quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Desafios ao Fórum Económico Mundial de Davos em 2023

 

O Fórum Económico Mundial (WEF, em Inglês, World Economic Forum) voltou a Davos, nos Alpes Suíços, de 16 a 20 de janeiro, sob o lema “Cooperação em um Mundo Fragmentado”, para enfrentar os desafios globais mais urgentes e com a confiança na sua capacidade de impulsionar soluções voltadas para o futuro. É o Fórum de Davos 2023, onde são discutidas as questões prementes da atualidade e o rumo do planeta.

O evento reúne cerca de 2.700 chefes de Estado e de Governo, CEO de empresas, representantes da sociedade civil, nomeadamente organizações não-governamentais (ONG), meios de comunicação globais e líderes juvenis procedentes da África, Ásia, Europa, Oriente Médio, América Latina e América do Norte, para trabalharem juntos para reconstruir a confiança e moldar os princípios, as políticas e as parcerias necessárias para enfrentar os desafios de 2023.

A pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia desencadearam grandes transformações, pelo que esta reunião tem como objetivo enfrentar riscos sistémicos para evitar incertezas e fragilidades. O Fórum de Davos 2023 procura, assim, impulsionar soluções voltadas para o futuro e enfrentar os desafios globais mais urgentes através da cooperação público-privada.

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Além da popular, ainda que modesta, estância de esqui, poucas razões colocam Davos no mapa dos eventos internacionais. Porém, durante uma semana, em janeiro (neste ano, entre 16 e 20 de janeiro), as elites mundiais convergem na pequena cidade suíça, para a reunião anual do WEF.

O WEF foi fundado, em 1971, por Klaus Schwab, economista e professor suíço-alemão, na tentativa de fomentar a cooperação global em questões políticas, sociais e económicas.

O objetivo desta organização internacional sem fins lucrativos, agora sediada perto de Genebra, era reunir os setores público e privado, para debater soluções para estes problemas globais, algo que continua a ser um princípio fundador desta reunião anual, que assume como missão estar “empenhada em melhorar o estado do mundo”.

A primeira reunião foi realizada há cinco décadas, num centro de conferências em Davos, onde, desde então, se realiza o encontro anual, comummente conhecido apelas pelo nome da estância de esqui local, Davos. Provavelmente nada une figuras de renome internacional, como Donald Trump, Greta Thunberg e Elton John, a não ser o facto de todos já terem participado no WEF.

Apesar de Davos ser frequentemente criticado por se destinar a 1% dos privilegiados do mundo, o evento é um espaço de lóbi, onde pessoas e grupos tentam influenciar estas poderosas elites, a fim de afetar a mudança à escala global. Por esta razão, é tão normal ver no encontro líderes mundiais, – dos Estados Unidos da América (EUA), da União Europeia (UE) e da Organização das Nações Unidas (ONU) – bem como líderes empresariais, pensadores, proeminentes académicosdirigentes de ONGinovadoresmeios de comunicação socialativistas, sociedade civil e até alguma celebridade do momento. Todos estão num só lugar, ao mesmo tempo, o que, para muitos, significa um acesso sem precedentes a decisores à escala global.

lista oficial de convidados é, no entanto, muito exclusiva, sendo composta por cerca de 2.000 a 3.000 participantes e oradores. Contudo, o encontro atrai milhares mais para os seus eventos marginais, criando um ambiente propício para empresas e, mesmo, países e regiões venderem os seus conceitos e serviços ou atraírem investimento.

Um dos princípios fundadores do WEF foi ser imparcial, independente e desprovido de interesses especiais. Talvez, por essa mesma razão, as críticas a Davos sejam tão frequentes.

Pela justaposição de agendas concorrentes e a sobreposição das esferas política e empresarial, o WEF está, às vezes, na linha de fogo dos que dizem tratar-se de uma força maligna. Por exemplo, Peter Goodman, correspondente de economia do New York Times, vincou, no livro Davos Man, a contradição em se pedir às elites e aos bilionários, acusados de causarem os maiores problemas do mundo, que encontrem formas de os resolver. E uma das principais críticas feitas aos organizadores do evento é a hipocrisia de ter a crise climática na agenda, quando, em 2022, um em cada 10 participantes viajou de jato privado para lá chegar. Mas Davos é um fórum de debate à escala global e conta com alguns feitos significativos, ao longo dos seus 50 anos de história.

Assim, em 1988, um acordo assinado na reunião, conhecido como a Declaração de Davos, esteve na base do afastamento de um conflito armado entre a Turquia e a Grécia. Em 1992, Nelson Mandela e o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk, fizeram a sua primeira aparição conjunta na cena internacional em Davos, passo significativo para pôr fim ao apartheid. No ano seguinte, ambos ganharam o Prémio Nobel da Paz. E, em 2000, a Aliança Global para Vacinas e Imunização foi lançada em Davos e, desde então, tem melhorado o acesso a vacinas para milhões de pessoas. Com efeito, desde a sua criação, o WEF contribuiu já para a vacinação de 760 milhões de crianças em todo o Mundo.

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Neste ano, mais de 200 painéis de debate em livestreaming fizeram destacar os temas da crise do custo de vida, das alterações climáticas, da covid-19 e da guerra na Ucrânia. Com efeito, marcaram presença 2.700 líderes de 130 países, incluindo 52 chefes de Estado e de Governo, bem como sobressaiu a presença de nomes como Olena Zelenska, primeira-dama da Ucrânia, António Guterres, secretário-geral da ONU, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, Roberta Metsola, presidente do Parlamento europeu, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), e o fundador da Microsoft, Bill Gates. Ao invés, foi notória a ausência do presidente do Brasil, ocupado com os problemas de agitação interna subsequentes à sua tomada de posse como chefe de Estado.  

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Entretanto o Fórum de Davos 2023 debate-se com o crescimento da desigualdade extrema a par da riqueza extrema. Na verdade, segundo o Banco Mundial e como conclui o relatório Oxfam “Sobrevivência dos mais ricos”, publicado por ocasião do WEF de 2023, estamos a testemunhar o maior aumento da desigualdade e pobreza global desde a Segunda Guerra Mundial. Desde 2020, o 1% da população mais rica já possui 63% da riqueza global. Pela primeira vez em 25 anos, a discrepância entre riqueza extrema e pobreza extrema está a crescer a este nível. Em dois anos da pandemia, o 1% mais rico da população viu o valor de seus ativos aumentar em 26 triliões de dólares (26 biliões, segundo o modo de contar europeu), capturando 63% do aumento total da riqueza líquida global (avaliado em 39 biliões de euros), ou quase o dobro da parcela (37%) que foi para os 99% restantes da população mais pobre. O índice de riqueza dos bilionários não conhece limites, enquanto a população menos abastada se esforça para conseguir pagar as contas. Mais de 820 milhões de pessoas estão a passar fome.

A desigualdade económica nada mais é do que a consequência direta de uma grande “policrise”, de fatores económicos, sociais e climático-ambientais. “A desigualdade extrema cresceu junto com a riqueza extrema”, vinca o porta-voz da Oxfam, Francesco Petrelli. São dois fenómenos contextuais nos últimos 25 anos. E os dois problemas que travam o crescimento económico da maioria da população são a inflação e o desemprego. A fortuna dos mais ricos está a aumentar em US$ 2,7 biliões por dia, enquanto 1,7 biliões de trabalhadores vivem em países onde a inflação excede o aumento médio dos salários. Outro fator que agrava o quadro da diferença económica são os cortes nos gastos públicos planeados por três quartos dos governos do mundo, que planeiam cortar 7,8 triliões de dólares de 2023 a 2027. Por isso, a Oxfam pede uma reversão, porque não só prejudicaria os mais pobres, mas poria todo o sistema global fora do negócio.

Em 2022, a riqueza dos bilionários nos setores de energia e dos agronegócios aumentou no mesmo passo que os lucros das empresas por eles controladas. Os mais ricos viram os ganhos aumentar, mesmo nos dois anos da pandemia, enquanto a maioria da população foi obrigada a vergar-se. E o porta-voz da Oxfam sublinha: “Olhamos para 95 grandes empresas internacionais dos setores de energia e agronegócios, que geraram, desde a pandemia US$306 biliões (306 mil milhões, pela contagem europeia) em lucros extras desses US$306 biliões, US$257 foram distribuídos aos acionistas.” O facto de não estar a ser feito investimento nos negócios ou nos trabalhadores é o principal problema que pode gerar sérios danos à economia global. Nos últimos anos, a intensidade da desigualdade aumenta constantemente e, dos 42 triliões de dólares produzidos na pandemia, cerca de 23 triliões de dólares são prerrogativa dos 1% mais ricos da população.

Portanto, os representantes dos governos e os empresários devem equacionar o problema de como reverter este rumo, começando com um sistema de tributação mais justo. Se, de facto, 5% dos maiores ativos fossem tributados à taxa de 5%, poderiam ser obtidos 1700 biliões de dólares: a quantia necessária para combater a pobreza na parte mais pobre do planeta. E seria possível cumprir os objetivos da luta contra a pobreza extrema, estabelecidos pela Agenda das Nações Unidas para 2030. A tributação é a maneira mais progressiva e equitativa de reverter o curso de uma desigualdade sempre crescente. Tributar os super-ricos e as grandes empresas é a saída para as atuais crises simultâneas”, argumentou a diretora-executiva da Oxfam International, Gabriela Bucher, que rejeita o “mito conveniente de que os cortes nos impostos para os mais ricos permitem que a sua riqueza de alguma forma beneficie economicamente os outros”. Não é tolerável que magnatas de renome mundial paguem 1% a 3% dos lucros em impostos ou montem esquemas de fuga a eles e quem vive do trabalho veja as suas taxas agravadas.

Por outro lado, há que proceder ao alívio da dívida dos países de baixo e médio rendimento, bem como à devolução de, pelo menos, 0,70% da ajuda pública, aos países mais pobres.

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Por fim, a Davos apresentou-se a forte hipótese de recessão. Com efeito, segundo a pesquisa Chief Economists Outlook, do WEF, espera-se uma recessão global em 2023, as tensões geopolíticas continuam a moldar a economia e haverá mais aperto monetário nos EUA e na Europa, onde as perspetivas de crescimento são más ou muito más.

Segundo a pesquisa, quase dois terços dos principais economistas acreditam que uma recessão global é provável em 2023, sendo que 18% consideram que seja “extremamente provável” – mais do que o dobro da pesquisa anterior, realizada em setembro de 2022.

Para a China, as expectativas de crescimento estão polarizadas, com os entrevistados divididos entre os que esperam um crescimento fraco ou forte. Espera-se que movimentos recentes para relaxar a política altamente restritiva de combate ao covid-19 no país impulsionem o crescimento, mas a dúvida está em saber quão perturbadora será a mudança de política, principalmente em termos dos seus impactos na saúde.

Nós, por cá, temos os governantes a filosofar, poeticamente, dizendo que a recessão não nos atingirá, mas o crescimento será menor. Veremos o que se concretizará após Davos 2023.

2023.01.19 – Louro de Carvalho

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