terça-feira, 17 de janeiro de 2023

É urgente melhorar ou até mudar o atual modelo de resposta à velhice

 

Portugal é o país da União Europeia (UE) em que se envelhece mais rapidamente, e os idosos dependentes esperam, anos e anos, por uma vaga num lar do setor social ou têm de pagar de 1500 a 2400 euros por alguma qualidade.

O presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, considera que “o envelhecimento em Portugal é um verdadeiro tsunami social”. Com efeito, somos um dos cinco países da UE com menos saúde na terceira idade, e perto de 360 mil pessoas têm mais de 80 anos.

Segundo as estatísticas, somos o país da UE que envelhece mais rapidamente, com duas vezes mais idosos do que jovens e crianças, e o terceiro com mais idosos, a seguir à Itália e Alemanha. Mais de mais de 2,2 milhões de pessoas (dos quais cerca de 150 mil estarão em lares) são a nossa terceira idade, que faz um quinto da população. O número deverá atingir os três milhões em 2080, vindo a duplicar o índice de envelhecimento para 300 idosos por cada 100 jovens.

O panorama dos lares da terceira idade é preocupante: listas de espera muito recheadas para obter vaga num estabelecimento comparticipado pelo Estado, preços proibitivos no setor privado e, tanto no setor privado como no social, cuidados pobres e desadequados à dignidade e qualidade de vida dos idosos.

Os idosos chegam aos lares cada vez mais tarde e mais doentes a carecer de cuidados mais especializados. Com efeito, a decisão de internamento é sempre difícil para as famílias e é adiada o mais possível e, por outro lado, pesam os problemas financeiros.

Segundo a plataforma Lares online, que agrega informação sobre a oferta de residências privadas licenciadas, a mensalidade média cobrada nos lares de idosos é de 1280 euros, mas os preços disparam nas zonas de maior pressão urbana. Faro é o distrito onde ser idoso dependente é mais caro, com um preço médio de 1645 euros. A seguir, vêm Viana do Castelo (1548 euros), Porto (1420 euros) e Lisboa (1371 euros). Porém, é em Lisboa que se praticam os preços máximos mais elevados (por volta dos 2400 euros) e, em residências mais luxuosas, as mensalidades chegam a superar os 3000 euros mensais. Os dois distritos que ficam abaixo dos mil euros são Vila Real e Santarém, em torno dos 945 e 997 euros, respetivamente. A estes valores há a acrescentar a joia de inscrição, que pode rondar os mil euros ou mais, cauções e despesas extra como fraldas, medicamentos e consultas. Assim, por exemplo, em Lisboa, o custo real nunca fica abaixo dos 1500 euros para uma qualidade aceitável. Até com a sorte dos idosos se especula!

Este panorama não seria tão desolador, se o salário médio e as pensões fossem decentes. Porém, em Portugal, apesar do aumento galopante dos preços dos bens essenciais e do incomportável aumento dos custos no setor energético, a pensão média não vai além dos 480 euros e o salário médio dos familiares fica abaixo dos mil euros. Por isso, o acesso a estas residências está fora de questão para a maioria, que ou espera vários anos por uma vaga social ou recorre a lares não licenciados (tolerados pelo sistema) ou clandestinos, a funcionar em condições más.

Estes lares cobram quantias da ordem dos 600, 700 ou 900 euros. E, apesar dos preços elevados, a maioria dos cerca de 900 lares privados licenciados está com lotação esgotada, e a rotação de utentes acelerou de modo incrível nos últimos 10 anos. Por sua vez, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e misericórdias, no seu conjunto, acolhem cerca de 150 mil idosos.

Isto dá para concluir que a nossa sociedade não se organizou para enfrentar os efeitos secundários da longevidade, grande parte dela vivida em doença, fragilidade económica e dependência.

Até 2050 serão necessárias mais 55 mil camas, pois, segundo o Eurostat, Portugal é o quinto país da UE com menor tempo de vida saudável dos idosos. E os dados do Censos 2021, revelam que há cerca de 360 mil portugueses com mais de 80 anos.

Com as projeções oficiais a apontarem para o contínuo crescimento deste tipo de envelhecimento e com o grande desequilíbrio entre a oferta e a procura, as multinacionais do setor posicionam-se no território nacional, sobretudo para o segmento médio-alto, comprando residências ainda em planta. Por exemplo, o grupo ORPEA, cotado em bolsa, passou a deter, em pouco tempo, cerca da dezena de residências seniores, sobretudo a norte do país. E até o setor social, que recebe comparticipação da Segurança Social, põe 10% das vagas a preços de mercado, o que é assumido pela UMP e pelas IPSS como solução para compensar o crónico subfinanciamento do setor.

O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), padre Lino Maia, explica: “Um utente custa cerca de mil euros, a sua contribuição é, em média, de 400 euros e o Estado vai comparticipar com 490 euros, ou seja, fica sempre a faltar dinheiro.” Por isso, como vem sendo denunciado, quem tem possibilidade de pagar, às vezes, passa à frente de quem não tem. De facto, as listas de espera são muito longas, havendo utentes que esperam, durante anos, para conseguirem uma vaga no setor social.

Segundo dados do Mistério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS), os lares da rede social contavam-se em 2597, em 2021, mais 29 do que em 2020. E a capacidade aumentou de 101 919 para 103 481 lugares. O Estado comparticipou a estada de 63 mil utentes em lares, mais 16% do que em 2013. No total, a capacidade da rede disponível que abrange lares, apoio domiciliário e centros de dia aumentou para 280 448 pessoas, em 2021.

O número de lares privados, que ronda os 900, aumentou cerca de 5% na última década. Mas, como reconhece o presidente da UMP, “o aumento da oferta de lares não está a ser suficiente para o aumento da procura, até porque a maior parte da nova oferta é no setor privado e orientada para a classe média-alta”. Por outro lado, como assentem o setor social e o Governo, “a abordagem ao problema da velhice dependente tem de ir além da construção de mais lares: é preciso reformular o serviço que prestam e apostar mais num apoio domiciliário que seja verdadeiramente eficaz”.

Um documento da UMP, de maio de 2021, tece críticas ao modelo vigente de respostas para o envelhecimento, como o facto de grande parte dos serviços de apoio domiciliário serem prestados só de segunda a sexta-feira, a inexistência de um plano de cuidados integrados na doença crónica e no processo de envelhecimento, a desarticulação entre serviços de saúde, serviços da segurança social e prestadores de cuidados, e a falta de resposta com cobertura nacional. Face a esta situação, o Governo terá de gastar mais dinheiro para enfrentar o envelhecimento.

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Em resposta às críticas do setor social, o Governo propõe-se aumentar as comparticipações em lares e incentivar um novo modelo de apoio domiciliário. Todavia, a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, assume que também o setor social tem de garantir mais qualidade de vida aos idosos.

O Governo usa 217 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para melhorar a resposta aos idosos que precisam de lares e de apoio domiciliário. Em 2021, o Estado apoiava 63 mil utentes em lares, mais 16% do que em 2013, com uma despesa de 370 milhões euros, mais 50% do que gastava oito anos antes. Porém, esta é uma área onde a despesa vai ter de continuar a aumentar, assumiu a governante.

No âmbito do PRR e do Programa Pares foram lançados vários avisos para construção de respostas sociais, com 10 mil vagas em lares e 26 mil vagas em serviços de apoio domiciliário.

As candidaturas foram recebidas em março de 2021 e aprovadas em setembro. Entre elas, estão 17 projetos de respostas inovadoras em lares, em que os idosos com alguma autonomia e em melhor estado cognitivo possam residir numa área com mais privacidade e aceder a tratamento de roupa, alimentação e outros cuidados no espaço comum – respostas que serão criadas até 2026, o que implicará mais financiamento, no âmbito de acordos de cooperação com o setor social. Em linha com a avaliação da UMP e da CNIPSS, o Governo defende que “a aposta tem de estar em mais horas de apoio domiciliário diversificado, que se estendam até à noite, em sistemas tecnológicos que permitam um botão de emergência aos idosos sozinhos e, no caso dos lares, em soluções mais diferenciadas e especializadas para grandes dependentes”. A ideia é que o lar seja o último recurso. Esquece-se a ideia lançada por João Luís da Inês Vaz, a 2 de dezembro de 2001, de que muitos idosos sentem fortemente, em casa, a solidão noturna, mais do que a diurna, pelo que seria de criar, a par dos centos de dia, centros de noite (onde pudessem jantar e dormir).

Outra carência muito apontada é a falta de mão-de-obra para lidar com idosos com situações complexas. O reconhecimento do problema levou o Governo a criar, em dezembro, um centro de formação para o setor social, na Guarda, – com aulas presenciais e à distância. E celebrou uma parceria com o governo de Cabo Verde para recrutamento de trabalhadores para virem trabalhar para estas instituições, assumida que é a dificuldade de colmatar as falhas com a prata da casa.

Porque o apoio domiciliário é o futuro, o MTSSS lançou, este mês, um aviso no valor de 20 milhões de euros, também com verbas do PRR, para apoiar o surgimento de novos serviços em casa dos idosos, como a eliminação de pequenas barreiras arquitetónicas na casa das pessoas ou o melhoramento de espaços, mas também atividades que ajudem a dinamizar a interação com a comunidade. São apoiadas mais de 69 700 pessoas nesta valência. E, a partir de janeiro, a comparticipação financeira do Estado por utente em lares passa a ser de 493 euros mensais (antes era de 470€) e, nos centros de dia, há um aumento de 5% sobre os 140€ mensais. E, face ao impacto da inflação, o Governo criou também outro apoio temporário e excecional, no valor de 38 milhões de euros, para apoiar as instituições.

Além disso, a Linha SNS24 dispõe, a partir de janeiro, de um serviço de atendimento e de resposta médica para populações mais vulneráveis, como idosos residentes em lares. O objetivo é que haja um primeiro contacto desta população, em caso de necessidade, com a Linha Saúde 24 e a partir daí uma avaliação e o encaminhamento das pessoas. Após um processo de triagem, como sucede com as outras respostas da Linha SNS24, o utente é encaminhado para consulta de telemedicina, em caso de necessidade, ou para atendimento presencial. Esta resposta começa por estar disponível para idosos que vivem em lares e utentes das unidades da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

Todavia, estas respostas implicam uma radical melhoria do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e do aperfeiçoamento dos setores privado e social da saúde, no sentido da humanização da saúde, no que há muitíssimo por fazer. Mais vale tarde do que nunca. Os cidadãos precisam e merecem.

2022.01.17 – Louro de Carvalho

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