domingo, 17 de novembro de 2024

Comissão Europeia mais otimista do que o governo, mas cautelosa

 

De acordo com as previsões económicas de outono, divulgadas em relatório, a 15 de novembro, pela Comissão Europeia (CE), mais otimista do que o governo português, o excedente orçamental, no país, é de 0,6% do produto interno bruto (PIB), para este ano, face a 1,25%, em 2023, e de 0,4%, em 2025, acima dos 0,4% e dos 0,3%, respetivamente.

Efetivamente, a CE melhora a estimativa para o saldo orçamental de 2024, face ao avançado em maio, quando esperava o excedente de 0,4%. Todavia, revê em ligeira baixa a estimativa para 2025, de 0,5% para 0,4%. Além disso, o superavit das contas públicas diminuirá para 0,4% do PIB, em 2025 e, num cenário de políticas invariantes, para 0,3%, em 2026.

A previsão da CE, para este ano, supera a do governo, que, na proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025), inscreveu um excedente orçamental de 0,4%, para 2024, e coloca Portugal como o quarto país com o melhor excedente da Zona Euro, apenas ultrapassado pela Irlanda (4,4%), pelo Chipre (3,5%) e pela Dinamarca (2,3%).

No atinente ao rácio da dívida pública, o executivo comunitário prevê que continue a diminuir, embora a ritmo mais lento, apontando para níveis de 95,7% do PIB, neste ano, de 92,9%, em 2025, e de 90,5%, em 2026, e projetando uma diminuição do excedente do setor público administrativo, graças às “pressões crescentes sobre as despesas correntes” e a “medidas de política orçamental que deterioram o equilíbrio das receitas”.

Todavia, as receitas do governo continuarão a aumentar, beneficiando do desempenho das receitas fiscais e das contribuições sociais, no contexto de atividade económica sustentada, de maior rendimento disponível das famílias e de mercado de trabalho resiliente. Em contraponto, “medidas de política fiscal, como o pagamento do suplemento extraordinário de pensões e o aumento dos salários estão a pressionar a despesa pública”. Assim, o custo orçamental líquido das medidas para mitigar o impacto da subida dos preços da energia será de 0,5% do PIB, em 2014, comparativamente a 0,8%, em 2023; e a política fiscal permanecerá expansionista.

Em 2025, a redução do excedente orçamental traduzirá o impacto de medidas de política fiscal, como a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), a atualização dos escalões do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), o IRS Jovem e o aumento de salários na função pública. O investimento público continuará a aumentar, associado à implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e o custo orçamental líquido das medidas de apoio energético diminuirá para 0,1% do PIB. E a CE considera que os riscos para as perspetivas fiscais são no sentido descendente, devido, entre outros aspetos, “aos processos em curso para o reequilíbrio financeiro das parcerias público-privadas”.

Ao mesmo tempo, a CE reviu em alta a taxa de inflação, em Portugal, para 2,6%, neste ano, e para 2,1%, em 2025. Assim, Bruxelas prevê que “a inflação continue a diminuir, durante o horizonte de previsão, em linha com as projeções para a área do euro”, mas revê em alta as projeções, face a maio. Em termos médios anuais, prevê que o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), em Portugal, se fixe em 2,6%, em 2024, face aos antes previstos 2,3%, caindo para 2,1%, em 2025 (antes, previa 1,9%), e para 1,9%, em 2026. Assim, a inflação continuará “a diminuir, apesar da pressão em alta dos serviços relacionados com o turismo”.

Ante o esperado aumento dos salários reais, a CE projeta que a inflação subjacente (excluindo os preços da energia e dos alimentos não transformados, cujos preços são mais voláteis) recue a ritmo mais lento. Como assinala, o IHPC diminuiu, em termos homólogos, de 5,3%, em 2023, para 2,3%, no terceiro trimestre de 2024, refletindo a desaceleração em todos os principais componentes do índice. Porém, o índice relativo aos serviços manteve-se, “substancialmente, acima” do índice global, sobretudo, devido ao aumento dos preços da hotelaria e da restauração.

Por sua vez, os preços da energia foram impulsionados pelo aumento das tarifas de acesso à rede no setor elétrico, no primeiro semestre de 2024, embora estas tenham recuado, novamente, no terceiro trimestre. Já os produtos industriais não energéticos e os produtos alimentares não transformados “contribuíram, consistentemente, para a desaceleração da inflação”, enquanto os preços dos alimentos processados subiram além do índice global, no terceiro trimestre de 2024.

A CE manteve a previsão de crescimento económico de Portugal em 1,7%, neste ano, e 1,9%, em 2025, abaixo dos 1,8% e 2,1%, respetivamente, estimados pelo governo. Todavia, o Presidente da República (PR) não deve ter lido o relatório, pois sustenta que Portugal crescerá 2%, neste ano.

Bruxelas prevê um crescimento do PIB de 1,7%, em 2024, abaixo dos 2,5%, de 2023, recuperando o ritmo para 1,9% em 2025 e 2,1% em 2026, “apoiado, principalmente, pela procura interna”.

A CE compara as suas previsões com as do governo inscritas no OE2025, que apontam para o crescimento de 1,8%, em 2024, e de 2,1%, em 2025, pondo a economia a crescer acima da média da Zona Euro, para a qual espera a expansão do PIB, de 0,8%, em 2024, e de 1,3%, em 2025.

“O crescimento económico, em Portugal, deverá aumentar gradualmente, ao longo do horizonte das previsões, apoiado pelo consumo privado e pelo investimento”, vinca o relatório, segundo o qual o crescimento abranda, em 2024, mas voltará a aumentar, em 2025 e em 2026.

A CE anota que a economia portuguesa abrandou no primeiro semestre de 2024, no contexto de procura externa moderada e de fraco sentimento empresarial. O fim do ciclo de utilização dos fundos de coesão da União Europeia (UE) para 2014-2020, que permitiu despesas até ao final de 2023, resultou na “desaceleração substancial do crescimento do investimento no início do ano”. E o consumo privado acelerou no segundo trimestre de 2024, devido ao aumento da remuneração total dos trabalhadores, e as exportações e as importações aumentaram a taxas similares.

Os serviços, em particular, o turismo continuaram a apoiar a economia, apesar de alguma moderação, ao passo que a indústria transformadora “enfrentou dificuldades significativas”, devido à fraca procura externa de bens, enquanto a construção se manteve estável. O sentimento económico melhorou, no terceiro trimestre, impulsionado pelo setor dos serviços e por expectativas menos negativas na indústria, com o PIB a aumentar 0,2% (em termos trimestrais) segundo a estimativa provisória do Eurostat, mantendo o ritmo do trimestre anterior. O consumo privado deve continuar a beneficiar do crescimento dos salários reais, enquanto a projetada aceleração da implementação do PRR impulsionará os investimentos. E a recente moderação das taxas de juro deverá apoiar tanto o consumo privado como os investimentos.

A nível externo, o turismo estrangeiro continuará a ser “importante fator de crescimento, embora menos do que nos últimos anos”. E a recuperação da procura de bens de investimento levará as importações a crescerem mais rapidamente do que as exportações, pelo que o excedente da balança corrente deverá diminuir, em 2025 e em 2026, após um pico, em 2024.

O executivo comunitário regista a redução do desemprego, em Portugal, para 6,4%, no terceiro trimestre deste ano, face à média anual de 6,5%, em 2023, no contexto de moderação do crescimento do emprego, que abrandou gradualmente para 1,3%, em termos homólogos. E prevê que o crescimento do emprego continue moderado, mas permita uma diminuição marginal da taxa de desemprego, de 6,4%, em 2024, para 6,3%, em 2025, e 6,2%, em 2026.

O comissário europeu dos Assuntos Económicos, reagindo às últimas análises e indicadores que apontam para a aceleração dos gastos públicos, que poderão, neste ano, aumentar a ritmo bastante elevado, face ao comum nos últimos anos, na ordem dos 10%, disse não ter, para já, “particular preocupação” sobre o nível de despesa, em Portugal, salientando a redução da dívida pública (embora esta seja uma das mais elevadas da Europa e do Mundo desenvolvido), que deverá atingir os 90% do PIB, em 2026, bastante acima dos 60% estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade.

“É uma decisão que registamos [de Portugal ter vindo a registar mais gastos]”, mas “não estamos, neste momento, particularmente preocupados com o nível de despesa”, declarou Paolo Gentiloni, em conferência de imprensa, em Bruxelas, na apresentação das previsões económicas de outono, indicando tomar “nota do facto de, globalmente, continuar a haver, em relação a Portugal, uma situação orçamental muito boa”.

“Lembro-me, pessoalmente, quando celebrei com o então primeiro-ministro, que é agora o presidente [eleito] do Conselho Europeu, do facto de Portugal ter descido abaixo dos 100% a dívida, em relação ao PIB”, disse o comissário, aludindo a António Costa.

Estas declarações surgem depois de, no final de outubro, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) ter previsto a taxa média de crescimento da despesa líquida de 4,3%, no período 2025-2028, superior ao compromisso de 3,6%, assumido pelo governo no Plano de Estabilidade enviado a Bruxelas, e de ter, recentemente, avisado que Portugal não comportará um aumento da despesa pública da ordem dos dois dígitos. 

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As novas previsões da CE mostram que Portugal tem o quarto maior retrocesso da Europa nos ganhos salariais, até 2026, mas com exceções em setores, como a indústria e a construção, por via da escassez de pessoal qualificado. Nas contas públicas, o excedente, para 2024, é de 500 milhões de euros, maior do que dizem as Finanças.

Após fortes ganhos reais em 2023 e neste ano, a recuperação do poder de compra dos salários em Portugal (salário bruto médio por empregado) travará a fundo, nos próximos dois anos, prevendo-se um ganho só de 1%, em 2026, ao nível dos salários reais (descontando a inflação prevista).

Portugal aparece com a quarta maior degradação no ritmo do poder de compra salarial, que registou forte impulso nos últimos dois anos, na sequência da recuperação da crise inflacionista e do embate sofrido em 2022, ano em que se iniciou a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Porém, a recuperação de rendimentos, neste período de 2023 e 2024 (que fez o salário real por trabalhador subir acima dos 3%, ao nível da economia portuguesa), é explicada, sobretudo, como o reflexo de medidas para proteger o poder de compra dos trabalhadores e dos pensionistas tomadas pelo anterior governo e prolongadas, em parte, pelo atual, que adicionou algumas novas, embora de menor escala. A ideia em que assentaram tais políticas foi devolver aos contribuintes parte do ganho das contas públicas, obtido pelo assinalável crescimento de contribuições e de impostos, assente em sucessivos recordes na criação de emprego. Todavia, Isso acabou. A inflação, que chegou a tocar num máximo superior a 10%, no final de 2022, desceu, devendo ficar na média de 2,6%, em 2024.  

As previsões da CE mostram que o ajustamento em baixa no ganho de poder de compra salarial (entre 2023 e 2026) acontece numa minoria de países, essencialmente, os que, em 2023, não acusaram quebra no indicador. É o caso da Croácia, da Letónia, da Roménia e de Portugal, que experimentarão, até 2026, um ajustamento mais agressivo nos ganhos de poder de compra. A Croácia lidera a travagem, com a redução de 4,9% (face a 2023), no ganho real nacional (que será de 1,7%, em 2026). Em segundo, surge a Letónia (menos 4,2%), devendo registar o ganho real salarial de 1,8%, daqui a dois anos. Em terceiro, surge a Roménia (menos 3,2%), a obter o ganho real aceitável de 4,4%, em 2026. Em quarto, vem Portugal, cujo ganho real baixa cerca de 2,3%, colocando o salário por trabalhador apenas 1,2% acima da inflação esperada pela CE, em 2026.

Porém, a CE está preocupada com as pressões salariais em Portugal, que tem escassez em algumas áreas vitais da atividade, e vinca-o no estudo que elaborou para as 27 economias da UE. Segundo ela, o crescimento do emprego continua moderado ao longo do período de previsão (crescerá 1,1%, neste ano, mas deslizará para 0,8%, em 2026], embora ainda permita a descida marginal da taxa de desemprego, de 6,4% da população ativa para 6,2%, dentro de dois anos.

Contudo, embora as taxas de ofertas de emprego tenham permanecido baixas, alguns setores, como a indústria transformadora e a construção, sinalizam “condições de contratação restritivas e escassez de competências”, o que deverá “manter as pressões salariais elevadas”.

Embora o aumento geral que se prevê nos salários (sobretudo os nominais e em determinados setores) ajude o consumo privado e a economia como um todo, a CE lembra o que está a acontecer no setor público, em termos remuneratórios, o que pode complicar a “consolidação orçamental” (uso de excedentes sucessivos para reduzir a dívida). Em 2024, as medidas de política orçamental, como os pagamentos de valores fixos nas pensões e os aumentos extraordinários da massa salarial da função pública, pesam na despesa pública. E, em 2025, sobressaem os aumentos das remunerações da função pública, a redução das taxas do IRC, o impacto da transição do quadro revisto do IRS, a atualização do IRS Jovem.

Quase todos os ministros das Finanças das últimas décadas rejeitam a ideia de que as contas públicas têm folgas e sustentam que todo o ganho adicional deve ser canalizado, prioritariamente, para pagar aos credores, para abater na dívida pública. Segundo as Finanças e a CE, em contabilidade nacional, o excedente deste ano pode chegar a 1,6 mil milhões de euros, em vez de 1,1 mil milhões. Se não é folga, é um desvio positivo de 500 milhões de euros, face ao que se pensava em meados de outubro. E o ano ainda não acabou.

As receitas públicas continuarão a expandir-se, mercê das receitas fiscais e das contribuições sociais, o que explica o excedente, apesar da hesitação da CE sobre aspetos novos na despesa.

2024.11.16 – Louro de Carvalho

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