quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Altar para o final da JMJ custará o dobro do previsto

 

 

O altar de onde Francisco presidirá à celebração da Missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) custará cerca do dobro do inicialmente previsto pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). A juntar aos 4,2 milhões de euros da obra que a CML consignou à Mota Engil, por ajuste direto, como avançou o Observador, a 23 de janeiro, há mais cerca de um milhão e 63 mil euros para as fundações da estrutura. Ambas as verbas não incluem o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o que fará o valor total subir para cerca de seis milhões de euros.

Isto contradiz a estimativa inicial da autarquia, que era, em junho passado, a de gastar 3,2 milhões na estrutura do palco-altar e zona VIP.

No mês seguinte, foi aprovada uma proposta com aditamentos aos contratos-programa da SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, empresa responsável pelas obras em Lisboa. Entre eles estava um aditamento ao contrato sobre a JMJ, onde se previa que a autarquia gastasse, no total, cerca de 17 milhões de euros com o evento principal, divididos entre projeto, obra, fiscalização e uma coluna para “diversos e imprevistos”.

Os contratos assinados pela CML entre o fim de 2022 e o início de 2023 para o Palco-Altar estão publicados no Portal Base, onde são disponibilizados os contratos públicos. O primeiro, também por ajuste direto, é adjudicado à Oliveiras, SA, empresa de construção que fica responsável pelas “fundações indiretas da cobertura do Altar-Palco”, podendo os preços, se necessário, ser revistos, “para mais ou para menos”, consoante os “custos de mão-de-obra, equipamentos de apoio ou materiais”. Para já, custa um milhão e 63 mil euros.

O segundo contrato é para toda a “empreitada de construção do palco-altar” de onde o Papa celebrará a missa perante os milhares de peregrinos esperados, no domingo, 6 de agosto. O espaço, no Parque Tejo, junto ao rio Trancão, recebe também o evento anterior, a Vigília, a 5 de agosto. No primeiro memorando de entendimento entre a Câmara e a equipa de missão da JMJ, refere-se que o altar terá “todas as funcionalidades, tecnologia e áreas definidas”, como por exemplo “o presbitério, central e lateral” ou o espaço para “coro” e “orquestra”.

No esclarecimento enviado ao Observador, a CML refere que o altar “vai ter capacidade para acolher num mesmo momento até 2.500 pessoas” e lembra que o palco é “multiusos”, tem uma área de 5.000 m2, e vai ficar em permanência no Parque Tejo, podendo receber eventos futuros. Essa é também a justificação dada pela própria equipa de missão da JMJ: a de que o custo com o evento deve ser visto como investimento para o futuro das cidades de Lisboa e Loures.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, que teve um braço de ferro com o Governo por causa das despesas da JMJ, levando o Governo a despender mais dinheiro e perdendo para outros concelhos alguns eventos da JMJ, disse, a 24 de janeiro, saber que a construção do altar-palco para JMJ ia ficar muito cara, indicando que será feita com as especificações da Igreja, vincando: “As especificações daquele palco foram definidas em reuniões que tivemos com a Jornada Mundial da Juventude, com a Igreja e com a Santa Sé [Vaticano]. Nós estamos na Câmara a executar essas especificações para um palco de 1,5 milhões de pessoas.”

Por outro lado, afirmou o propósito de que esta infraestrutura fique para o futuro, tal como outras dessas infraestruturas. “Eu sabia que isto ia ser muito caro, que era um investimento muito grande para a cidade”, indicou Moedas, esclarecendo que a autarquia tinha de “que arrancar rapidamente a obra”, por causa do evento que vai decorrer de 1 a 6 de agosto.

Sublinhou que não se consegue qualquer comparação de custos, “porque nós nunca tivemos algo desta dimensão”. Por isso, o que pediu aos engenheiros e arquitetos foi que, desde início, essa infraestrutura pudesse ficar para o futuro. Mais garantiu que foram consultados variadíssimos promotores desse tipo de obra e vistos preços que eram o dobro desse preço e que se foi reduzindo o preço até encontrar o que fazia mais barato. Tudo se fez com total transparência.

No dia 19, a CML aprovou a contratação de empréstimo de médio e longo prazo, até ao montante de 15,3 milhões de euros, para financiar investimentos da JMJ. Com efeito, a JMJ é o maior encontro de jovens católicos do mundo com o Papa, que acontece a cada dois ou três anos, entre julho e agosto. E, como Lisboa foi a escolhida, em 2019, para acolher o encontro de 2022, que transitou para 2023, devido à pandemia, não podia deixar de acolher o evento e o Papa.

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O presidente do partido Chega, André Ventura, sublinhando que o partido “é particularmente entusiasta da vinda do Papa Francisco a Portugal”, ressalvou que os custos dos vários dos instrumentos e de outros, no âmbito da JMJ, bem como o atraso na execução levantam questões legítimas “quer aos católicos quer aos não católicos”. E, por entender que a CML não respondeu satisfatoriamente estas questões, apresentou, no dia 25, um requerimento ao Parlamento, para ouvir o presidente da Câmara de Lisboa, que se disponibilizou a dar todas as explicações.

As questões que André Ventura quer ver explicadas são: o motivo de ter havido uma adjudicação direta à Mota Engil; os mais de quatro milhões de euros; os outros investimentos que estão a ser feitos efetivamente; e a utilidade que terão estas após o regresso do Papa a Roma. Na verdade, os portugueses não podem fazer enormes sacrifícios financeiros e suportar estes investimentos se sentirem que eles têm nenhuma utilidade, o que, a meu ver, é totalmente verdade.

Entretanto, a task force da CML, reunida a 24 de janeiro, marcou uma conferência de imprensa, para o dia 25, a fim de justificar os gastos. Nela, o vice-presidente da CML, Filipe Anacoreta Correia, detentor do pelouro da JMJ, explicando processo, adiantou que, dos 35 milhões de euros que a Câmara gastará, 21 milhões se manterão na cidade após o evento de agosto de 2023.

O palco-altar da JMJ Tem capacidade para mais de duas mil pessoas, estrutura elevada em três plataformas com altura de nove metros, dois elevadores para mobilidade reduzida e uma escadaria central para acesso de jovens ao palco. Custará cerca de 6 milhões de euros e a sua construção foi entregue à Mota Engil por ajuste direto. “Foi pelo melhor preço”.

Anacoreta Correia disse que foram feitas consultas a sete empresas e havia valores mais elevados. Acentuou que vai ser uma obra que fica para a cidade. E frisou que “não tem nada a ver com outro palco feito em Portugal”, sendo necessário garantir a visibilidade a longa distância, tendo em conta o número de participantes, e lembrando que o terreno em causa está localizado sobre um aterro. O altar, cujo projeto revelou na conferência de imprensa, servirá sobretudo para os dois últimos dias da Jornada: a vigília de oração na noite do dia 5 de agosto e a missa final no dia 6. Segundo a CML – na conferência de imprensa não estava nenhum representante da estrutura organizativa da JMJ, nem do Patriarcado de Lisboa – o altar corresponde às orientações da Igreja.

A estrutura, seguindo as orientações da organização da JMJ, terá 5 mil metros quadrados (metade de um campo de futebol) e nela podem ter lugar 1000 bispos, 300 padres concelebrantes, 200 coro membros e 90 da orquestra, 30 intérpretes de língua gestual, convidados e equipa técnica. Segundo Anacoreta, os valores das propostas recebidas pela CML foram dos 4,4 aos 8,4 milhões de euros. Após a consulta inicial às sete empresas, foram selecionadas quatro para nova consulta, em seguida houve uma última consulta às duas empresas com melhores propostas e que correspondem, “às maiores empresas de construção de Portugal”. Foi definido um preço base de procedimento em 4,24 milhões de euros e, por fim, selecionada a “empresa que apresentou a melhor proposta em todas as fases do procedimento”.

O Palco será uma das estruturas que fica para futuro no Parque Tejo-Trancão, onde vai decorrer a JMJ e que fica como parque urbano para os concelhos de Loures e Lisboa. Toda a recuperação do espaço custará de 21 milhões de euros, dos quais 19 milhões são investimento que fica para futuro. As maiores parcelas dos custos são o altar-palco e uma ponte pedonal sobre o Trancão, com um custo estimado equivalente: também de 4,2 milhões de euros. Para infraestruturas e equipamento, como abastecimento de água e luz, estão previstos 3,3 milhões de euros.

Segundo a Rádio Renascença, uma das futuras utilizações do palco poderá ser para o Rock in Rio.

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José Sá Fernandes, coordenador da equipa de missão que prepara a JMJ, foi, a 29 de novembro, ao Parlamento (à Comissão de Juventude e Desporto) justificar os dinheiros públicos a gastar na vinda do Papa a Portugal. Agendado para agosto de 2023, o evento, que se divide em seis momentos, deverá trazer cerca de um milhão de peregrinos à região de Lisboa.

Aludiu ao primeiro memorando de entendimento gizado pela autarquia, em abril, com Carlos Moedas, e ao recuo que abriu um impasse entre Lisboa e o Governo, pois, nas palavras de Moedas, uma vez que a capital “não é promotora do evento”, não podia custear toda a JMJ.

Em outubro, uma Resolução do Conselho de Ministros aumentou as competências da equipa de missão e subiu até 20 milhões de euros a verba destinada a receber o Papa.

O coordenador lembrou que o Encontro com Voluntários, o último evento da JMJ, “estava previsto ser pago por Lisboa”. Porém, dado que Lisboa não quis pagar, o Governo arranjou uma alternativa com o menor custo possível. Transferiu o evento para Oeiras, no Passeio Marítimo de Algés, que já tem “a estrutura necessária”, por lá se realizar um grande festival de verão.

Sá Fernandes resumiu os custos da JMJ assim: para o evento do Parque Tejo, junto Trancão, o Governo gastará 8,5 milhões de euros na retirada de contentores do Complexo Logístico da Bobadela, 140 mil euros para alisar o terreno e 6,5 milhões de euros para material, como casas de banho, iluminação, colunas de som e torres multimédia, para assegurar que todos os peregrinos verão o Papa, já que a distância entre o altar e os peregrinos pode ir até três quilómetros.

O Governo gastará mais cerca de 500 mil euros para a Feira das Vocações, marcada para Belém. Loures, gastará cinco milhões de euros, referentes a parte dos custos do evento principal, junto ao Trancão. E, por fim, Lisboa, que divide o momento-chave com Loures e recebe a maioria dos restantes encontros: 33 milhões de euros. A conta total superará os 50 milhões.

Há, ainda, custos por conhecer, que ou são residuais ou são não especificáveis de momento, pois não é ainda certo o número de peregrinos que chegarão a Portugal. Mas Sá Fernandes disse que a verba orçada é suficiente. Por outro lado, defendeu do evento e o que ele custa ao erário público, justificando-o com o retorno financeiro (apontou o exemplo da JMJ de Madrid, mencionando um valor de 350 milhões de euros) e com o legado que ficará para o país e para as cidades, por exemplo, a empreitada junto ao Trancão que, após o evento, dará origem a um parque público. “Transformar aterros em parques é uma delícia”, concluiu.

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Em Lisboa, fica tudo mais caro, graças à tendência especulativa e à constituição dos terrenos. E talvez as empresas tenham visto aqui um filão de oportunidade para si. O certo é que os custos são elevadíssimos, considerando a atual crise e a pobreza galopante. Porém, a importância mundial do evento, a imagem do país e o retorno para futuro podem justificá-lo.  

2023.01.25 – Louro de Carvalho

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