, para alargar o mercado de arrendamento, cria-se “uma linha de crédito de 150 milhões de euros para financiar as obras coercivas por parte dos municípios, que a lei permite, mas [que] os municípios raramente fazem por dificuldade financeira”.

Cria-se um “forte incentivo para que regressem ao mercado de habitação frações que estão dedicadas ao alojamento local”, através de várias medidas. Assim, as atuais licenças serão reavaliadas em 2030, e, posteriormente, haverá reavaliações periódicas; serão proibidas as emissões de novas licenças, com exceção do alojamento rural nos concelhos do interior, onde não há pressão urbanística e que podem contribuir para a dinamização económica do território; os proprietários que transfiram fogos do alojamento local para arrendamento habitacional, até final de 2024, terão uma taxa zero no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) até 2030; e será criada uma contribuição extraordinária aos alojamentos locais para financiar políticas de habitação.

Reforçam-se os incentivos fiscais para o arrendamento acessível, sem pagamento do imposto municipal de transmissão de imóveis (IMT) na aquisição de casas para arrendamento acessível. Quem realize obras de reabilitação nestas casas pagará o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à taxa de 6%, e terá total isenção de IRS sobre os rendimentos prediais.

Melhoram-se os incentivos fiscais para todo o arrendamento, baixando a taxa de 28% para 25%. 

Reforçam-se os incentivos à estabilidade nos contratos de arrendamento: se o contrato for entre cinco e 10 anos, a taxa de 23% passará para 15%; se for entre 10 e 20 anos, a taxa de 14% baixará para 10%; e, se for mais de 20 anos, baixará de 10% para 5%.    

- Combater a especulação imobiliária. Neste âmbito, foram destacadas duas medidas: o fim da concessão de novos Vistos Gold, “sendo renovados os existentes, se se tratar de investimentos imobiliários, apenas para habitação própria e permanente ou se for colocado duradouramente no mercado de arrendamento”; e, para regular as rendas no mercado, a limitação, pelo Estado, do crescimento das rendas em novos contratos, devendo estas “resultar da soma da renda praticada com as atualizações anuais e do valor da subida da inflação fixada pelo Banco Central Europeu”. 

- Apoiar as famílias, quer no contrato de arrendamento, quer no crédito à habitação. Para as ajudar a reduzir o endividamento, “permite-se a isenção do imposto de mais-valias da venda de uma casa para amortização do crédito à habitação do próprio ou de um seu descendente”. Para tanto, determina-se que todas as instituições financeiras que praticam crédito imobiliário têm de oferecer crédito a taxa fixa; cria-se um apoio para créditos até 200 mil euros de famílias tributadas até ao 6.º escalão do IRS, bonificando o Estado o juro em 50% do valor acima do valor máximo a que foi sujeita a família no teste de stresse, aquando da contratação do crédito; e, nos valores dos contratos de arrendamento em vigor, atribui-se aos agregados familiares com rendimentos até ao 6.º escalão de IRS, inclusive, com uma taxa de esforço superior a 35% e com uma renda de casa nos limites fixados pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) para o respetivo concelho, um subsídio do Estado até ao limite de 200 euros mensais para as rendas.

Por fim, o primeiro-ministro, tecendo considerações à “nova geração de políticas de habitação”, lembrou que, em 2016, se definiu como prioritário o lançamento de uma nova geração de políticas de habitação. E disse: “Começámos pelas fundações – pela elaboração de uma estratégia nacional e a aprovação de uma lei de bases – e construímos uma política como o País não tinha desde o início do século.” Tal estratégia “deu lugar a 230 estratégias locais de habitação de municípios”. As medidas do programa Porta 65, de arrendamento jovem, apoiam 16.500 famílias e, com as novas regras, este número alargará. E, no âmbito do PRR, definiram-se 2.700 milhões de euros para aumentar a oferta pública de habitação: estão concluídos 1.200 fogos, 11.900 estão em fase de projeto ou de obra. E há “o calendário para 26 mil novas casas de oferta pública de habitação”.

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Depois da crassa penúria em habitação pública e da onda especulativa grassante, o pacote “Mais Habitação” é uma lança em África. Porém, as primeiras contestações já vieram a lume, mesmo antes de se ler o programa, que vai estar em discussão pública. Com efeito, há poderosos interesses instalados. Proprietários, construtores e senhorios dificilmente quererão abdicar dos seus cómodos, nem sequer aceitando custos de oportunidade, e não aceitam a intervenção do Estado na economia, embora queiram que o Estado os ajude. Ao invés, custa-lhes a contribuir para o bem comum. Por outro lado, num contexto de Estado fraco, assaz capturado pelos interesses instalados, não é fácil um governo descredibilizado pelos “casos e casinhos”, anular ou travar a especulação imobiliária. E as autarquias estão demasiado próximas dos grupos económicas – bastante longe dos cidadãos – para assumirem cabalmente as suas responsabilidades.

Veremos os que resulta da discussão pública do documento. Porém, se é certo que nem todos poderão viver à grande e à francesa, pelo menos, todos têm direito ao mínimo de dignidade, que postula a habitação condigna – um direito constitucional. E o que se está a passar afronta a pobreza crescente e a situação de uma classe média cada vez mais esbulhada da sua situação de conforto. Todos os encargos sobem, com exceção do rendimento! Parece o reino do diabo.

2023.02.17 – Louro de Carvalho

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