O secretário-geral do Partido Socialista (PS) considerou,
a 4 de novembro, a ministra da Administração Interna mostrou, em diferentes
momentos, “inaptidão para as funções”.
Questionado, numa visita ao Bairro do Zambujal, na
Amadora, quanto às declarações da governante sobre direito à greve nas
polícias, que motivou um esclarecimento, horas depois de o próprio ministério
vir dizer que esse tema não fará parte das negociações, Pedro Nuno Santos,
aduziu que se trata de uma função de soberania e a ministra da Administração
Interna, em poucos meses, mostrou, em diversas ocasiões, a sua inaptidão para o
cargo.
Na ótica do líder do PS, “o problema, ao fim de algum
tempo, já é não é da senhora ministra”, mas do primeiro-ministro (PM), porque a escolheu, o que também diz muito
sobre a capacidade do primeiro-ministro na construção de boas equipas, e porque
a mantém em funções.
“No trabalho de qualquer
político e de um ministro, em particular, é fundamental saber comunicar
com as pessoas, com a população, mas aqui nem é só o saber comunicar, é
que aqui há outra dimensão de problema”, sustentou Pedro Nuno Santos.
No caso concreto sobre o
direito à greve, “num dia diz-se uma coisa e, passadas umas horas, volta-se
atrás”, o que “é inaceitável, do ponto de vista do exercício de funções
governativas”, apontou.
Sobre a posição do PS, destacou “uma posição sólida
sobre essa matéria” dos socialistas. “São
forças de segurança fundamentais para garantir a ordem pública e, na nossa
opinião, não é compaginável com greves”, reiterou.
Em resposta a Pedro Nuno Santos, o líder parlamentar
do Partido Social Democrata (PSD), Hugo Soares,
também secretário-geral do partido, elogia a ministra da Administração Interna
e descarta problemas no governo, frisando que o próprio secretário-geral do PS integrou um governo
que “teve, num ano, cerca de 13 demissões”. Enquanto ministro das
Infraestruturas e da Habitação de António Costa, o atual líder do PS foi
precisamente “um dos problemas”, no dizer de Hugo Soares.
Esquece que este
governo só tem sete meses e está em estado de graça na opinião pública. Se víssemos
escrutinados os casos como no governo anterior, talvez as conclusões fossem
outras.
***
No encerramento do 1.º Congresso da Associação
Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), que decorreu na Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa, de 2 a 3 de novembro, Margarida Blasco afirmou, ao
ser questionada pelos jornalistas sobre se estava disposta a conceder o direito
à greve aos polícias: “Vamos começar, no dia 6 de janeiro, um conjunto de
revisões e é um ponto que pode estar e estará, com certeza, em cima da mesa.
Neste momento não vou dizer se sim ou se não, porque vai ter de ser submetido a
um estudo.”
Porém, horas depois, um esclarecimento do Ministério
da Administração Interna (MAI), enviado às redações, referia que “a posição do
governo é clara: nesse diálogo pode ser discutida a representação laboral e os
direitos sindicais”, mas “não o direito à greve”.
No final do congresso, a questão do reconhecimento do
direito à greve na polícia foi abordada por Paulo Santos, presidente da
ASPP/PSP, que destacou que isso é, há muito tempo, reivindicado pelos sindicatos
e manifestou satisfação pela abertura demonstrada pela ministra. E lembrou que o acordo assinado em
julho sobre o suplemento de condição policial previa as negociações sobre
outras matérias no início do próximo ano. “Forçámos para que ficasse plasmado
um processo negocial que, a partir de janeiro de 2025, pudesse permitir uma
revisão da carreira, das tabelas remuneratórias e dos suplementos. Agora, com
esta abertura da senhora ministra para se fazer uma discussão em torno do
direito à greve, parece-nos importante acrescentar esse ponto, como sendo
imprescindível para que o sindicato possa ter a sua liberdade e a sua ação
plena”, explicitou.
O presidente da ASPP/PSP valorizou as conclusões do congresso,
focado nos temas da condição policial ou do policiamento de proximidade, e
realçou que os agentes continuarão a lutar pelo direito à greve, salientando
que isso foi reconhecido por oradores especialistas em direito.
***
Entretanto, a 4 de novembro, António Bernardo Colaço, Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal
de Justiça (STJ), em artigo de opinião publicado no Diário de Notícias
online (DN), sustenta que a governante “abriu a porta à discussão sobre o
direito à greve nas polícias, com o tema reclamado pelos sindicatos a figurar
entre os pontos em discussão nas negociações previstas para janeiro”.
A governante, presente no 2.º dia do acontecimento, quando
se discutiu o tema “Constituição da República Portuguesa e o direito à greve”,
face às conclusões do Congresso, “anunciou que a ‘questão da greve’ na polícia
seria um dos assuntos a abordar nas negociações marcadas para o próximo dia 6
de janeiro”.
Efetivamente, à luz da Constituição da República
Portuguesa (CRP), “um direito só pode ser restringido”, mas não proibido, em
resultado do artigo 18.º da CRP e do seu artigo 270,º, na parte onde acolhe o
enunciado da lei sindical da PSP (artigo 3.º, alínea d) da Lei n.º 14/2002 de 19 de fevereiro), alusiva à greve do
pessoal da Polícia de Segurança Pública (PSP), o que “só pode ser entendido
como uma restrição ao direito à greve, mas não como uma proibição deste
direito”. Tal conclusão surgiu, como refere o colunista, “após as intervenções
do dirigente sindical da polícia holandesa – Equipe; do constitucionalista Prof.
Dr. Jorge Bacelar Gouveia, presidente do OSCOT [Observatório de Segurança, Criminalidade
Organizada e Terrorismo] e professor catedrático de Direito e Segurança e do
Dr. Jorge Machado, jurista e ex-deputado”.
Assim, a asserção de Margarida Blasco no sentido de o
tema ser debatido na próxima negociação sindical, “era o mínimo que podia
dizer, até para a credibilidade do próprio Ministério que dirige”. Porém, “horas
após a declaração ministerial, o MAI veio, em comunicado, assinalar que, das
negociações previstas para janeiro do próximo ano, não fazia parte a discussão
sobre o tema da greve na polícia”.
Segundo o colunista, o teor do comunicado terá sentido,
“se entendermos a problemática da restrição do direito à greve na polícia como
um assunto que transcende o próprio governo, inserindo-se, antes, no quadro da
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [AR]”,
prevista na alínea o) do artigo 164.º
da CRP, ou seja, “não estaria em causa o reconhecimento de um direito, mas,
quando muito o da sua restrição”.
Ora, se a AR, no dizer do colunista, “não pode proibir
um direito, menos ainda o pode o governo”. Nestes termos, o comunicado, “dando
como assente a proibição de um direito, nos moldes em que o faz”, “tange a
usurpação de uma função que constitucionalmente não detém” e “acaba por
desautorizar um membro do governo, cujo gesto poderia conduzir a um aliviar a
carga de uma postura governamental abusiva, proibindo um direito que não pode,
nem ‘deve’ prosseguir, por usurpar ser o exercício de uma função que
constitucionalmente lhe está vedada”. Todavia, a ministra pode encontrar uma
saída por parte do governo, através de uma Proposta de Lei a submeter à AR, a
fim de encontrar uma solução adequada em sede do direito ao exercício de greve
por parte das Forças de segurança.
***
Sete meses depois da posse, há quem, entre os
social-democratas, fale numa ministra a prazo e a Iniciativa Liberal (IL) pede
que o PM avalie condições para a governante continuar. PSD e governo tentam
conter danos, mas o desconforto está instalado.
Não foi a primeira vez que declarações da governante geraram
polémica, mas a mais recente fez soar campainhas nos bastidores. Escassas horas
passaram entre a declaração de Margarida Blasco sobre a possibilidade de rever
o direito à greve das forças de segurança e a correção, pelo gabinete da
ministra, mas feita por ordem superior (do PM ou dos ministros do Estado).
Fonte do executivo vinca, segundo o Expresso, que “o equívoco tinha de ser
desfeito”, porque o PM “é
efetivamente contra”, tendo sido, aliás, um dos temas da campanha
eleitoral nas últimas legislativas. Porém, defende a ministra: “Queria fazer
uma declaração genérica de disponibilidade para as negociações laborais e, no
âmbito da pergunta concreta, permitiu a confusão.”
A confusão não se desfez e surgiram os comentários, em
privado (entre governantes, dirigentes e deputados do PSD) e em público, com Marques
Mendes a deixar, na SIC, a sugestão a
Margarida Blasco que “pense
antes de falar” (não é a primeira vez que o comentador lhe aponta a
falta de capacidade de comunicação e de gestão política).
Na sequência dos desacatos na AML, Margarida Blasco voltou a ser
alvo de críticas, dentro e fora dos partidos que suportam o governo. Uma delas
veio de um antecessor na pasta da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que falou,
na SIC Notícias, sobre a falta de
intervenção do governo e referiu a “absoluta inexistência da ministra da
Administração Interna”, assacando a responsabilidade ao chefe do governo.
E, em off, são crescentes as críticas e ninguém tenta disfarçar o
desconforto: “Só continua, porque só passaram sete meses desde que o governo tomou posse e
seria a confissão de um erro de casting”, considera um
dirigente social-democrata.
A competência na área que tutela não é questionada tecnicamente.
Margarida Blasco foi inspetora-geral da Administração Interna no governo de
Passos Coelho (sendo Miguel Macedo o ministro), foi a primeira mulher a dirigir
o Serviço de Informações de Segurança (SIS), em 2004, por escolha de Durão
Barroso. Porém, a “competência técnica não basta”. E a presença do ministro da
Presidência, António Leitão Amaro, ao lado de Blasco na reunião com os autarcas
da Área Metropolitana de Lisboa (AML), é pormenor que a ninguém passou
despercebido. “É uma ministra com tutela e tutelada”, dizem. Todos perceberam que
foi Leitão Amaro e não Blasco a prestar declarações, facto que o governo desvaloriza,
aduzindo que são áreas onde “as competências estão interligadas”.
Luís Montenegro terá tido uma intervenção direta e rápida na
questão do direito à greve dos polícias, para não deixar que o “equívoco se
instalasse”. Rapidamente, também foram recuperadas declarações do PM sobre o
tema num debate com André Ventura, na campanha para as legislativas. Montenegro
classificou de irresponsáveis as propostas do Chega sobre a filiação partidária
e sobre o direito à greve das forças de segurança, afirmando que eram “duas coisas erradas,
completamente erradas”.
Entre os partidos que suportam o governo as críticas sobem de
tom, mas ninguém assume o mal-estar, ao passo que a IL já pediu ao PM que
pondere “muito bem” se Margarida Blasco tem condições para continuar como
ministra da Administração Interna.
O líder da IL não crê que tenha,
até agora, qualquer situação absolutamente grave que leve a pedir a sua
demissão, mas “aconteceram
já situações suficientes” para que peça ao PM que pondere “se a
atual ministra é a pessoa certa”. E, sustentando que, se não houver uma saída, num
contexto mais favorável, “ela poderá ter de sair quando acontecerem coisas graves
no país”, o que será de evitar. Depois, deixa a alfinetada: “Eu creio
que é preferível evitar isso. Nós temos episódios recentes de outros ministros
da Administração Interna que estiveram em funções muito para lá daquilo que era
aceitável e desejável para o país.”
***
Por mim, que vejo a greve como um direito dos trabalhadores, não
concordo com ela nas forças de segurança, nem nos militares das Forças Armadas.
Em meu entender, o artigo 270.º da CRP ou está a ser objeto de uma leitura
distorcida ou tem uma redação ambígua. De facto, “a lei pode restringir, na estrita medida das
exigências próprias das respetivas funções, restrições ao exercício dos
direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição coletiva e à
capacidade eleitoral passiva por militares e agentes militarizados dos quadros
permanentes em serviço efetivo, bem como por agentes dos serviços e das forças
de segurança e, no caso destas, a não admissão do direito à greve, mesmo quando
reconhecido o direito de associação sindical”. Ou seja, a lei pode restringir
vários direitos, mas, embora reconhecendo o direito de associação
sindical, não admite o direito à greve.
São funções de soberania, embora os agentes não sejam titulares de
órgãos de soberania.
Também não concordo com a greve de magistrados e ela tem acontecido.
2024.11.04
– Louro de Carvalho
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