segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Em Dia Mundial dos Pobres, urgem a esperança e a fraternidade cristãs

 

O VIII Dia Mundial dos Pobres foi celebrado no domingo, 17 de novembro. A iniciativa, proposta, pela primeira vez, em 2017, foi desejada por Francisco para exortar a Igreja a “sair” dos seus muros, a fim de se encontrar com a pobreza, nos múltiplos significados em que se manifesta.

Neste ano, tendo em vista o início do Jubileu Ordinário 2025, o Papa escolheu como lema a passagem do Livro de Ben-Sirah: “A oração do pobre eleva-se até Deus (cf Sir 21,5). Esta expressão, que vem do autor sagrado Ben Sirah, torna-se, imediata e facilmente, compreensível. O Santo Padre reafirma que os pobres têm lugar privilegiado no coração de Deus, que está atento e próximo de cada um. Deus escuta a oração dos pobres e, ante o sofrimento, fica “impaciente”, até lhes fazer justiça. De facto, o Ben-Sirah atesta que “o juízo de Deus será em favor dos pobres” (cf Sir 21,5).

Como é habitual, o Papa Francisco presidiu à Celebração Eucarística na Basílica de São Pedro, às 10h00. Antes da Santa Missa, simbolicamente, abençoou 13 chaves, representando os 13 países onde a Famvin Homeless Alliance (FHA), da Família Vicentina, com o Projeto “13 casas” para o Jubileu, construirá novas casas para pessoas desfavorecidas. Entre estes países, está a Síria, cujas 13 casas serão financiadas, diretamente, pela Santa Sé, como gesto de caridade para o Ano Santo. Este ato de solidariedade foi possível, graças a generoso donativo da UnipolSai, que quis contribuir com entusiasmo para este sinal de esperança para uma terra devastada pela guerra. Em seguida, na Sala Paulo VI, o Santo Padre almoçou com 1300 pessoas pobres. O almoço, organizado pelo Dicastério para o Serviço da Caridade, foi oferecido, desta vez, pela Cruz Vermelha Italiana e foi animado pela sua Fanfarra Nacional. No final do almoço, foi entregue a cada pessoa uma mochila oferecida pelos Padres Vicentinos (Congregação da Missão), com alimentos e produtos de higiene pessoal.

Ao fim do almoço, o Santo Padre cumprimentou a todos e agradeceu aos que colaboraram com o VIII Dia Mundial dos Pobres.

Segundo o Vatican News, serviço oficial de informações da Santa Sé, o esmoleiro apostólico, cardeal Konrad Krajewski, disse que celebrar o Dia Mundial dos Pobres “significa seguir Jesus e simplesmente pensar da mesma forma como indicado no Evangelho”.

“Porque é isso que Cristo teria feito e, portanto, é isso que também faremos”, disse Krajewski.

Um dos convidados para o almoço foi um homem de Palermo, na região italiana da Sicília, hóspede do Palazzo Migliori, residência para moradores de rua, perto da basílica de São Pedro. O homem disse à secção italiana do Vatican News que tinha um emprego e uma família, mas sofreu um derrame recentemente e a Comunidade de Santo Egídio tirou-o das ruas.

“Agradecendo a Sua Santidade o Papa e ao cardeal Krajewski, pode-se dizer que agora também tenho um lar e uma família. Ter um lugar para dormir também ajuda a fazer algo para o futuro”, disse o homem, que disse querer, primeiro, recuperar-se e, depois, procurar trabalho.

O Ambulatório Mãe de Misericórdia, estrutura ligada ao Dicastério para o Serviço da Caridade, que oferece, diariamente, cuidados de saúde gratuitos aos pobres e necessitados, esteve aberto durante a semana de 11 a 16 de novembro, das 8 às 17 horas. Todos os dias, foi efetuado um serviço de urgência médica, de medicina interna, de vacinação contra a gripe, de análises de sangue, de esfregaços (o teste de esfregaço consiste na extensão de uma fina camada de sangue sobre uma lâmina de microscopia que, após corada, é analisada em microscópio, podendo indicar uma série de deficiências, apontando alterações e anormalidades nessas células sanguíneas) e de pensos. Todos os serviços são gratuitos e reservados às pessoas que vivem em situação de pobreza, marginalização ou dificuldade; e sempre são garantidos os medicamentos e terapias necessários. Estiveram presentes médicos especialistas de 18 especialidades diferentes. Os serviços médicos oferecidos durante a semana incluíram as seguintes especialidades: cardiologia, ortopedia, oftalmologia, cirurgia geral, reumatologia, dermatologia, medicina dentária, ginecologia, pneumologia, otorrinolaringologia, oncologia, ecografia, urologia, psiquiatria, neurologia, doenças infeciosas, gastroenterologia, nefrologia e podologia.

O Dicastério para a Evangelização provê às necessidades dos mais necessitados com várias iniciativas de caridade, incluindo, por exemplo, o pagamento de algumas despesas domésticas das famílias mais pobres, através de contactos com as paróquias: iniciativa que se tornou possível, graças à tradicional generosidade da UnipolSai.

Na semana que antecedeu este Dia, as comunidades paroquiais e diocesanas foram chamadas a centrar as atividades pastorais em torno das necessidades dos mais pobres, com sinais concretos.

Como é usual, o Dicastério para a Evangelização preparou um Subsídio Pastoral, traduzido em seis línguas, que foi oferecido ao povo de Deus para que, nas palavras de D. Rino Fisichella, “a Jornada Mundial da Juventude seja uma provocação permanente para que as nossas comunidades sejam atentas e acolhedoras para com os mais necessitados.” E exortou: “Neste caminho em direção ao Jubileu Ordinário de 2025, a nossa atenção aos mais necessitados faça de todos nós Peregrinos de Esperança no mundo que precisa de ser iluminado pela presença da Luz.” Este subsídio pastoral para a preparação do Dia Mundial dos Pobres está disponível, gratuitamente, no website: http://www.evangelizatio.va/content/pcpne/it/attivita/gmdp/2024/sussidio.html.

Na sua Mensagem, o Papa Francisco convida todos a aprender a rezar pelos pobres e a rezar com eles, com humildade e confiança. O Dia Mundial dos Pobres é a oportunidade para se tomar consciência da presença dos pobres nas nossas cidades e comunidades e para compreender as suas necessidades. Como sempre, o Papa menciona os “novos pobres”, que surgem da violência das guerras, da “má política feita com armas” (n.º 4), que causa tantas vítimas inocentes.

E preciso não esquecer os voluntários que, nas nossas cidades, dedicam grande parte do seu tempo à escuta e ao apoio dos mais pobres. São rostos concretos que, com o seu exemplo, “são a voz da resposta de Deus às orações dos que a Ele recorrem” (n.º 7). O Dia Mundial dos Pobres é também uma ocasião para recordar cada um deles e agradecer ao Senhor.

***

Na homilia da Missa do 33.º domingo do Tempo Comum no Ano B, que assinala o Dia Mundial dos Pobres, o Santo Padre advertiu que as palavras do Livro de Daniel e do Evangelho “poderiam suscitar em nós sentimentos de angústia”, mas são “um grande anúncio de esperança”. Jesus parece descrever o estado de espírito dos que, vendo a destruição de Jerusalém, pensam que o fim chegou, mas anuncia que “é na hora da escuridão e da desolação, quando tudo parece desmoronar-se, que Deus vem”, Se aproxima e “nos reúne para nos salvar”.

Jesus insta a que tenhamos olhar aguçado, capaz de “ler por dentro” os acontecimentos da História, para descobrir que, na angústia dos corações e do tempo, esplandece inabalável esperança. Por isso, o Papa exorta a que nos detenhamos sobre estas duas realidades: a angústia e a esperança, que duelam na arena do nosso coração.

A angústia, sentimento generalizado na nossa época, em que a comunicação social amplifica os problemas e as feridas, torna o Mundo inseguro e o futuro incerto. Também o Evangelho começa com um quadro que, em linguagem apocalítica, projeta no cosmos a tribulação do povo: “O Sol vai escurecer e a Lua não brilhará mais, as estrelas cairão.”

Se o nosso olhar se detém só na crónica dos acontecimentos, a angústia ganha terreno. Hoje, o escurece Sol e apaga-se a Lua, a fome e a carestia oprimem tantos irmãos, abundam os horrores da guerra e a morte de inocentes. Ante este cenário, “corremos o risco de afundarmos no desânimo e de não nos apercebermos da presença de Deus no drama da História. Vemos crescer à nossa volta a injustiça que gera a dor dos pobres, mas juntamo-nos aos resignados que, por comodismo ou preguiça, pensam que “o Mundo é assim mesmo” e que “não há nada” a fazer. Até a fé cristã se reduz a devoção inócua, que não incomoda os poderes do Mundo e não gera compromisso concreto de caridade. E, enquanto uma parte do Mundo é condenada a viver à margem da História, crescem as desigualdades e a economia penaliza os fracos; e, enquanto a sociedade se consagra à idolatria do dinheiro e do consumo, os pobres e os excluídos não podem fazer outra coisa senão continuar a esperar.

Porém, neste quadro apocalítico, Jesus acende a esperança, abre o horizonte, alarga-nos olhar para aprendermos a perceber, na precariedade e na dor do Mundo, a presença do amor de Deus que se faz próximo e que atua para a nossa salvação. Quando o Sol escurece, a Lua deixa de brilhar e as estrelas caem, é que o Evangelho nos diz que “vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória” e que “reunirá os eleitos de Deus, de um extremo ao outro da Terra”.

Assim, Jesus aponta para a sua morte, que terá lugar pouco depois. No Calvário, o Sol escureceu e as trevas desceram; mas o Filho do Homem veio sobre as nuvens, pois o poder da ressurreição destruiu as cadeias da morte, a vida eterna de Deus surgiu da escuridão e um Mundo novo nasceu.

Esta é a esperança que Jesus nos quer transmitir. E fá-lo também com a imagem da figueira: “Olhai para a figueira, porque, quando os seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto.” Do mesmo modo, somos chamados a ler as situações da nossa História terrena: onde parece haver apenas injustiça, dor e pobreza, o Senhor aproxima-Se para nos libertar da escravidão e para fazer brilhar a vida. Aproxima-se através da nossa proximidade cristã, com a nossa fraternidade. Não se trata de jogar uma moeda nas mãos do necessitado. A quem dá esmola, o Pontífice pergunta: “Tocas as mãos das pessoas ou jogas a moeda sem as tocares? Olhas nos olhos da pessoa a quem ajudas ou viras o olhar para outro lado?” Somos nós, os discípulos que, graças ao Espírito Santo, podemos semear a esperança no Mundo, acendendo luzes de justiça e de solidariedade, enquanto se adensam as sombras do Mundo fechado. Somos nós que a sua Graça faz brilhar, é a vida impregnada de compaixão que se torna sinal da presença do Senhor, “próximo do sofrimento dos pobres, para aliviar as suas feridas e mudar a sua sorte”.

A esperança cristã, que se realizou em Jesus e se concretiza no Reino, precisa de nós e do nosso empenho, de fé operosa na caridade, de cristãos que não passam para o outro lado do caminho.

A este respeito, Francisco exemplificou com uma fotografia feita por um fotógrafo romano: um casal adulto saía de um restaurante, no inverno; a senhora ia coberta com um casaco de pele e o homem ia bem abrigado; à porta, uma senhora pobre, deitada sobre o pavimento, pedia esmola; e o casal olhava para o outro lado. “Isto acontece todos os dias”, diz o Papa, perguntando: “Quando vejo a pobreza, a necessidade dos demais, olho para o outro lado?”

Um teólogo do século XX dizia que a fé cristã deve gerar em nós a “mística de olhos abertos”: não a espiritualidade que foge do Mundo, mas a fé que abre os olhos aos sofrimentos do Mundo e às aflições dos pobres, para exercer a compaixão de Cristo. “Diante dos pobres, diante dos que não têm trabalho, que não têm o que comer, que são marginalizados pela sociedade, tenho a mesma compaixão de Cristo?”, questiona-se o Pontífice.

Não devemos olhar só os grandes problemas da pobreza mundial, mas o pouco que todos nós podemos fazer todos os dias: com o nosso estilo de vida, com o cuidado e a atenção pelo ambiente, com a busca tenaz da justiça, com a partilha dos bens com os mais pobres, com o empenho social e político para melhorar a realidade que nos rodeia. Pode pouco, mas o pouco é como as primeiras folhas que brotam na figueira: este pouco será antecipação do verão, que está próximo.

O Papa recordou a advertência do cardeal Martini, segundo a qual devemos ter cuidado ao pensar que existe, primeiro, a Igreja, sólida em si, e, depois, os pobres que escolhemos. Ora, tornamo-nos a Igreja, na medida em que servimos os pobres, pois só assim a Igreja se torna “ela mesma”. Isto é, “a Igreja torna-se casa aberta a todos, lugar da compaixão de Deus pela vida de cada homem”. “Digo-o à Igreja, aos governos dos Estados e às organizações internacionais, digo-o a todos e a cada um: por favor, não nos esqueçamos dos pobres”, exorta o Santo Padre.

2024.11.18 – Louro de Carvalho

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