domingo, 22 de janeiro de 2023

Jesus é a luz brilha para todo o homem e para todos os povos

 

Na liturgia do 3.º domingo do Tempo Comum no Ano A, celebramos, pela quarta vez, o IV Domingo da Palavra de Deus, sob o lema “Nós vos anunciamos o que vimos” (1Jo 1,3). E o Papa, tendo instituído este dia em 30 de setembro de 2019, presidiu à celebração da Santa Eucaristia na Basílica de São Pedro e, em seguida, com o objetivo de reavivar a responsabilidade dos crentes em conheceram a Sagrada Escritura, ofereceu aos presentes o Evangelho de Mateus. Durante a celebração, conferiu a homens e mulheres leigos os ministérios de leitor/a e de catequista.

Em particular, três pessoas receberam o ministério de leitor/a; e sete, o de catequista. São fiéis leigos e leigas provenientes da Itália, do Congo, das Filipinas, do México e do País de Gales, que pretendem representar o Povo de Deus, confrontando-se com os textos da liturgia que mostram o desígnio de Deus de oferta de salvação e de vida plena a todos os homens. É o projeto do Reino.

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Na primeira leitura (Is 8,23b-9,3), a mesma da noite do Natal, Isaías, profeta-poeta, anuncia uma luz que Deus fará brilhar sobre as montanhas da Galileia e que dissipará as trevas que submergem todos os prisioneiros da morte, da injustiça, do sofrimento, do desespero.

O livro expõe um conjunto de oráculos messiânicos, que alimentam a esperança do Povo nesse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro ainda indeterminado, oferecerá aos seus.

O trecho em referência pertence à fase final da vida do profeta, fins do século VIII a.C., quando os Assírios (que em 721 a.C. conquistaram Samaria, antiga capital do reino de Israel) oprimem as tribos da região norte do país (Zabulão e Neftali). A desolação e a morte cobrem essa região.

Ezequias, que reina em Jerusalém, a sul, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças com outros povos significam grave infidelidade a Javé, pelo depósito a confiança e da esperança nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, para consolidar uma frente contra a maior potência da época – a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, é célere: vencidos sucessivamente os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias submete-se e fica a pagar pesado tributo à Assíria.

Desiludido com os reis, o profeta sonha com a intervenção de Deus para oferecer ao Povo um mundo novo, de liberdade e de paz. O trecho em causa está crivado de oposições: humilhar/cobrir de glória, trevas/luz, caminhar nas sombras da morte (desolação, desespero) /alegria e contentamento. Os termos negativos definem a situação atual; os conceitos positivos, a futura.

Na passagem do quadro de opressão, de frustração e de desespero, ao de esperança, de alegria e de contentamento, o profeta fala de uma luz que a brilhará por cima dos montes da Galileia e que iluminará toda a Terra. Eliminará as trevas, que têm o Povo oprimido e sem esperança, e inaugurará o dia novo da alegria e da paz. Será quebrado o jugo da opressão e a paz deixará de ser miragem para ser realidade. Para descrever a alegria que encherá o coração do Povo, o profeta utiliza duas sugestivas imagens: como, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz, celebrando a abundância dos alimentos; ou como, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.

A origem desta luz libertadora e recriadora é, indubitavelmente, Deus. Será Deus quem quebrará a vara do opressor, quem levantará o jugo que oprime o Povo de Deus, quem triturará o bastão de comando que gera a humilhação. O mundo novo de alegria e de paz é um dom de Deus.

Na sequência, o oráculo ainda fala num menino, enviado por Deus para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça. É a promessa messiânica em todo o seu esplendor.

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O Evangelho (Mt 4,12-23) descreve a realização da promessa: Jesus é a luz que começa a brilhar na Galileia e propõe aos homens de toda a terra a Boa Nova do Reino. Ao seu apelo, respondem os discípulos, os primeiros destinatários e testemunhas que levarão o Reino a toda a Terra.

O trecho proposto funciona como texto-charneira, que encerra a etapa da preparação de Jesus para a missão e que lança a etapa do anúncio do Reino.

Na Galileia, região setentrional da Palestina, de população mesclada e ponto de encontro de povos, temos a cidade de Cafarnaum no limite do território de Zabulão e de Neftali, na margem noroeste do lago de Genesaré, no enfiamento da rota do mar (ligando o Egipto e a Mesopotâmia).

Esta era a capital judaica da Galileia (Tiberíades, capital política da região, pelos seus costumes gentílicos e por estar construída sobre um cemitério, era evitada pelos judeus), cuja situação geográfica lhe abria as portas dos territórios pagãos da margem oriental do lago.

Na primeira parte, Mateus, mostrando Jesus a sair de Nazaré, seu lugar de residência habitual, para Cafarnaum, descobre nisso um significado profundo, à luz de Is 8,23-9,1: a luz que havia de eliminar as trevas e as sombras da morte de que fala Isaías é Jesus. Na terra humilhada de Zabulão e Neftali, começa a brilhar a luz da libertação, que vai atingir também os pagãos que acolherem o anúncio do Reino. É significativo que o primeiro anúncio ecoe na Galileia, terra onde os gentios se misturam com os judeus e, sobretudo, em Cafarnaum, cidade que, pela sua situação, é ponte para terras pagãs. O anúncio libertador de Jesus tem, desde logo, uma dimensão universal.

Na segunda parte, surge o lançamento da missão de Jesus: o conteúdo básico da sua pregação é o Reino como realidade viva e atuante. E aparecem os primeiros discípulos que acolhem o apelo do Reino e que acompanham Jesus na missão.

Jesus veio trazer o Reino. A expressão “Reino de Deus” ou “Reino dos céus” (hê basileía tôn ouranôn), como diz Mateus, refere-se, no Antigo Testamento e no tempo de Jesus, ao exercício do poder soberano de Deus sobre os homens e sobre o Mundo. No discurso profético aparecem, pari passu, denúncias de injustiças dos reis contra os pobres, de atropelos ao direito, orquestrados pela classe dirigente, de responsabilidades dos líderes no abandono da aliança, de graves omissões no atinente aos compromissos assumidos para com Javé. Por isso, desiludido com o modo como os reis exercem a realeza, o Povo de Deus sonha com um tempo novo, em que será o próprio Deus a reinar. Será o Reino da justiça, da misericórdia, da preocupação de Deus para com os pobres e marginalizados, da abundância e fecundidade, da paz sem fim.

Jesus tem consciência de que a vinda do Reino está ligada à sua pessoa. Assim, o primeiro anúncio espelha-se no pregão: “arrependei-os (metanoeîte) porque o Reino dos céus está a chegar”.

O convite à conversão (“metanoia”) é o convite à mudança radical na mentalidade, nos valores, na postura vital. Corresponde à reorientação da vida para Deus, de modo que Deus e os seus valores estejam no centro da vida do homem. Só quando o homem deixa que Deus ocupe o lugar que Lhe compete, o Reino nascerá e se tornará realidade nos corações e no Mundo.

Na sequência, Mateus mostra Jesus a construir ativamente o Reino: as palavras anunciam a nova realidade e os gestos (milagres, curas, vitórias sobre o que rouba a vida e a felicidade) são sinais de que Deus já começou a reinar e a transformar a escravidão em liberdade.

Por fim, Mateus descreve o chamamento dos primeiros discípulos. Não é relato jornalístico de eventos, mas catequese sobre o chamamento e a adesão ao projeto do Reino. A pronta resposta de Pedro e André, de Tiago e João constitui um exemplo da conversão radical ao Reino e de adesão às suas exigências. E vinca-se a diferença entre os chamados por Jesus e os discípulos que se juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que escolhem o mestre e pedem para entrar no grupo, como sucedia com os discípulos dos rabbis. A iniciativa é de Jesus, que chama os que elegeu, os convida a segui-Lo e lhes propõe uma missão. A resposta dos quatro discípulos é paradigmática: renunciam à família, ao seu trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem condições. Esta rutura (rutura afetiva com pessoas e rutura com as referências sociais e de segurança económica) indicia a opção radical pelo Reino e pelas suas exigências.

A missão confiada a estes discípulos, que aceitam o desafio do Reino, tem a ver com a condição de pescadores. O mar é, na cultura judaica, o lugar dos demónios, das forças da morte opostas à vida e à felicidade. Ora, a tarefa destes discípulos, que aceitam integrar o Reino, é a de pescadores de homens, ou seja, a de libertar os homens da realidade de morte e de escravidão em que estão mergulhados, guiando-os à liberdade e à realização plenas. Estes representam todos discípulos, de todos os tempos e lugares: todos os que se incorporam em Cristo pelo batismo, que devem responder positivamente ao chamamento, optar pelo Reino e pelas suas exigências e tornar-se testemunhas da vida e da salvação de Deus no meio dos homens.

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A segunda leitura (1 Cor 1,10-13.17) apresenta as vicissitudes da comunidade de discípulos, que esqueceram Jesus. O apóstolo exorta-os vivamente a redescobrirem os fundamentos da sua fé e dos compromissos assumidos no batismo.

Após ter partido de Corinto, Paulo continuou em contacto com a comunidade. Mesmo distante, acompanhava-a vida e inteirava-se regularmente das dificuldades e dos problemas que os seus filhos de Corinto enfrentavam. De Éfeso escreveu-lhes a primeira carta.

De Corinto haviam chegado notícias alarmantes. Após a partida de Paulo, aparecera na cidade um eloquente pregador cristão, Apolo, judeu de Antioquia, convertido ao cristianismo, versado nas Escrituras e que foi de grande utilidade para a comunidade na polémica com os judeus. Era mais brilhante do que Paulo, conhecido pela sua falta de eloquência.

Porém, formaram-se partidos na comunidade (Apolo não favorecia a divisão), à imagem do que acontecia nas escolas filosóficas da cidade, que tinham os mestres, à volta dos quais circulavam os adeptos ou simpatizantes: uns admiravam Paulo, outros Cefas (Pedro) e outros admiravam Apolo. O cristianismo tornava-se, desse modo, uma escola de sabedoria, na qual era possível optar por mestres distintos.

A situação preocupou o Apóstolo: nesses conflitos e rivalidades, estava em causa a essência da fé. O cristianismo corria o perigo de se tornar uma escola de sabedoria, cuja validade dependia do brilho dos mestres, que expunha, o ideário, e do seu poder de convicção. Ora, o cristianismo não é a escolha de uma filosofia, defendida mais ou menos brilhantemente por um mestre qualquer, mas a adesão à pessoa de Jesus Cristo, o único e verdadeiro mestre.

Paulo não receia as palavras: a Cristo e só a Cristo os cristãos, todos, foram consagrados pelo batismo. É Ele e só Ele a fonte de salvação. Ser batizado é fazer parte do corpo de Cristo e participar no acontecimento salvador do qual Jesus Cristo é o único mediador. Dizer que se é de Paulo, ou de Cefas, ou de Pedro é desvirtuar gravemente a essência da fé cristã. Não foi Paulo o crucificado. O batismo não significou adesão à doutrina de Paulo ou de outro mestre.

O importante não é quem batizou ou quem anunciou o Evangelho: o importante é Cristo, do qual Paulo, Cefas e Apolo são humanos instrumentos. Os Coríntios são, pois, intimados a não fixar a atenção em mestres humanos e a redescobrir Cristo, morto na cruz para dar vida a todos, como a essência da fé e do compromisso. Assim, a comunidade será verdadeira família de irmãos, que vive em unidade e em comunhão, recebendo de Cristo a vida.

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Porque não podemos deixar de “anunciar o que vimos”, convém referir que se propõe, neste dia, a releitura da Dei Verbum, a Constituição Dogmática sobre a Divina Revelação, do Vaticano II (https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html). Muito convém que a Palavra de Deus anime os corações e brilhe nas comunidades. No dizer de S. Jerónimo, quem despreza as Sagradas Escrituras despreza o próprio Cristo.

2023.01.23 – Louro de Carvalho

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