quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

As altas indemnizações não são prerrogativa apenas da TAP

 

Christine Ourmières-Widener, presidente da comissão executiva (CEO) da TAP, foi ouvida no Parlamento, a 19 de janeiro, na sequência de requerimento do Chega. Porém, não deu resposta à questão levantada por quase todos os deputados e por diversas vezes: a forma de saída de Alexandra Reis, em fevereiro de 2022, com a indemnização de 500 mil euros brutos. Nunca respondeu diretamente se esta administradora executiva tinha sido demitida ou se se demitiu.

Assegurou que a “única razão” da saída foi um “desalinhamento na execução do plano de reestruturação”, pois, “na equipa executiva, é crucial haver um alinhamento relativamente à implementação do plano”. À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) foi comunicado que ela saía para abraçar outros desafios profissionais.

Esta questão é relevante, já que, se Alexandra Reis foi demitida, a administração da TAP mentiu ao regulador; se se demitiu, não teria direito à indemnização.

A CEO admitiu que a administração da TAP foi contratada ao abrigo do Estatuto do Gestor Público (EGP), embora tenha referido não se recordar de referência a esse estatuto nas conversas com a sociedade de advogados Simmons & Rebelo de Sousa (SRS). E disse não poder pronunciar-se sobre a legalidade da indemnização, pois há investigação em curso. Também esta questão é relevante: se Alexandra Reis foi contratada ao abrigo do EGP, teria de devolver a indemnização quando foi para a NAV, empresa estatal de controlo do tráfego nos aeroportos.

Do que não resta dúvida é que a CEO da TAP atribui a responsabilidade da modalidade escolhida para a saída de Alexandra Reis à SRS, que assessorou a companhia. Na prática, atribui eventuais falhas no processo aos serviços jurídicos externos: “Seguimos as recomendações, passo a passo, e não fizemos nada de diferente das recomendações, porque contratamos aconselhamento jurídico para garantirmos que o que estamos a fazer é legal.” Assegurou que o procedimento está documentado: “Há provas escritas do processo, dos diferentes passos da discussão e também da aprovação do acordo final.” E afirmou ter recebido a confirmação escrita do acordo, enviada por Hugo Santos Mendes, secretário de Estado Adjunto e das Comunicações até março de 2022 e, a partir daí até ao passado dia 4 de janeiro, secretário de Estado das Infraestruturas, que foi, segundo a gestora, o coordenador do processo e o pivot no Governo do mesmo processo.

Quem a gestora iliba no processo é o ministro das Finanças, Fernando Medina, com quem assegura nunca ter falado sobre o assunto, o que não quer dizer que o Governo não tenha, nele, responsabilidades. Na verdade, a CEO tem registos escritos sobre o processo e a aprovação definitiva, presumindo que o acordo era do conhecimento das Finanças. Porém, como é de lei, não passou pela Parpública, nem pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF).

Questionada por Hugo Carneiro, deputado do Partido Social Democrata (PSD) sobre se falou com Fernando Medina, em relação à saída de Alexandra Reis, respondeu: “Diretamente não.” Apenas referiu que a única coisa que o ministro das Finanças lhe aconselhou a fazer foi dizer a verdade sobre o caso, mas sem falar sobre a indemnização.

Para o ministro, o caso da indemnização da TAP é “desajustado”. Por isso, defende a criação de um quadro legislativo para empresas públicas que atuam em setores de concorrência. Entretanto, pediu um levantamento de processos passados relativamente à aplicação do EGP, de forma a perceber se, noutras empresas detidas pelo Estado, houve casos idênticos. E observou: “Os casos de exceção relativamente à aplicação do Estatuto do Gestor Público são muitíssimo reduzidos, do ponto de vista do universo empresarial, e dei indicação de se proceder a um levantamento relativamente a processos passados e à utilização dos tipos de mecanismos em outras empresas.”

Falando na Comissão de Orçamento e Finanças, a propósito deste caso, depois de o PSD ter apresentado um requerimento potestativo, respondia ao deputado comunista Bruno Dias, que o interpelou: “Quantas mais Alexandras Reis poderão andar aí na sua tutela financeira?” E, anuindo a que não se podem importar práticas como algumas do setor privado, “manifestamente desajustadas no contexto em que vivemos, mais ainda sendo numa empresa detida pelo Estado”, defendeu um quadro legislativo próprio para estas empresas públicas que atuam em setores de concorrência:O que teremos que ter não é um Estatuto do Gestor Público, que depois, de certa forma a la carte, se vai aplicando ou não a estas empresas sujeitas à concorrência internacional, mas […] possivelmente precisam de um quadro legislativo próprio.”

O ministro reforçou que, por motivos de transparência e de acompanhamento, as empresas que funcionam em regime aberto concorrencial e que são propriedade do Estado “devem ter um quadro relativamente ao funcionamento e à governance de toda a sua atuação que seja próprio, bem identificado, com regras bem claras, precisamente para retirar margens de ambiguidade”.

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Caso parecido com o da TAP, embora diferente, não sei se não mais grave, é o da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Ambas as empresas públicas atuam num mercado concorrencial com privados, mas têm regras diferentes na contratação de administradores e na rescisão com eles.

O primeiro-ministro (PM), António Costa, defendeu os salários nas administrações da TAP e da CGD, depois de a indemnização na companhia aérea ter gerado polémica sobre a remuneração nas empresas públicas. Embora paguem salários acima do que recebe o PM, por exercerem atividades em mercado concorrencial com entidades privadas, a Caixa e TAP não dispõem de regras iguais no atinente a indemnizações dos gestores. 

Enquanto a indemnização a Alexandra Reis está sob investigação, por dúvidas sobre a sua legalidade e sobre o montante pago, o ministro das Finanças mandou a Inspeção-Geral das Finanças (IGF) investigar outros casos, vincando que também na Caixa havia indemnizações a ex-gestores, há não muito tempo. Isto aconteceu em janeiro de 2017, quando dois gestores da equipa de António de Domingues – Pedro Leitão e Tiago Oliveira Marques – foram indemnizados em cerca de 1,7 milhões de euros, por terem sido demitidos sem justa causa. Nos dias a seguir, Paulo Macedo e a sua equipa entrariam em funções. A CGD diz que as decisões foram tomadas pelos órgãos de governo da CGD competentes, a Comissão de Remunerações da Assembleia Geral; o Ministério das Finanças mantém silêncio sobre o assunto.

Era, então, ministro da Finanças Mário Centeno, atual governador do Banco de Portugal. Foi com ele que a CGD passou a ser a exceção na aplicação do EGP, quando, em 2016, o Governo alterou tal estatuto (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março), cujo artigo 1.º, n.º 2 estabelece, na redação atual: “O presente decreto-lei não se aplica a quem seja designado para órgão de administração de instituições de crédito integradas no setor empresarial do Estado e qualificadas como ‘entidades supervisionadas significativas’, na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu.

Por isso, tiveram enquadramento diferente da que recebeu Alexandra Reis as indemnizações pagas a Pedro Leitão (746,4 mil euros) e Tiago Oliveira Marques (950,8 mil euros): o Código das Sociedades Comerciais (CSC) (vd Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na redação atual), que estabelece no artigo 403.º: “1 - Qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento. […] 5 - Se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.”

Por comunicado de 2 de fevereiro de 2017, a assembleia geral da CGD comunicou ter procedido, “

Nos termos e para os efeitos do disposto nos números 1 e 5 do artigo 403.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), à destituição, com efeitos a 31 de janeiro de 2017, dos seguintes membros do Conselho de Administração da CGD, S.A., anteriormente eleitos para o mandato 2016-2019: Pedro Humberto Monteiro Durão Leitão; e Tiago Ravara Belo de Oliveira Marques.”

Esta assembleia geral foi a que elegeu Paulo Macedo e a sua equipa para o primeiro mandato.

Apesar da exceção, o banco público cumpre algumas regras do EGP. Designadamente, os seus administradores estão sujeitos aos deveres de transparência e responsabilidade do EGP, por força do artigo 38.º da Lei do Orçamento do Estado (vd Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro).

Ainda não há resultados das investigações da IGF, mas percebe-se que a CGD e a TAP observam normas diferentes no atinente ao EGP, pelo que se questiona a indemnização de Alexandra Reis, destituída sem justa causa (para lá dos eventuais problemas de governance). O PM foi claro, ao dizer que a ex-gestora da TAP “violou” o EGP quando foi para a administração da NAV, após ter saído da transportadora aérea, e que devia ter devolvido parte da indemnização recebida.

Com efeito, n.º 3 artigo 26.º do EGP estipula, no tocante a indemnizações: “Desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses.” E o n.º 4 do mesmo artigo determina: “Nos casos de regresso ao exercício de funções ou de aceitação, no prazo a que se refere o número anterior, de função ou cargo no âmbito do setor público administrativo ou empresarial, […] a indemnização eventualmente devida é reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga”.

Alexandra Reis recebeu 350 mil euros anuais brutos na TAP, que seria o montante máximo da indemnização (tirando as férias por gozar e outras situações). Porém, tendo ingressado na administração da NAV, a indemnização terá de descontar o que ficou a receber como presidente da empresa que gere a navegação aérea. Serão estas as contas a fazer. Desde o início da polémica, Alexandra Reis sempre se disponibilizou a devolver o que teria recebido a mais.

Embora em situações diferentes, Caixa e TAP são iguais no que diz respeito ao facto de poderem pagar remunerações acima do que recebe o PM, que defendeu que assim deve ser.

A CGD, apesar de excecionada do EGP, está sujeita às regras da banca privada e quem aprova o salário do CEO e da equipa é a Comissão de Remunerações da Assembleia Geral (isto é, o acionista). Isto ajuda a explicar por que o CEO da Caixa recebe 30 mil euros brutos por mês.

No que toca à TAP, a atual CEO recebeu 36 mil euros mensais em 2021. Segundo as regras, cabe à Assembleia Geral deliberar sobre a remuneração dos membros dos órgãos e corpos sociais, podendo esta designar uma comissão de vencimentos. Estando a TAP enquadrada no EGP, há que observar o estipulado no n.º 9 do artigo 28.º do mesmo: “Quando se trate de empresas cuja principal função seja a produção de bens e serviços mercantis, incluindo serviços financeiros, e relativamente à qual se encontrem em regime de concorrência no mercado, mediante autorização expressa do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gestores podem optar por valor com o limite da sua remuneração média dos últimos três anos”.

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E assim se gere o dinheiro dos cidadãos, transformados em clientes do Estado e de seus satélites! Porém, a CGD vive muito à custa de clientes de médios ou de muito fracos recursos.

2023.01.18 – Louro de Carvalho

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