segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Os governantes devem ser claros nas suas intervenções públicas

 

 

O secretário-geral do Partido Socialista (PS) considerou, a 4 de novembro, a ministra da Administração Interna mostrou, em diferentes momentos, “inaptidão para as funções”.

Questionado, numa visita ao Bairro do Zambujal, na Amadora, quanto às declarações da governante sobre direito à greve nas polícias, que motivou um esclarecimento, horas depois de o próprio ministério vir dizer que esse tema não fará parte das negociações, Pedro Nuno Santos, aduziu que se trata de uma função de soberania e a ministra da Administração Interna, em poucos meses, mostrou, em diversas ocasiões, a sua inaptidão para o cargo.

Na ótica do líder do PS, “o problema, ao fim de algum tempo, já é não é da senhora ministra”, mas do primeiro-ministro (PM), porque a escolheu, o que também diz muito sobre a capacidade do primeiro-ministro na construção de boas equipas, e porque a mantém em funções.

“No trabalho de qualquer político e de um ministro, em particular, é fundamental saber comunicar com as pessoas, com a população, mas aqui nem é só o saber comunicar, é que aqui há outra dimensão de problema”, sustentou Pedro Nuno Santos.

No caso concreto sobre o direito à greve, “num dia diz-se uma coisa e, passadas umas horas, volta-se atrás”, o que “é inaceitável, do ponto de vista do exercício de funções governativas”, apontou.

Sobre a posição do PS, destacou “uma posição sólida sobre essa matéria” dos socialistas. “São forças de segurança fundamentais para garantir a ordem pública e, na nossa opinião, não é compaginável com greves”, reiterou.

Em resposta a Pedro Nuno Santos, o líder parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), Hugo Soares, também secretário-geral do partido, elogia a ministra da Administração Interna e descarta problemas no governo, frisando que o próprio secretário-geral do PS integrou um governo que “teve, num ano, cerca de 13 demissões”. Enquanto ministro das Infraestruturas e da Habitação de António Costa, o atual líder do PS foi precisamente “um dos problemas”, no dizer de Hugo Soares.

Esquece que este governo só tem sete meses e está em estado de graça na opinião pública. Se víssemos escrutinados os casos como no governo anterior, talvez as conclusões fossem outras.

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No encerramento do 1.º Congresso da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), que decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, de 2 a 3 de novembro, Margarida Blasco afirmou, ao ser questionada pelos jornalistas sobre se estava disposta a conceder o direito à greve aos polícias: “Vamos começar, no dia 6 de janeiro, um conjunto de revisões e é um ponto que pode estar e estará, com certeza, em cima da mesa. Neste momento não vou dizer se sim ou se não, porque vai ter de ser submetido a um estudo.”

Porém, horas depois, um esclarecimento do Ministério da Administração Interna (MAI), enviado às redações, referia que “a posição do governo é clara: nesse diálogo pode ser discutida a representação laboral e os direitos sindicais”, mas “não o direito à greve”.

No final do congresso, a questão do reconhecimento do direito à greve na polícia foi abordada por Paulo Santos, presidente da ASPP/PSP, que destacou que isso é, há muito tempo, reivindicado pelos sindicatos e manifestou satisfação pela abertura demonstrada pela ministra. E lembrou que o acordo assinado em julho sobre o suplemento de condição policial previa as negociações sobre outras matérias no início do próximo ano. “Forçámos para que ficasse plasmado um processo negocial que, a partir de janeiro de 2025, pudesse permitir uma revisão da carreira, das tabelas remuneratórias e dos suplementos. Agora, com esta abertura da senhora ministra para se fazer uma discussão em torno do direito à greve, parece-nos importante acrescentar esse ponto, como sendo imprescindível para que o sindicato possa ter a sua liberdade e a sua ação plena”, explicitou.

O presidente da ASPP/PSP valorizou as conclusões do congresso, focado nos temas da condição policial ou do policiamento de proximidade, e realçou que os agentes continuarão a lutar pelo direito à greve, salientando que isso foi reconhecido por oradores especialistas em direito.

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Entretanto, a 4 de novembro, António Bernardo Colaço, Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em artigo de opinião publicado no Diário de Notícias online (DN), sustenta que a governante “abriu a porta à discussão sobre o direito à greve nas polícias, com o tema reclamado pelos sindicatos a figurar entre os pontos em discussão nas negociações previstas para janeiro”.

A governante, presente no 2.º dia do acontecimento, quando se discutiu o tema “Constituição da República Portuguesa e o direito à greve”, face às conclusões do Congresso, “anunciou que a ‘questão da greve’ na polícia seria um dos assuntos a abordar nas negociações marcadas para o próximo dia 6 de janeiro”.

Efetivamente, à luz da Constituição da República Portuguesa (CRP), “um direito só pode ser restringido”, mas não proibido, em resultado do artigo 18.º da CRP e do seu artigo 270,º, na parte onde acolhe o enunciado da lei sindical da PSP (artigo 3.º, alínea d) da Lei n.º 14/2002 de 19 de fevereiro), alusiva à greve do pessoal da Polícia de Segurança Pública (PSP), o que “só pode ser entendido como uma restrição ao direito à greve, mas não como uma proibição deste direito”. Tal conclusão surgiu, como refere o colunista, “após as intervenções do dirigente sindical da polícia holandesa – Equipe; do constitucionalista Prof. Dr. Jorge Bacelar Gouveia, presidente do OSCOT [Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo] e professor catedrático de Direito e Segurança e do Dr. Jorge Machado, jurista e ex-deputado”.  

Assim, a asserção de Margarida Blasco no sentido de o tema ser debatido na próxima negociação sindical, “era o mínimo que podia dizer, até para a credibilidade do próprio Ministério que dirige”. Porém, “horas após a declaração ministerial, o MAI veio, em comunicado, assinalar que, das negociações previstas para janeiro do próximo ano, não fazia parte a discussão sobre o tema da greve na polícia”.

Segundo o colunista, o teor do comunicado terá sentido, “se entendermos a problemática da restrição do direito à greve na polícia como um assunto que transcende o próprio governo, inserindo-se, antes, no quadro da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [AR]”, prevista na alínea o) do artigo 164.º da CRP, ou seja, “não estaria em causa o reconhecimento de um direito, mas, quando muito o da sua restrição”.

Ora, se a AR, no dizer do colunista, “não pode proibir um direito, menos ainda o pode o governo”. Nestes termos, o comunicado, “dando como assente a proibição de um direito, nos moldes em que o faz”, “tange a usurpação de uma função que constitucionalmente não detém” e “acaba por desautorizar um membro do governo, cujo gesto poderia conduzir a um aliviar a carga de uma postura governamental abusiva, proibindo um direito que não pode, nem ‘deve’ prosseguir, por usurpar ser o exercício de uma função que constitucionalmente lhe está vedada”. Todavia, a ministra pode encontrar uma saída por parte do governo, através de uma Proposta de Lei a submeter à AR, a fim de encontrar uma solução adequada em sede do direito ao exercício de greve por parte das Forças de segurança.

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Sete meses depois da posse, há quem, entre os social-democratas, fale numa ministra a prazo e a Iniciativa Liberal (IL) pede que o PM avalie condições para a governante continuar. PSD e governo tentam conter danos, mas o desconforto está instalado.

Não foi a primeira vez que declarações da governante geraram polémica, mas a mais recente fez soar campainhas nos bastidores. Escassas horas passaram entre a declaração de Margarida Blasco sobre a possibilidade de rever o direito à greve das forças de segurança e a correção, pelo gabinete da ministra, mas feita por ordem superior (do PM ou dos ministros do Estado).

Fonte do executivo vinca, segundo o Expresso, que “o equívoco tinha de ser desfeito”, porque o PM “é efetivamente contra”, tendo sido, aliás, um dos temas da campanha eleitoral nas últimas legislativas. Porém, defende a ministra: “Queria fazer uma declaração genérica de disponibilidade para as negociações laborais e, no âmbito da pergunta concreta, permitiu a confusão.”

A confusão não se desfez e surgiram os comentários, em privado (entre governantes, dirigentes e deputados do PSD) e em público, com Marques Mendes a deixar, na SIC, a sugestão a Margarida Blasco que “pense antes de falar” (não é a primeira vez que o comentador lhe aponta a falta de capacidade de comunicação e de gestão política).

Na sequência dos desacatos na AML, Margarida Blasco voltou a ser alvo de críticas, dentro e fora dos partidos que suportam o governo. Uma delas veio de um antecessor na pasta da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que falou, na SIC Notícias, sobre a falta de intervenção do governo e referiu a “absoluta inexistência da ministra da Administração Interna”, assacando a responsabilidade ao chefe do governo. E, em off, são crescentes as críticas e ninguém tenta disfarçar o desconforto: “Só continua, porque só passaram sete meses desde que o governo tomou posse e seria a confissão de um erro de casting”, considera um dirigente social-democrata.

A competência na área que tutela não é questionada tecnicamente. Margarida Blasco foi inspetora-geral da Administração Interna no governo de Passos Coelho (sendo Miguel Macedo o ministro), foi a primeira mulher a dirigir o Serviço de Informações de Segurança (SIS), em 2004, por escolha de Durão Barroso. Porém, a “competência técnica não basta”. E a presença do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, ao lado de Blasco na reunião com os autarcas da Área Metropolitana de Lisboa (AML), é pormenor que a ninguém passou despercebido. “É uma ministra com tutela e tutelada”, dizem. Todos perceberam que foi Leitão Amaro e não Blasco a prestar declarações, facto que o governo desvaloriza, aduzindo que são áreas onde “as competências estão interligadas”.

Luís Montenegro terá tido uma intervenção direta e rápida na questão do direito à greve dos polícias, para não deixar que o “equívoco se instalasse”. Rapidamente, também foram recuperadas declarações do PM sobre o tema num debate com André Ventura, na campanha para as legislativas. Montenegro classificou de irresponsáveis as propostas do Chega sobre a filiação partidária e sobre o direito à greve das forças de segurança, afirmando que eram “duas coisas erradas, completamente erradas”.

Entre os partidos que suportam o governo as críticas sobem de tom, mas ninguém assume o mal-estar, ao passo que a IL já pediu ao PM que pondere “muito bem” se Margarida Blasco tem condições para continuar como ministra da Administração Interna.

O líder da IL não crê que tenha, até agora, qualquer situação absolutamente grave que leve a pedir a sua demissão, mas “aconteceram já situações suficientes” para que peça ao PM que pondere “se a atual ministra é a pessoa certa”. E, sustentando que, se não houver uma saída, num contexto mais favorável, “ela poderá ter de sair quando acontecerem coisas graves no país”, o que será de evitar. Depois, deixa a alfinetada: “Eu creio que é preferível evitar isso. Nós temos episódios recentes de outros ministros da Administração Interna que estiveram em funções muito para lá daquilo que era aceitável e desejável para o país.”

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Por mim, que vejo a greve como um direito dos trabalhadores, não concordo com ela nas forças de segurança, nem nos militares das Forças Armadas. Em meu entender, o artigo 270.º da CRP ou está a ser objeto de uma leitura distorcida ou tem uma redação ambígua. De facto, “a lei pode restringir, na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções, restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição coletiva e à capacidade eleitoral passiva por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo, bem como por agentes dos serviços e das forças de segurança e, no caso destas, a não admissão do direito à greve, mesmo quando reconhecido o direito de associação sindical”. Ou seja, a lei pode restringir vários direitos, mas, embora reconhecendo o direito de associação sindical, não admite o direito à greve.

São funções de soberania, embora os agentes não sejam titulares de órgãos de soberania.

Também não concordo com a greve de magistrados e ela tem acontecido.

2024.11.04 – Louro de Carvalho

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