sábado, 9 de novembro de 2024

Habilitação profissional e formação contínua de professores

 

No passado dia 31 de outubro, o Secretariado Nacional da Federação Nacional dos Professores (FENPROF) enviou ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) parecer sobre as propostas de alteração do Decreto-Lei n.º 79/ 2014, de 14 de maio (Regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário) e de alteração do Decreto-Lei n.º 22/ 2014, de 11 de fevereiro (Regime jurídico da formação contínua de professores e respetivo sistema de coordenação administração e apoio), ambos na atual redação – de que, pela relevância e pela concordância de base, retenho os aspetos mais relevantes (cf https://www.fenprof.pt/media/download/CCFF93599E060E4D8B5C7BA473C195D9/f-207-parecer-fenprof-habilitacao-profissional-docencia-e-formacao-continua-31-10-24.pdf).  

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A revisão do regime jurídico da habilitação profissional para a docência foi anunciada pelo MECI como área prioritária de intervenção para a melhoria das políticas públicas de educação. Ora, para a FENPROF, “é inquestionável a necessidade de investir na qualificação dos professores”, devendo passar por uma reforma da estrutura da formação inicial, como foi expresso, aquando da última alteração do decreto-lei em causa, por académicos ligados à formação inicial de docentes.

Por isso, é “de crucial importância” a reflexão sobre a formação inicial e a recordação das “fragilidades” apontadas, antes, pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), “nomeadamente: as condições estruturais impostas pelo atual quadro legal que limita a autonomia das IES [instituições de ensino superior]; a ausência de uma discussão institucional acerca do modelo ou da combinação de modelos de formação (bietápica, mestrado integrado); a falta de articulação das diversas componentes dos currículos da formação inicial; a insuficiente incorporação das TIC [tecnologias de informação e comunicação] nesta formação; o tempo reduzido de prática dos estagiários em sala de aula; o desenvolvimento insuficiente das competências de investigação pelos formandos, em contexto real de trabalho; uma supervisão fraca das práticas de ensino pelos docentes das IES; [e] a falta de especialização de muitos formadores sobre a formação”.

Concorda-se com a separação das questões da formação do problema da existência de alunos sem aulas, instrumentalização criticada, aquando das alterações promovidas pelo anterior governo.

Contudo, a proposta da 4.ª alteração ao decreto-lei em causa concretiza “alterações cirúrgicas”, para “harmonizar os requisitos de admissão à habilitação profissional para a docência com os tratados internacionais”; procede a alterações ao formato e aos procedimentos da prática de ensino supervisionada, importante componente da formação de professores, sem que “valorizem, substancialmente, os intervenientes, neste caso, os docentes e educadores cooperantes, através da criação de um estatuto reforçado”, isto é, “condições de trabalho adequadas às exigentes funções que irão desempenhar”.

Gorada a expectativa de uma alteração substancial e porque as propostas apresentadas mantêm e consolidam, no essencial, a última alteração efetuada ao referido decreto-lei, a FENPROF mantém, no geral, a apreciação enviada, em parecer, ao anterior governo.

Em termos da apreciação na especialidade das propostas de alteração, esta estrutura sindical “não contesta a dispensa da prática de ensino supervisionada, substituída por outro procedimento, no caso de candidatos à profissionalização com prolongada experiência letiva”. Todavia, assinala “a contradição entre essa disposição e a sujeição de milhares de docentes profissionalizados com anos de experiência profissional à realização de um anacrónico período probatório”.

Não acompanha a alteração à “estrutura curricular do ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Educação Básica”, visto que “reduz o nível de exigência desta formação”.

A alteração às “estruturas curriculares dos restantes ciclos de estudos” (altera o ponto 2, revoga os pontos 3 e 4) mantém “a redução dos créditos na área da docência, na área educacional geral” e “os exigidos para a prática de ensino supervisionada”, pelo que merece desacordo.

Quanto à alteração às “condições específicas de ingresso nos ciclos de estudos conducentes ao grau de mestre” (funde os pontos 2 e 3; e altera o ponto 8), “discorda-se da possibilidade de se candidatarem ao grau de mestre numa das especialidades a que se referem os números 1 a 5 do anexo (licenciaturas em Educação Básica)”, pois seria, para todas as áreas da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, “um forte retrocesso na formação de docentes”.

No âmbito dos “orientadores cooperantes” (a proposta altera os pontos 3, 6 e 7 e acrescenta um ponto 8), a FENPROF sustenta que “dificilmente poderá ser desempenhada, da forma mais adequada, a exigente atividade, que é a orientação e o acompanhamento de estagiários” e que a alteração proposta “não resolve, de forma alguma, a insuficiência manifesta de condições de trabalho”, apontada aquando da última revisão do decreto-lei em causa. E contrapõe à ideia de que “ao professor cooperante devem ser atribuídas quatro horas de redução por estagiário, até um máximo de três estagiários” a conveniente “adequação do horário de trabalho dos docentes cooperantes, através de uma redução significativa da componente letiva”, e discorda da possibilidade de ser substituída por um subsídio que, dependendo de decisão do diretor, pode contrariar a opção do docente e levar “a uma sobrecarga horária e de trabalho absolutamente insuportável e incompatível com a exigência das funções”.

Na “organização da prática de ensino supervisionada” (a proposta altera os pontos 2 e 15, revoga os 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 e acrescenta um 16 e um 17), “a alteração do ponto 2 e a revogação dos pontos 3, 4, 5 e 6”, já não impondo “a atribuição de horas letivas semanais, bem como a obrigatoriedade de lecionar turmas com diferentes anos e ciclos de ensino”, deixam “indefinida a organização da prática letiva supervisionada” e abrem espaço a “grande diversidade e arbitrariedade de práticas, que se poderão manifestar no mesmo agrupamento, de escola para escola e/ou de núcleo de estágio para núcleo de estágio”. Assim, para a Fenprof, “deve haver uma harmonização e uniformização da organização da prática de ensino supervisionada” que não a torne “dependente de condicionalismos particulares e de decisões locais, de forma a garantir sempre os padrões de qualidade formativa necessários àqueles que virão a exercer funções docentes”. E a FENPROF discorda da substituição do direito à remuneração mensal da prática de ensino supervisionada por uma possibilidade de bolsa de estudo.

A opção pela substituição dos contratos de estágio previstos na versão em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, pode estar na base de outras opções da atual proposta, “como o não reconhecimento do tempo de serviço prestado durante o estágio para todos os efeitos legais”. E a FENPROF sustenta que “o exercício da atividade docente, mesmo na qualidade de professor estagiário, deverá ser reconhecida para os diferentes efeitos legais”. Aliás, a dependência da fixação, por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da educação, da possibilidade de atribuição da bolsa, “abre espaço a que esta nunca aconteça”.

A revogação dos números 8 a 13 arrastaria consigo efeitos, como o vínculo, a exclusividade, a segurança social, a fiscalidade, etc. Seria também “grave a revogação do ponto 14 deste artigo, em relação à organização da prática letiva dos professores estagiários”, pois, se, na versão atual do decreto-lei em causa, “a atribuição de serviço prevista não pode originar insuficiência ou inexistência da componente letiva para os docentes do quadro do agrupamento ou escola não agrupada, essa parece ser uma preocupação de que o MECI, agora, prescinde”. Por isso, a FENPROF discorda desta opção, pois a revogação deste ponto “altera a premissa que garante que não sejam geradas situações de insuficiência ou ausência de componente letiva para os docentes dos quadros referidos”, o que “teria implicações potencialmente negativas”.

Em relação ao artigo novo sobre o “reconhecimento de habilitações ao abrigo de tratados internacionais”, a FENPROF, embora acompanhe a necessidade deste reconhecimento, “alerta para a importância de agilizar e de uniformizar um protocolo de procedimentos com as IES e com a DGAE [Direcção-Geral da Administração Escolar], no sentido de prevenir tratamentos diferenciados na certificação das habilitações, nomeadamente, no reconhecimento da componente curricular e da componente profissional das licenciaturas com origem no estrangeiro”.

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No concernente ao regime jurídico da formação contínua de professores e ao respetivo sistema de coordenação, administração e apoio, a FENPROF nada opõe à alteração do artigo 6.º, que introduz “mais uma modalidade de formação (MOOC) em Português (do Inglês Massive Open Online Course), cursos online abertos e massivos. Contudo, considera que esta é “mais uma oportunidade perdida para uma alteração mais profunda” do decreto-lei em referência. Assente-se em que “a formação contínua é dever, mas, também, direito dos docentes e condição necessária para atualizar conhecimentos e [para] manter elevada a qualidade da educação e do ensino”.

Por isso, deve “visar a atualização pedagógica, científica e tecnológica”, bem como “intervir nos domínios da ética, dos valores e da cidadania”. E “deve centrar-se na escola e nos contextos de trabalho”, realizando-se “através de modalidades que promovam a reflexão sobre situações, problemas e contextos reais”, pelo que “a sua implicação na carreira deverá ser desburocratizada e menos centrada no número de horas de formação, devendo ser reconhecida autonomia aos docentes para elaborarem os seus próprios planos de formação, assentes em necessidades que identifiquem no exercício da sua atividade profissional”.

Além disso, “defende-se a diversificação e a gratuitidade da formação contínua, desde logo da que é promovida pelos CFAE [Centros de Formação de Associação de Escolas], não devendo estes, como resposta pública às necessidades de formação dos docentes, promover formação paga para os docentes dos agrupamentos e escolas que abrangem”.

Preconiza-se a recuperação do “regime de dispensas para formação”, com incidência, nos limites estabelecidos, “em qualquer das componentes do horário semanal do docente”, bem como “o financiamento dos planos de formação, independentemente dos centros de formação que a promovem”, incluindo “os centros de formação das associações profissionais e científicas, bem como das organizações sindicais”, cuja formação contínua “é de indubitável interesse para o sistema, [para] as escolas e [para] os docentes”.

A elegibilidade para financiamento deve decorrer “da pertinência, [da] qualidade e [da] adequação às necessidades do sistema e dos agrupamentos e escolas”. É necessário “o reordenamento da rede dos CFAE”, para garantir “adequada resposta às necessidades concretas de formação”.

No reforço da autonomia dos CFAE, “defende-se o alargamento da possibilidade de acreditação de ações de formação de curta duração, até ao limite de 11 horas, e a responsabilização do MECI pelo financiamento e elaboração de planos nacionais de formação”, fundamentados e negociados com as organizações sindicais de docentes – “um debate e uma negociação que urge fazer”, mas que “se mantêm adiados”.

Neste âmbito, é desejável a criação de “novos grupos de recrutamento, como Teatro e Expressão Dramática e Intervenção Precoce, entre outros”. Não sendo criados no âmbito destas alterações, que se assuma isso como prioridade, para “assegurar maior estabilidade aos docentes e maior qualidade ao ensino e ao apoio dados às crianças e [às] suas famílias”.

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É, no meu entender, pena que os governantes, mormente os ligados à Educação, não atendam muitas das solicitações epistémicas apresentadas por esta estrutura sindical, a maior parte das vezes, movidos pelo preconceito ideológico ou pelo enervamento resultante da contestação sistemática por parte da FENPROF, sem meias medidas (muitas vezes, com razão).

2024.11.09 – Louro de Carvalho

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