sábado, 14 de janeiro de 2023

Amazónia: “Rosto amazónico da Igreja” e “Pés a Caminho”

 

Duas grandes ações de índole missionária estão em curso na Amazónia: uma que encara o povo ticuna como um dos rostos amazónicos da Igreja, já que este povo avança em evangelização intercultural e numa Igreja com rosto indígena; e outra, sob o título “Pés a Caminho”, na diocese de São José de Rio Preto, da arquidiocese de Manaus.

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Como consequência do Sínodo para a Amazónia, que insiste em avançar numa evangelização intercultural e em tornar realidade uma Igreja com rosto amazónico e indígena, a paróquia de São Francisco de Assis, em Belém do Solimões, diocese de Alto Solimões, mesmo diante dos desafios enfrentados e da necessidade de caminhar amadurecendo, surge como bom exemplo dessa maneira de ser Igreja, intercultural e com rosto indígena.

O trabalho dos frades capuchinhos com o povo ticuna está a mostrar que isso é possível. Na verdade, a 3.ª Reunião Geral Diocesana de Pastoral Ticuna, realizada de 4 a 8 de janeiro de 2023, contou com 180 indígenas ticunas de 20 comunidades de toda a diocese – ministros da Palavra, catequistas, agentes do dízimo (contribuição económica para a Igreja), jovens, coordenadores, vocacionados, missionários, caciques (chefes de tribo indígena), homens e mulheres – para partilharem, escutarem os desafios de cada comunidade e avaliarem o caminhar de cada Comunidade Eclesial Missionária (CEM).

Ao longo de cinco dias de intenso trabalho, os participantes trabalharam em grupo e receberam formação em torno dos quatro pilares que sustentam as Diretrizes para a Ação Evangelizadora da Igreja (DAEI) no Brasil: Palavra, Pão, Caridade e Ação Missionária. A partir daí, as comunidades têm assumido compromissos para cada um dos pilares, valorizando a Bíblia, as celebrações de forma inculturada, a catequese e a oração do terço do rosário, os jovens e o combate ao alcoolismo, a língua e a cultura. O encontro, realizado em língua ticuna, abordou a ecologia, a missionariedade e as vocações ticuna, especialmente neste III Ano Vocacional que a Igreja do Brasil está a viver.

Esta grande ação reflexiva, formativa e perspetivante contou com a presença do bispo diocesano D. Adolfo Zon e do arcebispo de Ancona (Itália), D. Ângelo Spina que, juntamente com um grupo de padres, leigos e seminaristas, está de visita à Diocese de Alto Solimões, com vista a avançar na cooperação missionária.

O encontro constituiu uma boa oportunidade para elaborar um calendário pastoral diocesano ticuna para o ano 2023, com formações para os indígenas e com encontros de jovens em prol da sobriedade, da ecologia e da valorização da cultura. Também foram organizadas as visitas missionárias de missionários e de missionárias do povo ticuna, com o diácono Antelmo Pereira Ângelo, o primeiro diácono permanente do povo ticuna.

Neste sentido, já foram enviados os primeiros sete missionários e missionárias ticunas para três semanas de missão e formações nas comunidades ticunas mais distantes da diocese, Tonantins e Santo António do Içá. Essas visitas são vistas como motivo de enorme alegria para o povo e para os missionários e missionárias, vivendo plenamente o seu protagonismo eclesial na construção do Reino de Deus, na construção de uma Igreja amazónica com rosto indígena.

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São José do Rio Preto dista de Manaus, em linha reta, quase 2.300 quilómetros, informação que só confirma as dimensões continentais do país, o que em nada desmotivou seminaristas e leigos da Região que participam na denominada 1.ª Experiência Vocacional Missionária Nacional “Pés a Caminho”. “Enviados pelo Espírito até os confins do mundo” e “Cristo aponta para a Amazónia” são, respetivamente, o tema e o lema da iniciativa que teve início no último dia 5 de janeiro na arquidiocese cuja sede se situa em Manaus, a capital do Estado do Amazonas.

O Conselho Missionário para Seminaristas (COMISE Nacional) é um dos promotores da ação que reúne cerca de 280 pessoas (entre leigos, estudantes de Teologia e de Filosofia, religiosos, diáconos, padres e bispos de 94 Dioceses.

Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), todos os 19 Regionais que fazem parte da Igreja do Brasil estão representados na experiência que se insere no contexto do III Ano Vocacional em curso no país e que se encontra sintonia com os apelos do Papa Francisco em prol da defesa da “Casa Comum”.

Dhionen Tinarelli, seminarista da diocese de São José do Rio Preto, olhando a cidade de Manaus e os seus mais de dois milhões de habitantes, verificou o contraste comum aos grandes centros urbanos que, sendo desenvolvidos, enfrentam enormes desafios como o aumento da população em situação de rua ou o tráfico de drogas.

Nesse sentido e para favorecer uma maior imersão à realidade amazónica (muito rica em sinais proféticos), foi realizado um congresso para orientar os missionários enviados à prelazia de Itacoatiara, na diocese de Coari, além dos que permaneceram na capital.

O seminarista em referência, hospedado na paróquia Santo António (prelazia de Itacoatiara), aponta que, além da Matriz, existem outras seis comunidades, todas, surpreendentemente, para ele, com um povo muito acolhedor e com uma cultura muito rica.

Num processo de inculturação, “abandonou” as carnes bovina, suína e de frango, igualmente servidas na região, para experimentar a culinária rica em peixes e baseada na variedade de alimentos nativos da floresta (como a semente de pupunha, o tucumã, o cupuaçu e o açaí).

Falando-se em missão, pensa-se na evangelização. E, como Dhionen Tinarelli pôde compreender, a evangelização acontece a partir do conhecimento das vidas, das histórias e das experiências. Com efeito, o Cristo que habita em São José do Rio Preto é o Cristo que habita em Roma, o Cristo que habita em toda a parte. Chega-se na ânsia de falar de Jesus e as pessoas já tem uma certa vivência cristã. Por isso, acabam por nos ensinar que o que procuramos não é apresentar o Senhor, mas poder quebrar os paradigmas e os preconceitos que se têm sobre uma cidade e sobre um povo. “A maior evangelização” – disse o seminarista – “é a compreensão de que a cultura do outro é tão importante como a nossa”. “Muitas vezes Jesus Cristo não precisa de ser apresentado, mas respeitado”, sintetizou.

Enviada para a área missionária São João Paulo II, na periferia de Manaus, Vitória Fernandes, da paróquia de São Vicente de Paulo, da diocese de São José do Rio Preto, tem realizado visitas diárias a idosos e participado em momentos de oração organizados pelas lideranças locais. A leiga integra a Juventude Missionária que, na experiência, conta com 17 representantes de todo o país. Conheceram Pedro, o primeiro cacique e fundador da tribo Kokama Karuara. Além de todos os ensinamentos que proporcionou sobre os costumes, as vestimentas, a língua nativa e a música, segundo a jovem que vai integrar o Secretariado Diocesano de Pastoral em 2023, o indígena relatou as dificuldades verificadas no processo de evangelização, a quase extinção da sua etnia e o processo de retoma das atividades da tribo. “O mais impressionante é que a sua fé na Igreja Católica não ficou abalada. E nós agimos, ao contrário, com quem tem pensamentos diferentes dos nossos”, completou Vitória Fernandes, ao partilhar a lição recebida.

A 1.ª Experiência Vocacional Missionária Nacional “Pés a Caminho”, na Arquidiocese de Manaus, vai até 17 de janeiro. Além de Vitória Fernandes e de Dhionen Tinarelli, participam na iniciativa os seminaristas Matheus Silva (diocese de Barretos), Eduardo Ribeiro (diocese de Votuporanga), Vinícius Gambarini (diocese de Catanduva) e o missionário Anderson Silva.

“Aceitem a nossa simplicidade e hospitalidade que podemos oferecer”, exortou o arcebispo local, Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM (Ordo Fratrum Minorum, Ordem dos Frades Menores), primeiro Cardeal da Amazónia em publicação do COMISE Nacional.

“Não tenho palavras para expressar essa experiência. Só tenho que agradecer a oportunidade que a diocese de São José do Rio Preto me deu”, reconheceu o bispo Dom Antonio Emidio Vilar, SDB (Sociedade de Dom Bosco).

“Que essa missão continue não somente aqui, mas pelo Brasil afora”, desejou o seminarista Dhionen Tinarelli.

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As duas iniciativas missionárias em referência, privilegiando a procura e a manifestação de um rosto indígena de Igreja e no dinamismo da Igreja em saída “Pés a Caminho”, dão objetivo, conteúdo e vigor ao III Ano Vocacional em curso no país, seguem a perspetiva gizada pelo Papa Francisco e continuam a resposta às aspirações eclesiais, missionárias e ecológico-económicas do Sínodo para a Amazónia. Urge não parar, mas estender a ação ao largo e ao longe e exercê-la em profundidade. Missionários não cruzam os braços!

2023.01.14 – Louro de Carvalho

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