sábado, 16 de novembro de 2024

Que a CEP seja uma estrutura de verdadeira sinodalidade

 

De acordo com o respetivo comunicado, de 11 a 14 de novembro, decorreu em Fátima a 210.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Além dos seus membros, estiveram presentes o Núncio Apostólico, o presidente e a vice-presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) e a presidente da Conferência Nacional dos Institutos Seculares de Portugal (CNISP).

Após reflexão sobre os desafios que se colocam à pastoral dos jovens, que são “sinal de esperança para a Igreja e para o Mundo”, foi aprovado o documento “Pastoral Juvenil em Portugal”, quadro de referência” como instrumento de trabalho inicial, a enviar aos jovens através do Departamento Nacional de Pastoral Juvenil (DNPJ), para auscultação e discernimento, e foi nomeado o Dr. Pedro Carvalho, leigo da Diocese de Aveiro, como coordenador, a tempo inteiro, do DNPJ.

No âmbito da Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, foi recebido o Grupo VITA para fazer o ponto de situação do trabalho que vem desenvolvendo, em articulação com as Comissões Diocesanas, e foi analisada a aplicação do Regulamento para atribuição de compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais de crianças e de adultos vulneráveis, ocorridos no âmbito da Igreja Católica em Portugal, tendo-lhe sido introduzida uma adenda com algumas clarificações ao processo em curso, alargando o prazo de apresentação dos pedidos até 31 de março de 2025.

Nesse sentido e de acordo com o anexo ao referido comunicado, importa recordar que “estes processos, sem caráter judicial, se justificam com o especial dever de solidariedade da Igreja para com as vítimas”, pelo que são alterados alguns termos que melhor clarificam a sua natureza, não devendo ser confundidos com perícias médico-legais. E esclarece-se que a alteração do prazo não atrasa o andamento dos processos, pois estes já estão a ser tratados, em articulação pelo Grupo VITA, pelas Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis e pela Equipa de Coordenação Nacional, durante o período de apresentação dos pedidos de compensação.

O Regulamento está previsto de forma a evitar um processo de revitimização da parte de quem faz o pedido de compensação, pelo que, se o relato da situação abusiva vivenciada já é do conhecimento do Grupo VITA, das Comissões Diocesanas ou dos Institutos Religiosos e das Sociedades de Vida Apostólica, não é preciso repetir os dados referentes ao mesmo relato.

A Comissão de Instrução, no respeitante aos processos da responsabilidade das dioceses, será constituída, pelo menos, por duas pessoas, uma designada pelo Grupo VITA e outra pela Equipa de Coordenação Nacional. Para maior uniformidade de critérios, “pretende-se a constituição de membros pertencentes à mesma equipa de profissionais especializados nesta matéria que escute todas as pessoas que solicitam a compensação financeira”. E a Comissão de Fixação da Compensação, que determina os montantes das compensações a atribuir, deverá fundamentar o seu parecer aprovado pela maioria dos seus membros.

Na sequência da conclusão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, procedeu-se a uma reflexão sobre o processo sinodal, ressaltando que deve continuar nas Igrejas locais, “para se tornar efetiva a sinodalidade no seio das comunidades, traduzindo-se em oportunidade de diálogo com o Mundo”. Para tanto, decidiu-se realizar um encontro nacional dirigido aos membros dos Conselhos Pastorais Diocesanos e às equipas sinodais de cada diocese, que terá lugar em Fátima, a 11 de janeiro de 2025, e que será organizado pela Equipa Sinodal da CEP, em colaboração com as pessoas de contacto das equipas sinodais diocesanas.

Julga-se relevante que as próximas Jornadas Pastorais do Episcopado (16 a 18 de junho de 2025) se dediquem à sinodalidade na CEP, de modo a “aprofundar o espírito sinodal” e a “prosseguir um caminho de aperfeiçoamento nos seus processos de atuação.

Na sequência da preocupação partilhada na Visita ad Limina e após a publicação do documento final do Sínodo dos Bispos, foi sugerido tratar, em próxima assembleia plenária, o tema dos Seminários, no atinente à formação e ao estilo do sacerdote, considerando “os desafios e as mudanças do Mundo em que vivemos”.

Estando prestes a abertura oficial do Jubileu de 2025 com o tema “Peregrinos de Esperança”, foi acolhida a partilha de iniciativas celebrativas das dioceses e dos institutos de vida consagrada, de modo que este seja, em ambiente sinodal, “um tempo transformador dentro da Igreja e na sua relação com o Mundo” e que seja possível “levar a todos o rosto da esperança que é Cristo”. Além disso, ficou previsto um momento de celebração comum para todos os Bispos de Portugal, a realizar em Fátima, em data a definir.

Foi recebida a direção da Federação Portuguesa pela Vida, a partilhar a situação referente ao processo legislativo em curso sobre o aborto e a eutanásia, tendo a Assembleia manifestado preocupação com as “propostas legislativas que procuram limitar a objeção de consciência dos médicos e [dos] demais profissionais de saúde” e reafirmado que “a vida humana é inviolável, um dom inestimável que tem de ser liminarmente defendido em todas as suas fases”.

A CEP acompanha, preocupada, a situação de Moçambique e exprime a sua solidariedade para com a Igreja irmã e com o povo irmão presentes nesse país. Há vários anos, a população da região de Cabo Delgado vem sendo vítima de ataques terroristas que têm causado a morte e a deslocação forçada de largos milhares de pessoas. O drama perdura, apesar de periodicamente esquecido. Os bispos portugueses assumem o apelo dos bispos moçambicanos e do Papa Francisco para o restabelecimento do caminho da democracia, da justiça e da paz.

De igual modo, a CEP manifestou a sua proximidade e solidariedade para com a população de Valência, gravemente atingida pela dramática situação de destruição ambiental, que redundou na perda de centenas de vidas humanas e de inúmeras perdas materiais.

Foi decidida a organização da Campanha de Advento/Natal em favor das comunidades cristãs da Terra Santa, atingidas pela guerra, através da criação de uma conta solidária, devendo cada diocese encontrar outras formas de recolha de fundos.

Foram aprovados os estatutos do Serviço Nacional de Comunhão do Renovamento Carismático Católico em Portugal, com o objetivo de “servir e [de] criar comunhão entre as diversas realidades ou expressões carismáticas católicas portuguesas”.

A Assembleia homologou as nomeações do padre Pedro Silveira Lima, da Diocese de Angra, como assistente nacional da LOC/MTC/JOC (Liga Operária Católica / Movimento de Trabalhadores Cristãos / Juventude Operária Católica); de Inês Marques, como secretária nacional da Juventude Operária Católica; e do Padre Miguel Gonçalves Ferreira, sacerdote jesuíta, atual diretor da Pastoral Universitária e do Ensino Superior da Arquidiocese de Évora, como coordenador do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior.

Aprovou também a integração de D. Fernando Maio de Paiva como membro da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais.

Por fim, aprovou o Orçamento do Secretariado Geral da CEP para 2025 e acolheu informações, comunicações e programações da Presidência, das Comissões Episcopais e dos Delegados da CEP, bem como de outros organismos eclesiais.

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São também de relevar algumas asserções de D. José Ornelas Carvalho, Bispo de Leiria-Fátima e presidente da CEP, no discurso de abertura, no dia 11.

Apos a saudação aos presentes e, em especial, aos novos bispos e aos profissionais dos órgãos de comunicação social, agradeceu ao arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, aos bispos que partilham com ele o serviço pastoral e a toda a arquidiocese, o esforço de preparação e a ampla participação na renovada manifestação da dimensão eucarística da Igreja em Portugal, que foi o 5.º Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Braga.

Da Visita “Ad Limina”, enalteceu a análise, com grande diversidade de interlocutores, da situação da Igreja em Portugal, no contexto do percurso de toda a Igreja, em espírito de renovação sinodal.

Os bispos sentiram-se confirmados no rumo que vêm seguindo, mas desafiados pelo Santo Padre e pelos diversos dicastérios. Foi nota comum “a expressão de apreço e de alegria pelo desenrolar da JMJ de 2023 em Lisboa, pela sua organização e pelo clima de festa, universalidade e fraternidade gerado entre os jovens. Fica, para todos, o desafio e o compromisso de não se perder o dinamismo ali vivido e anunciado. As dioceses portuguesas têm procurado manter viva esta chama e o encontro de Lisboa, em outubro, a nível nacional, é sinal do esforço comum de envolver e contar com os jovens.

Outra das interpelações que foi deixada por Francisco prende-se com os desafios que a sociedade apresenta à missão da Igreja no Mundo, pois “a Igreja não vive para si própria, vive num Mundo com enormes desafios ao qual não pode ser indiferente”. Neste aspeto, emerge a tragédia das guerras em várias geografias da Terra, bem como “os ataques ao equilíbrio ecológico”, que “levam à intensificação da frequência e da força destruidora dos desastres naturais, atingindo níveis que fazem temer a irreversibilidade dos danos”, parecendo a comunidade internacional “cada vez mais frágil e incapaz de deter as armas e os interesses corporativos”. E os bispos, unindo-se à sua oração e às suas ações no terreno de promoção da paz, escutaram os apelos do Papa e a sua insistência no diálogo e no encontro entre as partes em conflito.

O presidente da CEP apontou a polarização política dos últimos meses, imprópria de regimes democráticos, que parece esquecer as conquistas que mudaram o rumo de Portugal, há 50 anos.

Especial realidade tem marcado os últimos tempos da Igreja, em Portugal, a dos abusos sexuais e dos dramas das suas vítimas, o que “não deixou indiferente nem a Igreja nem a sociedade. Há um caminho percorrido, desde a criação das Comissões Diocesanas, passando pelo trabalho da Comissão Independente, da Equipa de Coordenação Nacional e, agora, do Grupo VITA, onde se inclui o trabalho da prevenção, com diversas iniciativas de formação local.

O processo de atribuição de compensações financeiras é parte do caminho na procura de ir ao encontro pessoal de cada vítima.  Ninguém paga ou anula os dramas do passado, mas os bispos querem “que este seja um passo importante para o reconhecimento do mal que lhes foi infligido e de pedido de perdão, que contribuam para sarar feridas e [para] afirmar a dignidade, contra a qual nunca alguém devia ter atentado”. Por conseguinte, é preciso manter a atenção constante ao sofrimento das vítimas e a firmeza na formação e na prevenção, bem como na clareza e determinação no tratamento de eventuais casos futuros.

Sobre o Sínodo dos Bispos – em que participou com o bispo de Coimbra, por eleição da CEP, a que se juntou o cardeal Américo Aguiar, por convite do Papa Francisco – enfatizou que “foi um passo determinante de um percurso sinodal, que teve início, há três anos”, e que tem várias novidades, tendo destacado três: os membros com direito a voto não foram apenas bispos, não tendo estes perdido o seu papel nos processos de decisão da Igreja (não decidem sozinhos, mas com outros membros da Igreja, pela sua condição de batizados), princípio que se torna orientação para “mudanças de mentalidade, em todo o tecido eclesial, sobretudo nas estruturas de decisão”; as decisões do Sínodo foram entregues ao Papa, que prescindiu da exortação pós-sinodal, para tornar o Documento final imediato instrumento do magistério ordinário da Igreja; e não foram tratados temas fraturantes,  como a questão da possível ordenação de homens casados, ou de mulheres diáconos ou presbíteros, pois algumas destes temas têm de ser aprofundados e discutidos, para o que se criaram 10 grupos de estudos para questões deste e de outro tipo, com tempo definido para apresentarem o seu trabalho (25 de junho de 2025).

Neste contexto sinodal, a Igreja prepara-se para o Jubileu de 2025, com o tema “Peregrinos de Esperança”, fazendo “memória particularmente atualizada da vinda de Jesus ao Mundo, a partir da qual se estabeleceu a contagem dos anos, hoje de referência universal na datação dos eventos. De facto, ante a situação sombria da Humanidade, há motivos para celebrar a “esperança”. Do ponto de vista dos cristãos, para lá dos motivos e das possibilidades, há a necessidade e a urgência da “esperança como fundamento da criação de futuro”. Os profetas de esperança surgem, sobretudo, “em situações sombrias, difíceis, injustas e de grande sofrimento”.

No Jubileu, os cristãos celebram Jesus, o Homem da esperança, para lá de tudo o que parecia lógico esperar, assumindo os dramas de todos, incluindo a injustiça, a dor e a morte. Passou pela morte, mas está vivo, dá vida e chama “homens e mulheres que vivam e sintam, como Ele, a urgência de sonhar e de construir uma História nova, livre do ódio, da injustiça, da guerra e da miséria, com prioridade aos frágeis e excluídos, para que todos tenham esperança e colaborem na “criação desse Mundo de coração novo que se alarga até aos horizontes da vida plena”.

Neste sentido, “como dom e caminho para uma Igreja Sinodal e para a celebração do Jubileu”, o Santo Padre dirigiu à Igreja a carta encíclica Dilexit Nos (DN), a convidar “à redescoberta do Coração de Jesus como modelo de identificação e projeto de transformação, a partir do coração renovado”. A este respeito, o presidente da CEP citou: “O Coração de Cristo é êxtase, é saída, é dom, é encontro. Nele, tornamo-nos capazes de nos relacionarmos uns com os outros de forma saudável e feliz, e de construir, neste Mundo, o Reino de amor e de justiça. O nosso coração unido ao de Cristo é capaz deste milagre social” (DN, 28). E concluiu: “Que esta carta encíclica possa guiar-nos, sinodalmente, na celebração do Jubileu 2025 e no caminho transformador para uma Igreja sinodal, misericordiosa e missionária.”

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De cima vem o exemplo. Passará a CEP, sem deixar de ser agremiação de bispos e sem estes se diminuírem no seu papel nas decisões eclesiais, a ser estrutura de topo da sinodalidade? Constituirão a rua da Buraca, em Lisboa, e o Santuário de Fátima a referência sinodal da Igreja em Portugal? Abandonar-se-á, em Igreja, o aforismo “cada macaco no seu galho?

2024.11.16 – Louro de Carvalho

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