terça-feira, 12 de novembro de 2024

Vítimas de Pompeia que morreram abraçadas não eram mãe e filho

 

A revista National Geographic publicou, a 6 de março de 2024, um artigo de Parissa Djangi sob o título “Pompeia: O que aconteceu aos sobreviventes da erupção do Vesúvio?”, sustentando que a violenta erupção vulcânica do Monte Vesúvio “é, possivelmente, a mais famosa da História”, pois, o vulcão “enterrou a cidade de Pompeia [a 241 quilómetros de Roma], sob uma avalanche de detritos vulcânicos, no ano 79 d.C.”. E, embora a data seja discutida pelos historiadores, ela vem sendo identificada como 24 de agosto.

Os últimos gritos de angústia das vítimas ficaram preservados, primeiro, em cinzas e, depois, nos moldes de gesso criados, no século XIX, pelo arqueólogo Giuseppe Fiorelli. Porém, apesar de se recordar Pompeia como “uma cidade congelada no tempo”, nem todos os seus habitantes morreram no desastre. De facto, há estudiosos que descobriram provas de sobreviventes escapados de Pompeia, tendo reconstruído as suas vidas em comunidades vizinhas.

Os académicos contemporâneos ainda seguem os rastos dos sobreviventes que os conduzem por vilas e cidades da região da Campânia, em Itália.

Pompeia embora não fosse o centro do Mundo romano antigo, era importante centro na Campânia, região que faz fronteira com a Baía de Nápoles. A população era de entre 6430 e 30 mil pessoas. E a cidade atraía as elites, que compravam propriedades nos arredores.

Os terramotos faziam parte da vida na região. Assim, em 79 d.C., Pompeia a recuperava de um forte terramoto que abalara a cidade 17 anos antes, destruindo ou danificando muitos edifícios. Por isso, quando o chão tremeu numa série de terramotos, em agosto, a maioria das pessoas não entrou em pânico. Porém, a 24 de agosto, tornou-se claro que o Vesúvio estava em ebulição.

Plínio, o Jovem – cujos escritos são vistos como janelas para a vida no Mundo romano antigo, pois são importante fonte, para os historiadores que querem saber o que ocorreu em Pompeia – tinha cerca de 18 anos, quando o desastre aconteceu. Estava com a mãe na villa do tio, em Misenum, cidade do outro lado da baía, em frente a Pompeia e a cerca de 30 quilómetros a Oeste do Monte Vesúvio. Quando a erupção começou, a 24 de agosto, Plínio terá visto uma nuvem de gás e de detritos a sair do Vesúvio. E comparou a curiosa pluma com “um pinheiro”.

Os habitantes de Pompeia, a dez quilómetros do vulcão, teriam visto “a mesma nuvem estranha e inquietante”. E, mesmo que tivessem menosprezado os tremores dos dias anteriores, não havia como ignorar a pluma. Assim, “os que fugiram, imediatamente, de Pompeia, nesta altura, ainda tiveram hipóteses de sobreviver”, mas “os que hesitaram ou ficaram para trás não”.

Foram encontrados os restos mortais de várias pessoas, sob uma parede desmoronada, bem preservados, pois estavam envoltos por uma camada de cinza petrificada. De acordo com o jornal britânico The Guardian, as fraturas ósseas revelam que uma das vítimas sofreu diversos ferimentos, quando desmoronou o prédio onde buscou abrigo. Os investigadores encontraram vários esqueletos (dois eram, provavelmente, de dois homens, com a idade de 50 anos), durante as escavações na insula dei Casti Amanti, área arqueológica composta de casas e de uma padaria. A descoberta foi anunciada nas redes sociais do Parque Arqueológico de Pompeia, a 16 de maio.   

Começou a chover, na tarde da tragédia, pedra-pomes em Pompeia. Ficaram destruídos edifícios e ficaram feridos “todos os que tentaram uma fuga de última hora”. Depois, no início da manhã seguinte, “cinzas, gases tóxicos e detritos enterraram Pompeia”.

Plínio, que foi, com a mãe, das pessoas da Baía de Nápoles que fugiram, relatou que o caos imperava, enquanto a escuridão e as cinzas caíam sobre os sobreviventes. E, no dizer de Parissa Djangi, “podiam-se ouvir guinchos de mulheres, berros de crianças e gritos de homens a chamar pelos seus filhos, pais, maridos, tentando reconhecer-se uns aos outros pelas vozes que respondiam”. A experiência terá sido semelhante à das pessoas que fugiram de Pompeia.

Quando o vulcão se acalmou, Plínio e a mãe regressaram a Misenum. Tiveram sorte. Para os sobreviventes de Pompeia, não havia uma casa para onde voltar. O Monte Vesúvio dizimou Pompeia – incluindo a zona central – com cinzas, com gases tóxicos e com detritos. 

Estima-se que tenham morrido mais de duas mil pessoas (20% do total da população, que alguns calculam em 13 mil habitantes), em Pompeia, durante a erupção. Quer dizer que poderão ter sobrevivido muitos mais milhares. Os destinos  dos sobreviventes de Pompeia incluem vilas e cidades na Campânia, onde amigos e familiares possam tê-los acolhido.

Neapolis, a atual Nápoles, terá sido um deles. Diz a investigadora que “podemos encontrar prova disso no altar de um antigo memorial, na atual Roménia, que homenageia soldados mortos e inclui um oficial, cujo nome foi apagado pelo tempo, mencionando que viveu em Pompeia e em Neapolis, o que sugere que poderá ter-se mudado para essa cidade, após o desastre”.

Os historiadores ainda estão a tentar descobrir provas de que os sobreviventes ao desastre se instalaram em vilas vizinhas e reconstruíram as suas vidas.

Nos últimos anos, o classicista Steven L. Tuck descobriu que, pelo menos, cinco famílias de Pompeia se mudaram para Neapolis, após a erupção. Reconstituiu, meticulosamente, a migração dos prováveis sobreviventes, através dos seus nomes de família, que eram exclusivos de Pompeia. Localizou os nomes em inscrições tumulares em diferentes localidades da Campânia, depois 79 d.C. E outras comunidades que se tornaram lares para os sobreviventes de Pompeia incluem Cumae Puteoli.

O professor Steven L. Tuck também encontrou provas de casamentos entre famílias oriundas de Pompeia, após a erupção. Por exemplo, as famílias Licinii e Lucretii parecem ter-se unido em matrimónio, em Cumae, o que sugere que podiam pertencer a uma comunidade pompeiana local.

O governo romano também parece ter intervindo para ajudar os sobreviventes de Pompeia. Tito, imperador entre 79 e 81 d.C. agiu, logo que chegou a Roma a notícia da erupção do Vesúvio. Segundo Suetónio, mostrou “a preocupação de um imperador” e “o amor profundo de um pai”, enviando “mensagens de solidariedade” e “todo o apoio financeiro que podia”. Steven L. Tuck sustenta que o imperador financiou projetos de construção para acomodar o influxo de sobreviventes de Pompeia na Campânia, que incluíram a construção de templos dedicados aos deuses preferidos de muitos dos residentes de Pompeia, como Vulcano e Ísis.

O fogo do Vesúvio pode ter posto fim à vida que eles conheciam, mas os sobreviventes de Pompeia encontraram formas de se reerguerem após o desastre.

***

Entretanto, os investigadores, numa pesquisa, publicada a 7 de novembro, na revista Current Biology, divulgaram análises sobre o sexo, a ascendência e os laços familiares de cinco indivíduos. São as primeiras análises de ADN de vítimas de Pompeia e revelam identidades surpreendentes. Efetivamente, erros sobre o sexo, sobre os relacionamentos e sobre a origem dos cadáveres mostram quanto os conhecimentos sobre a cidade estão contaminados por valores e por expectativas dos arqueólogos.

O estudo em referência, como indica Theo Farrant, em artigo publicado pela Euronews, a 12 de novembro, “baseia-se na investigação de 2022, quando os cientistas sequenciaram o genoma de uma vítima de Pompeia, pela primeira vez, e confirmaram a possibilidade de recuperar ADN antigo dos escassos restos humanos que ainda existem”.

A este respeito, explica Mittnik, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, e coautora do estudo (citada por Theo Farrant): “Os nossos resultados científicos com base no ADN dão uma visão adicional à análise arqueológica e antropológica anterior e fazem-nos repensar quem eram, realmente, estas pessoas, como se relacionavam umas com as outras e como se comportavam nos últimos momentos da sua vida.”

A equipa de investigadores, que inclui cientistas da Universidade de Harvard e da Universidade de Florença, em Itália, baseou-se em material genético preservado durante quase dois mil anos. Assim, concentrou-se em 14 moldes que estavam a ser restaurados, extraindo ADN dos restos de esqueletos fragmentados que se misturavam com eles. Com eles, os investigadores esperavam determinar o sexo, a ascendência e as relações genéticas entre as vítimas.

A narrativa contada nas últimas décadas incidia sobre “um momento dramático que ficou para sempre congelado no tempo: uma família de quatro pessoas abrigava-se debaixo de uma escada, enquanto uma chuva de cinzas e de pedregulhos vulcânicos incandescentes caía sobre a cidade de Pompeia”, escreveu Bela Lobato, na revista Superinteressante, a 10 de novembro, verificando: “Quase dois mil anos depois, o primeiro estudo do ADN dessas vítimas revela que a interpretação de algumas cenas famosas de Pompeia está longe da realidade.” 

Por exemplo, nessa “família”, foi analisado o ADN completo de três dos quatro integrantes, tendo sido insuficiente o material genético da quarta pessoa. Os três eram do sexo masculino, inclusive a suposta mãe. “E eles não têm laços de parentesco.”

É a primeira vez que pesquisadores conseguem recuperar o ADN antigo de vítimas de Pompeia.

Bela Lobato recapitula: Em 79 d.C., a cidade foi atingida por um terramoto e pela erupção violenta do vulcão. “Os dois fenómenos provocaram chuvas de rochas e inundaram a cidade com cinzas vulcânicas. Além de matar instantaneamente cerca de 20% dos 13 mil habitantes, esse material todo formou uma crosta ao redor das pessoas”, pormenoriza.

Por dentro da superfície, os corpos decompuseram-se, e as estruturas ficaram parcialmente ocas. Em 1863, o arqueólogo Giuseppe Fiorelli desenvolveu uma tecnologia para preencher essas cascas com gesso, como se fossem moldes. Além de permitirem observar detalhes da anatomia e do posicionamento das pessoas, os moldes de gesso encapsularam alguns restos mortais mais resistentes, como ossos. Foram esses ossos, recuperados de dentro de moldes antigos, que permitiram a análise do ADN antigo. E os resultados revelam que algumas das narrativas sobre essas pessoas não estão corretas ou não são tão simples como se acreditava. Com efeito, levavam em conta, principalmente, a aparência externa e uma interpretação fora do contexto. 

Há também a cena de uma pessoa adulta com uma criança no colo. Por causa da bracelete do adulto, um item que marcaria a feminilidade, a interpretação comum é a de que seria uma mulher a segurar um filho ou filha. Todavia, o ADN revelou que o adulto de bracelete era do sexo masculino e não tinha relação de parentesco com a criança.

Em outro achado, duas pessoas foram encontradas deitadas em posição que era interpretada como um abraço. As duas foram julgadas mulheres, sendo mãe e filha, irmãs ou amantes. Porém, a análise genética revelou que uma das pessoas era do sexo masculino – excluindo, pelo menos, duas das interpretações comuns. 

O estudo vincou, ainda, a diversidade étnica dos habitantes de Pompeia, com fortes traços genéticos de imigrantes do Leste do Mediterrâneo e do Norte da África, o que reforça “a mobilidade geográfica e a natureza multicultural do Império Romano no começo da Era Comum”.

Os investigadores consideram que o estudo ilustra como as narrativas, baseadas em evidências limitadas e não necessariamente confiáveis, refletem a visão dos pesquisadores. E consideram que, no passado, “a necessidade de criar histórias sobre as pessoas pode ter levado à manipulação de poses e posicionamentos para corroborar uma versão”.

“Essas descobertas desafiam interpretações de longa data, como a associação de joias à feminilidade ou a interpretação da proximidade física como um indicador de relações biológicas”, escreveram os pesquisadores, frisando: “Em vez de estabelecerem novas narrativas que também podem deturpar as experiências vividas por essas pessoas, esses resultados incentivam a reflexão sobre as conceções e a construção de género e família em sociedades passadas, bem como no discurso académico.”

Por fim, é de relevar o que referiu, em comunicado, Alissa Mittnik: “As descobertas demonstram a importância da integração da análise genética com informações arqueológicas e históricas para enriquecer ou corrigir narrativas construídas com base em evidências limitadas.”

***

A investigação acurada leva a desfazer mitos, a corrigir erros e a aprimorar a certeza da verdade, subvertendo a prosápia de quem ostenta certezas inquestionáveis.

2024.11.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário