sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Vicariato de Roma ficará mais colegial e mais ligado ao Papa

 

Foi publicada, a 6 de janeiro deste ano de 2023, para entrar em vigor a 31 de Janeiro, a Constituição Apostólica In Ecclesiarum Communione, de Francisco, que revoga a Constituição Apostólica Ecclesia in Urbe, de São João Paulo II, de 1 de janeiro de 1988, e lhe sucede.

O novo documento normativo reforça o papel do Conselho Episcopal, “órgão primário da Sinodalidade” e “lugar preminente do discernimento e das decisões pastorais e administrativas”, cria dois órgãos fiscalizadores para finanças e para os abusos de menores e de pessoas vulneráveis e torna o Sumo Pontífice mais presente nos assuntos relevantes do Vicariato.

Em termos de ideário, a reforma do Vicariato de Roma, que passou, no ano passado, por uma auditoria interna sobre aspetos da administração e dos procedimentos, insere-se na linha da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium e tem um objetivo preciso: restaurar “o impulso evangelizador e sinodal” do Vicariato, a fim de que possa ser “um lugar exemplar de comunhão, diálogo e proximidade, acolhedor e transparente ao serviço da renovação e do crescimento pastoral da Diocese de Roma”.

É de recordar que o Vicariato de Roma ou Vicariatus Urbis é um serviço da Diocese de Roma, cujo bispo é o Papa e cujo governo corrente incumbe ao Cardeal Vigário para essa circunscrição eclesial, coadjuvado por um dos bispos auxiliares, o vice-gerente. Inclui a Basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa enquanto Bispo de Roma  e todo o território sob soberania italiana. O vigário atual é o cardeal Angelo de Donatis. Devido ao papel do Papa como chefe da Igreja Católica, um Arcebispo Vigário nomeado pelo Papa preside à administração espiritual da diocese.

Distingue-se do Vicariato da Cidade do Vaticano, cujo vigário é o cardeal Frei Mauro Gambett e que inclui a Basílica de São Pedro e todo o território da Cidade do Vaticano.  

A presente Constituição abre com um preâmbulo doutrinal, em que Francisco apresenta uma profunda reflexão sobre a diocese de Roma, lembrando a sua importância do ponto de vista eclesial, bem como as dificuldades das pessoas que ali vivem e as atividades em favor dos grupos sociais mais frágeis. A seguir, formula os 45 artigos que são o corpo do documento, introduzindo vários aspetos novos, em relação ao diploma legislativo até agora em vigor, desde o Cardeal Vigário, doravante definido como auxiliar, ao papel mais preminente do Conselho Episcopal até à pormenorizada designação dos diversos ofícios (com os seus serviços): todos eles se tornam “ofício” e não, como até agora, em alguns casos, “serviço” ou “centro”.

A partir de agora, esta estrutura eclesial da Diocese de Roma – que abrange um território de 881 quilómetros quadrados, contendo 341 paróquias, das quais 337 estão ativas (336 na cidade de Roma e uma, a Paróquia de Santa Ana, na Cidade do Vaticano) – ganha maior colegialidade e maior presença do Papa, enquanto bispo de Roma, em todas as decisões pastorais, administrativas e económicas importantes (desde as nomeações até aos regulamentos e aos programas pastorais) da Diocese, ficando o Papa a presidir sempre ao Conselho Episcopal, o “órgão primário da Sinodalidade” e que leva a que as atividades de alguns ofícios do Vicariato cessem ou mudem. Assim, desaparecem encargos como o do prelado secretário-geral e são criados novos órgãos de supervisão das finanças e dos abusos. Por outro lado, a duração do mandato do pessoal administrativo é fixada em cinco anos, prorrogáveis apenas por mais cinco anos.

Nos termos do articulado do diploma, Francisco nomeou como novo vice-gerente o Bispo Auxiliar Baldassare Reina e publicou um Decreto para a designação dos setores, áreas e serviços pastorais dos sete bispos auxiliares.

No texto, sobressaem “a colegialidade episcopal e a participação ativa de cada batizado” como o horizonte de enquadramento da missão da Diocese do Bispo de Roma, para superar “a tentação pelagiana que reduz tudo ao enésimo plano de mudança de estruturas, mas enraizada em Cristo e deixando-se conduzir pelo Espírito”. E o Pontífice reitera que “a Igreja perde a sua credibilidade, quando está cheia do que não é essencial para a sua missão ou, pior ainda, quando os seus membros, às vezes mesmo os investidos em autoridade ministerial, são fonte de escândalo com o seu comportamento infiel ao Evangelho”. Assim, enumera os compromissos mais sérios e urgentes que postulam a ação pastoral do Vicariato, como a gestão económica, prudente e responsável e conduzida em conformidade com o fim que justifica a posse de bens pela Igreja.

Ao formular os 45 artigos da Constituição, o Papa detém-se no atinente às figuras preminentes do Vicariato: o Cardeal Vigário, o Vigário e os Bispos Auxiliares. E escreve: “são nomeados por mim, por tempo indeterminado, e cessam as suas funções por meu decreto.”

O Vigário – como estipulado na Ecclesia de Urbe – exerce “o ministério episcopal de magistério, santificação e governo pastoral da Diocese de Roma com poder vicário ordinário”, conforme o estabelecido pelo Papa. E é o “juiz ordinário da Diocese de Roma”. O extenso compromisso que o governo da Igreja universal exige faz com que seja necessário que o Papa, embora assista aos cuidados da Diocese de Roma, deva nomear um cardeal como seu auxiliar e vigário geral”. Porém, o Cardeal Vigário informará o Pontífice, periodicamente e sempre que julgar necessário, sobre a atividade pastoral e sobre a vida da diocese. E não empreenderá iniciativas importantes ou que excedam a administração ordinária sem o informar previamente.

Ao mesmo tempo, é reforçado o papel do Conselho Episcopal, que se torna o “órgão primário da Sinodalidade” e “o lugar preminente do discernimento e das decisões pastorais e administrativas”. Será o Papa quem presidirá a ele em reuniões previstas, pelo menos, três vezes por mês: “A agenda de cada reunião deve ser-me enviada quanto antes”, estipula Francisco. E as atas das reuniões do Conselho Episcopal são redigidas pelo bispo auxiliar, que atua como secretário, designado no início do Conselho, que devem ser enviadas ao Pontífice e a ser guardadas numa seção especial do Arquivo Geral Diocesano de Roma.

O Cardeal Vigário, na função de coordenador da pastoral diocesana, age sempre em comunhão com o Conselho Episcopal, de modo que só se afastará da sua opinião concorrente depois de ter avaliado o assunto com o Papa. E o Conselho Episcopal, que deve dar o seu consentimento para a nomeação de capelães, de reitores das igrejas e de responsáveis pelo serviço pastoral, é também responsável pela elaboração e verificação do programa pastoral diocesano, bem como pela formulação das diretrizes para a ação pastoral, que, no entanto, como escreve o Papa, “devem ser aprovadas pelo Cardeal Vigário e ratificadas por mim”.

Também devem ser aprovados pelo Papa os regulamentos que regem o Conselho Diocesano de Assuntos Económicos, órgão que assiste ao Papa na administração económica da diocese, observando “critérios de transparência na gestão dos fundos” e assumindo a tarefa de traduzir as indicações de caráter pastoral em concretas disposições económicas e financeiras. Deve preparar anualmente o orçamento para a gestão económica da Diocese de Roma e aprovar o balanço final das entradas e despesas, que submeterá à aprovação definitiva do Papa.

Foi também estabelecida, no Vicariato de Roma, uma Comissão Independente de Vigilância como órgão de controlo interno, com regulamento próprio aprovado pelo Papa, composta por seis membros, também de nomeação papal, “com certificada competência jurídica, civil e canónica, financeira e administrativa, livre de possíveis conflitos de interesse, por um período de três anos”. Uma vez por ano deve apresentar um relatório ao Papa, após ter-se reunido mensalmente e “ter verificado o progresso administrativo, económico e de trabalho do Vicariato”.

Também a Constituição Apostólica In Ecclesiarum Communione muda o papel do vice-gerente, que absorve as funções do prelado secretário, regulamentadas no artigo 18 da Constituição anterior, cuja figura não aparece na nova ordem. O vice-gerente “assiste ao Cardeal Vigário”, “coordena a administração interna da Cúria diocesana”, “dirige os escritórios que compõem o Serviço da Secretaria Geral do Vicariato”, modera os ofícios do Vicariato no exercício das suas funções e zela para que os funcionários do Vicariato executem fielmente as tarefas que lhes foram confiadas. E o Papa atribui ao Vice-gerente, no Decreto mencionado, a função prepósito do Palácio Apostólico Lateranense e a tarefa de “verificar e submeter quaisquer novos estatutos e regulamentos” da Obra Romana de Peregrinações, da Cáritas, da Obra Romana de Preservação da Fé, das Fundações, das Confrarias, das Arquiconfrarias e das Entidades ligadas ao Vicariato.

Sobre os bispos auxiliares, o Papa escreve: São meus vigários episcopais e têm poder de vigário comum no setor territorial para o qual foram nomeados por mim”. Nos quatro setores, tomam as decisões pastorais e administrativas adequadas ao seu próprio território com discernimento cuidadoso e, ouvido o parecer dos outros membros do Conselho Episcopal, de acordo com o Cardeal Vigário, realizam os atos administrativos da sua competência”.

Novas e pormenorizadas regras se aplicam à seleção de novos párocos, cujas caraterísticas espirituais, psicológicas, intelectuais e pastorais e experiência no serviço anterior, se houver, devem ser avaliadas. No caso de candidatos mais jovens, deve-se conhecer a opinião dos formadores e dos bispos que lhes conhecem a personalidade e experiências anteriores. O Cardeal Vigário, concluído o processo, submeterá ao Papa os candidatos ao cargo de pároco, para eventual nomeação, e nomeará os vice-párocos. Também o Vigário, em vista das ordenações diaconais e presbiterais, apresentará ao Papa o perfil dos “candidatos à eventual admissão nas Ordens Sagradas, tendo obtido o consentimento do Conselho Episcopal”.

Ganham relevância, a par do Conselho Pastoral Diocesano, os Conselhos Pastorais Paroquiais, presididos pelos respetivos párocos e que são organismos ordinários da comunhão eclesial, do discernimento comunitário e da corresponsabilidade.    

Por fim, ao organograma são acrescentados cargos, como o da Pastoral Carcerária, desaparece o Tribunal de Apelação (As causas devolvidas ao Tribunal de Apelação do Vicariato são tratadas e decididas pela Rota Romana) e é criado o Serviço para a Proteção de Menores e de Pessoas Vulneráveis, que reporta ao Conselho Episcopal através do bispo auxiliar, nomeado pelo Papa.

E assim fica estrutural emente renovada a complexa diocese, que é mãe de todas as dioceses.

2023.01.06 – Louro de Carvalho

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