quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O périplo do presidente da Ucrânia pelo Reino Unido e pela UE

 

Em tempos, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky esteve nos Estados Unidos da América (EUA) para agradecer o apoio que vem sendo dado à causa ucraniana por aquela potência mundial e solicitar equipamento militar.

Desta feita, foi recebido no Reino Unido no Parlamento e avistou-se com o rei Carlos III. A ideia era que o governo britânico fornecesse aviões de guerra ao país para continuar o combate de renitência à Federação Russa. Depois, foi recebido, no Eliseu, pelo presidente francês, Emmanuel Macron, com a mesma ambição e como rampa de lançamento para a receção em Bruxelas.

Zelensky não desiste. E estas diligências vêm na sequência dos discursos por videoconferência a diversos parlamentos e justificam-se com a necessidade de a Ucrânia ter de ganhar a guerra.

Na verdade, a ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou a fuga de mais de 14 milhões de pessoas – 6,5 milhões de deslocados internos e mais de oito milhões para países europeus –, de acordo com os dados da Organização das Nações Unidas (ONU), que classifica esta crise como a pior na Europa, desde a II Guerra Mundial (1939-1945) e refere que, desde o início da guerra, se contabilizam 7.155 civis mortos e 11.662 feridos, sublinhando que estes estão muito aquém dos números reais. E, ‘elo menos 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões de ajuda alimentar e de alojamento.

A invasão russa – na ótica do presidente russo, Vladimir Putin, para desnazificar e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e com a imposição, à Rússia, de sanções políticas e económicas.

Mal soaram as campainhas de que o Reino Unido podia enviar aviões para a Ucrânia, a embaixada russa em Londres advertiu, em nome do seu governo, para o risco de escalada, de que seria responsável o Ocidente. Em concreto, a entrega de caças à Ucrânia poderá resultar numa escalada de “consequências militares e políticas para o continente europeu e o mundo inteiro”. Com efeito, “a Rússia encontrará resposta a qualquer medida hostil”, acrescentou a embaixada.

Entretanto, a 9 de fevereiro, o governo britânico assumiu estar “consciente do risco de escalada”, se entregar aviões de combate ao exército ucraniano, vincando que está a agir “cautelosamente” e culpando a Rússia por qualquer agravamento do conflito. “Tomamos estas decisões com cuidado e após consideração cuidadosa. Estamos conscientes dos riscos potenciais de escalada”, disse o porta-voz do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, ao ser questionado pelos jornalistas sobre a relutância de alguns dos aliados ocidentais de Kiev.

Na visita surpresa do presidente ucraniano, Londres anunciou, a 8 de fevereiro, que pilotos ucranianos seriam, em breve, treinados para manobrarem aviões de combate militares usados pelos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), e prometeu estudar a entrega, “a longo prazo”, dos caças exigidos por Kiev. E, agora, o referido porta-voz esclareceu: “Tudo o que fazemos tem em conta os riscos potenciais de escalada, mas, mais uma vez, gostaria de salientar que é a Rússia, não a Ucrânia ou a NATO [...], quem está a provocar uma escalada da situação.”

Depois de decidirem, em janeiro, enviar tanques pesados para o exército ucraniano, os aliados ocidentais de Kiev têm-se mostrado relutantes em dar mais um passo, o de fornecer aviões, com o presidente dos EUA, Joe Biden, a excluir, nesta fase, tal opção. E Rishi Sunak disse que “nada está excluído”, relativamente à ajuda militar a Kiev, e que a entrega de aviões, solicitada por Zelensky em discurso no Parlamento britânico, fazia “naturalmente parte das discussões”.

Londres estima que a formação de pilotos levará três anos, visto que os militares ucranianos estão familiarizados com as aeronaves de fabrico soviético e não com as da NATO.

Em Bruxelas, o presidente da Ucrânia insistiu, a 9 de fevereiro, no início da reunião do Conselho Europeu, na necessidade de os Estados-membros da União Europeia (UE) cooperarem com o país a velocidade superior à da Rússia, para se reequipar, e pediu sanções contra a energia nuclear russa.

Ladeado pelo presidente do Conselho, Charles Michel, e ante os presidentes e primeiros-ministros dos 27, Zelensky agradeceu o “apoio incondicional” que o país recebeu desde o início da guerra: os sucessivos pacotes de sanções, o acolhimento de refugiados, o auxílio humanitário e económico-financeiro e o armamento que está a ser utilizado para contrariar a ofensiva de Moscovo. Porém, insistiu no pedido que tem feito nas últimas semanas: “Precisamos de artilharia, das munições, dos tanques, dos mísseis de longo alcance e dos caças.”

Volodymyr Zelensky anunciou que, recentemente, conversou com a Presidente da Moldova sobre um alegado plano do Kremlin para destruir aquele país vizinho da Ucrânia. E explicou:Quando recebi este documento avisei imediatamente a Moldova sobre esta ameaça para protegê-la. Acredito que todos vocês fariam o mesmo. Não sei se Moscovo deu a ordem para prosseguir com este plano, mas é muito semelhante àquele que quiseram implementar na Ucrânia.”

Zelensky recordou os pioneiros da UE e considerou que o ideal que criaram necessidade “de mais um componente, sem o qual tudo é débil: a segurança”. E apelou a uma “transformação conjunta” entre os 27 e os países que ambicionam fazer parte a União, nomeadamente a Ucrânia: “Se conseguirmos, os vossos nomes ficarão para a História ao lado dos de Schumann e Monnet.”

Nestes termos, prometeu solicitar a adesão à UE ainda este ano. E a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, olhando com simpatia esse propósito, advertiu que o processo é demorado e que há um longo caminho a percorrer, na linha do que defendem alguns de que a UE, antes de se alargar, deve reformar-se e estudar as possibilidades de tal ação vir a ser eficaz. Além disso, Ursula von der Leyen prometeu que a Comissão vai propor o 10.º pacote de sanções, que visará os propagandistas de Putin, pois a suas mentiras envenenam o espaço público da Rússia.

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Entretanto, é de recordar, a contrario, que, a 24 de novembro, O Parlamento Europeu (PE) aprovou uma resolução em que reconhece a Rússia como um Estado patrocinador do terrorismo internacional, apresentada pelo grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (centro-direita).

A resolução pede ao Conselho da UE que inclua na lista de organizações terroristas a organização paramilitar russa “Grupo Wagner”, o 141.º Regimento Especial Motorizado, também conhecido como ‘Kadyrovites’ e outros grupos armados, milícias e forças financiadas pelo Kremlin.

O “Grupo Wagner” terá enviado para o PE uma marreta ensanguentada no dia em que, em Estrasburgo, se iniciaram os procedimentos para classificar o grupo como organização terrorista. Porém, até à tarde do referido dia, o artefacto – envolto num estojo de violino – não tinha chegado ao PE, e as fontes ouvidas pelo britânico The Telegraph suspeitavam que se tratava de golpe de propaganda. A informação de que a marreta seria enviada para Estrasburgo surgira num curto vídeo colocado na plataforma de comunicações Telegram, em que aparece um advogado ligado ao grupo, engravatado, que trazia na mão um estojo de violino e o punha em cima de uma mesa. A marreta polida tinha o símbolo do grupo e tinta vermelha no punho, a simbolizar sangue.

A marreta tornou-se um símbolo do “Grupo Wagner”, organização de mercenários que atuam na Ucrânia, sobretudo desde que passou a circular o vídeo da execução de um soldado russo que se tinha rendido aos ucranianos. Foi usada a marreta nessa execução, segundo um vídeo explícito difundido pelo Telegram e redes sociais. Segundo o The Telegraph, Yevgeny Prigozhin, fundador do Grupo Wagner (conhecido como “o cozinheiro de Putin”), emitiu um comunicado a dizer que a marreta seria enviada para Estrasburgo como informação aos eurodeputados do PE, dizendo-se dececionado pelo facto de o grupo estar na iminência de ser considerado organização terrorista.

Na sequência, a 28 de novembro, o partido Chega entregou na Assembleia da República (AR) um projeto de resolução em que recomenda ao Governo que “reconheça a Rússia como Estado patrocinador do terrorismo internacional”, depois de o PE ter aprovado resolução similar.Parte inferior do formulário

O Chega refere que, a 24 de fevereiro de 2022, “a Federação Russa iniciou uma ilegal e brutal invasão do território ucraniano” e que “as forças russas e os grupos paramilitares controlados por Moscovo têm deixado um rasto de destruição e de barbárie que violam, de forma evidente e absoluta, as Convenções de Genebra e os seus protocolos adicionais, que são a essência do chamado direito internacional humanitário e que visa limitar os efeitos dos conflitos armados”. E salienta: “Bombardeamento indiscriminado de vilas e cidades, detenções arbitrárias, execuções sumárias, limpezas étnicas, violência sexual, sequestros, deportações forçadas de crianças ou a utilização de armas termobáricas, são algumas das táticas de terror empregues pela Rússia contra a população civil indefesa.” Além disso, a Federação Russa passou a utilizar a energia como arma e como instrumento de chantagem.

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É óbvio que se deve prestar toda a ajuda humanitária e algum apoio logístico. Já teme que o apoio com armas, caças, drones, tanques e mísseis, provoque uma escalada irreversível e incontrolável.

E que dizer da declaração da Rússia como Estado terrorista?

O professor constitucionalista vital Moreira (veja-se o blogue Causa nossa) vê na posição do Chega e quiçá na do PE, “uma receita para o desastre”, sublinhando que “há um óbvio plano em marcha para envolver diretamente a UE na Guerra da Ucrânia”

Graças a Kiev e aos “falcões da guerra” na UE (Polónia, países bálticos e escandinavos), está em curso um processo tendente à entrada da Ucrânia na UE, mesmo estando em guerra, deixando para trás os países balcânicos, que esperam, há muito tempo, a adesão; e à qualificação da Rússia de agressor e de Estado terrorista, por parte das instituições e dos Estados-membros da UE.

A Ucrânia, membro da UE, ativaria a “cláusula de solidariedade”, do artigo 222.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual, “em caso de ataque terrorista” contra um Estado-membro, “a União mobiliza todos os meios ao seu dispor, incluindo meios militares disponibilizados pelos Estados-membros”. Ora, uma guerra entre a UE e a Rússia pode, rapidamente, degenerar em III Guerra Mundial, como o arrastamento dos EUA e da China.

“Felizmente” – diz Vital Moreira –, “não parece que, em Portugal, nem o Governo nem o PS tenham ensandecido.”

E é de relevar o aviso de Paulo VI no discurso de 1965 à ONU: “As armas, sobretudo as terríveis armas que a ciência moderna vos deu, antes de causarem vítimas e ruínas, engendram maus sonhos, alimentam maus sentimentos, criam pesadelos, desconfianças, sombrias resoluções.”

À UE ficará bem a prudência, bem como aos EUA e ao Reino Unido – para bem de todos!

2023.02.09 – Louro de Carvalho

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