De acordo
com Paula Soler & Marta
Iraola Iribarren, em artigo intitulado “Novo comissário europeu da Justiça está
disposto a tornar a violência contra as mulheres um “crime europeu’”, publicado
pela Euronews, a 5 de novembro, Michael
McGrath, comissário liberal irlandês indigitado para a Democracia,
a Justiça e o Estado de Direito, na sua audição de confirmação no Parlamento
Europeu (PE), “comprometeu-se a
reforçar a proteção das mulheres e raparigas contra a violência baseada no
género”, em toda a União Europeia (UE), e “está aberto à adoção de legislação
comum para a criminalizar”.
A violação é
um “crime abominável” e, segundo o comissário, a UE ainda tem trabalho a fazer
no combate à violência contra as mulheres e as raparigas.
A violência
contra as mulheres e as raparigas é uma das violações dos direitos humanos mais comuns e sistemáticas a
nível mundial. Os países da UE não são exceção. Uma em cada três mulheres já
foi vítima de violência física ou sexual, perpetrada, maioritariamente, por
parceiros íntimos. E, durante a pandemia de covid-19, registou-se um aumento significativo
da violência física e emocional contra as mulheres. Segundo as informações
disponíveis, em alguns países houve cinco vezes mais chamadas telefónicas para
as linhas de apoio à violência doméstica.
A violência online está, igualmente, a aumentar, e
atinge, em especial, as mulheres jovens e as mulheres com exposição pública, como
as jornalistas e as mulheres na política. As mulheres também são vítimas de
violência no trabalho: cerca de um terço das mulheres vítimas de assédio sexual,
na UE, sofreu este assédio no local de trabalho.
De acordo
com o site do Conselho Europeu
(https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-measures-end-violence-against-women/),
a UE e os seus estados-membros estão a trabalhar em várias frentes, para pôr
termo à violência de género, para proteger as vítimas deste crime hediondo e para
punir os infratores.
Até 2022,
não existia legislação específica da UE relativa à violência contra as mulheres,
nem à violência doméstica. No entanto, a questão era já abrangida por algumas
diretivas e regulamentos da UE, em especial, nos domínios da cooperação
judiciária, em matéria penal, da igualdade entre homens e mulheres e da
política de asilo.
Por exemplo,
a diretiva da UE que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio
e à proteção de todas as vítimas de todos os crimes assegura que os direitos
das vítimas de violência de género sejam garantidos em todas as fases do
processo penal.
Entretanto,
a 8 de março de 2022, a Comissão Europeia propôs uma nova diretiva para o
combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, com vista a
assegurar, em toda a UE, um nível mínimo de proteção contra este tipo de
violência. As novas regras criminalizam uma série de infrações, incluindo a mutilação genital feminina e a
ciberviolência.
A
ciberviolência refere-se à partilha não consentida de imagens íntimas, à
ciberperseguição, ao ciberassédio e ao ciberincitamento ao ódio ou à violência.
A diretiva
assegurará igualmente que as vítimas têm acesso à justiça, o direito de
reclamar uma indemnização e o acesso gratuito a linhas telefónicas de apoio e a
centros de ajuda de emergência para vítimas de violação.
A 9 de junho
de 2023, o Conselho Europeu definiu a sua posição sobre a proposta de diretiva
para prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência
doméstica.
A nova
diretiva criminaliza os seguintes atos, em toda a UE: a mutilação genital
feminina; o casamento forçado; a ciberperseguição; o ciberassédio; a partilha
não consensual de imagens íntimas; e o incitamento à violência e ao ódio online.
A 6 de
fevereiro de 2024, o Conselho Europeu e o PE chegaram a acordo sobre o primeiro
ato legislativo da UE, em matéria de combate à violência contra as mulheres.
Em 7 de maio
de 2024, o Conselho Europeu adotou o ato legislativo que harmonizará as sanções e os prazos de
prescrição aplicáveis a essas infrações. Assim, por exemplo, a mutilação
genital feminina deve agora ser punível em todos os estados-membros com uma
pena máxima de, pelo menos, cinco anos de prisão.
Além disso,
a UE está alinhada com os acordos internacionais. Desde logo, a Convenção do
Conselho da Europa para a Prevenção
e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica –
“Convenção de Istambul” – é a referência para as normas internacionais neste
domínio. Com efeito, é o primeiro documento internacional que contém uma
definição de género; criminaliza infrações como a mutilação genital feminina, o
casamento forçado, a perseguição, o aborto forçado e a esterilização forçada;
reconhece que a violência contra as mulheres constitui uma violação dos
direitos humanos e uma forma de discriminação; e responsabiliza os Estados, se
estes não responderem adequadamente a esta forma de violência.
A Convenção
estabelece medidas jurídicas e estratégicas abrangentes para prevenir esse tipo
de violência e para proteger as vítimas e para lhes prestar assistência, incluindo
medidas relativas à recolha de dados, à sensibilização, à criminalização desse
tipo de violência e à prestação de serviços de apoio. E aborda a dimensão da
violência de género, em matéria de asilo e de migração.
A Convenção
de Istambul entrou em vigor, em abril de 2014, e foi assinada pela UE, em 13 de
junho de 2017. Em 21 de fevereiro de 2023, o Conselho Europeu solicitou a
aprovação do PE para adotar a decisão relativa à celebração da Convenção pela
UE. E, em 1 de junho de 2023, o Conselho Europeu adotou, em definitivo, a
decisão relativa à adesão da UE à Convenção.
O direito das mulheres a viver sem violência é igualmente defendido por acordos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) e a Declaração da ONU [Organização das Nações Unidas] sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (1993).
Tendo em
conta a força destes normativos e as suas insuficiências, o candidato liberal a
comissário afirmou a importância de haver “uniformidade e coerência entre os
estados-membros, em termos de trabalho nesta matéria”, e prometeu que, se forem
necessárias mais medidas, após a implementação da primeira lei de combate à
violência contra as mulheres, irá considerar uma proposta para acrescentar a
violência baseada no género à lista de crimes europeus.
Efetivamente,
os crimes europeus ou crimes da UE são as atividades criminosas com impacto em
vários estados-membros ou que representam ameaça para os interesses financeiros
e económicos da União, como o terrorismo, o tráfico de seres humanos ou o
branqueamento de capitais.
No início
deste ano, a UE aprovou uma diretiva para combater a violência contra as
mulheres e a violência doméstica, que incluía novas penas para quem cometesse
crimes contra figuras públicas, jornalistas e ativistas dos direitos humanos,
bem como novas regras para proibir o casamento forçado e a mutilação genital
feminina. Porém, as novas regras da UE, que os estados-membros devem
implementar até 2027, omitiram a violação – definida como sexo sem
consentimento – como um crime europeu, devido à falta de consenso entre os estados-membros.
Durante a
audição, a eurodeputada Assita Kanko, do partido de extrema-direita
Conservadores e Reformistas Europeus (Bélgica/CER), questionou McGrath sobre os
seus planos para garantir que a violação fosse criminalizada, de forma igual,
em todo o bloco europeu.
O candidato,
que deve receber luz verde dos eurodeputados, disse que “a Comissão pode
encorajar os estados-membros a introduzir o conceito de consentimento, quando
transpuserem a diretiva para a legislação nacional”. As definições de violação
baseadas no consentimento existem, atualmente, em países como a
Bélgica, a Grécia, a Irlanda, a Espanha e a Suécia.
Como se
afirmou acima, a Comissão Europeia propôs, pela primeira vez, a diretiva em 8
de março de 2022 para unificar as regras em todo o bloco que criminalizam uma
série de crimes, incluindo a violência cibernética, a mutilação genital
feminina e a violação. Esta última levou, rapidamente, a um confronto entre o
PE e o Conselho Europeu. Enquanto os eurodeputados concordavam com a
necessidade e com a possibilidade de incluir a criminalização do sexo não
consentido na diretiva, as capitais da UE estavam divididas em relação a um
parecer jurídico do Conselho Europeu, que argumentava que esta matéria não era
da competência jurídica do bloco.
Apesar de
meses de intensas negociações, o Conselho não tinha a maioria necessária para a
proposta e, com base no facto de uma lei ser melhor do que nenhuma, o PE acabou
por aceitar. “Ao avançarmos, recordemos este momento como um primeiro passo
histórico para reforçar os direitos das mulheres e iluminar o caminho para um
futuro em que todas as mulheres possam viver livres do medo e da opressão”,
afirmou Evin Incir (Suécia/S&D), uma das principais eurodeputadas a
trabalhar no dossiê, depois de o PE ter aprovado as novas regras.
O PE e o
Conselho Europeu concordaram que a Comissão Europeia deve apresentar um
relatório de cinco em cinco anos, sobre a situação das mulheres e das raparigas,
na UE, e sobre a necessidade de rever a diretiva.
Duas em cada
dez mulheres, na UE, foram vítimas de violência física e/ou sexual por parte de
um parceiro ou amigo. A violência baseada no género está também associada a um
custo social anual estimado em 290 milhões de euros a nível da UE.
***
Também a 2 de setembro, Paula Soler,
com o contributo de Jack Schickler em artigo intitulado “Como pode o
orçamento da UE ajudar os direitos das mulheres?”, publicado pela Euronews, referia que 11% das despesas da UE contribuíram,
em 2023, para promover a igualdade de
género.
O orçamento da UE ascende
a cerca de 140 mil milhões de euros por ano. Ora, a despesa
pública pode perpetuar, reduzir ou aumentar as desigualdades entre
homens e mulheres. Com efeito, segundo um porta-voz da Comissão
Europeia, a “orçamentação de género” visa “promover a equidade nas despesas, de
modo a que o dinheiro dos contribuintes possa identificar e eliminar as
barreiras que afetam negativamente as mulheres e as raparigas na UE”.
O orçamento da UE – que investe
fundos significativos na agricultura, nas infraestruturas e na ciência – deverá
ser revisto a partir de junho de 2025, parecendo os planos para os próximos
sete anos suscetíveis de “reforçar a integração do género”.
A alteração ao Regulamento Financeiro
da União Europeia exigirá que “os programas e atividades sejam
implementados, tendo em conta o princípio da igualdade de género, e
que todos os dados dos indicadores de desempenho recolhidos para os programas
financeiros sejam desagregados por género, quando apropriado”. E esta abordagem
deverá merecer o beneplácito do PE.
Os especialistas confirmam que as
despesas da UE podem desempenhar um papel importante na promoção da igualdade.
“Ao ter em conta o impacto das políticas fiscais no género, o orçamento
sensível ao género pode corrigir desequilíbrios, como a desigualdade salarial,
a sub-representação em cargos de decisão e o acesso limitado a serviços como os
cuidados de saúde e a educação”, afirmou Mirta Baselovic, porta-voz do Lobby
Europeu das Mulheres (LEM).
Por exemplo, um orçamento sensível ao
género terá em conta aspetos como o trabalho de assistência não
remunerado, o que quatro em cada cinco mulheres fazem diariamente na
UE, em comparação com menos de metade dos homens. Isso afeta o emprego formal
das mulheres no mercado de trabalho, as taxas de desemprego e o desempenho
macroeconómico global. Ora, com a próxima Comissão Europeia a focar-se no
reforço da competitividade, os peritos fazem questão de estabelecer a ligação
com políticas económicas sólidas. “A orçamentação baseada no género é uma boa
orçamentação. Faz sentido do ponto de vista económico e é uma ferramenta para
garantir a igualdade de género a longo prazo”, sustenta Helena Morais,
investigadora do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), vincando
que a igualdade de género pode ajudar a aumentar o crescimento per capita até 9,6% e
criar até 10,5 milhões de empregos adicionais, até 2050.
Há também um argumento jurídico: a UE
é obrigada pelos tratados fundadores a eliminar as desigualdades, também as de
género, em todos os domínios, incluindo através do financiamento.
O atual quadro orçamental, que se
estende de 2021 a 2027, foi concebido para ser mais sensível a esta questão,
mas a implementação plena da orçamentação com base no género em todos os
instrumentos financeiros da UE é ainda “um trabalho em curso”, lamentou
Baselovic.
***
Um orçamento que atenda à igualdade
de género tem de providenciar a que as vítimas da desigualdade criminosa por
questões de género, nomeadamente, a violência contra as mulheres e as
raparigas, sejam acolhidas, reparadas e integradas. Ora, a segurança das
mesmas, o apoio jurídico, judiciário e económico custa dinheiro, mas o
orçamento da UE tem de prover às necessidades de quem precisa.
2024.11.05 – Louro de Carvalho
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