No
passado dia 31 de outubro, o Secretariado Nacional da Federação Nacional dos Professores
(FENPROF) enviou ao Ministério da Educação,
Ciência e Inovação (MECI) parecer sobre as propostas de alteração do Decreto-Lei
n.º 79/ 2014, de 14 de maio (Regime jurídico da habilitação profissional para a
docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário) e de
alteração do Decreto-Lei n.º 22/ 2014, de 11 de fevereiro (Regime jurídico da
formação contínua de professores e respetivo sistema de coordenação
administração e apoio), ambos na atual redação – de que, pela relevância e pela
concordância de base, retenho os aspetos mais relevantes (cf https://www.fenprof.pt/media/download/CCFF93599E060E4D8B5C7BA473C195D9/f-207-parecer-fenprof-habilitacao-profissional-docencia-e-formacao-continua-31-10-24.pdf).
***
A
revisão do regime jurídico da habilitação profissional para a docência foi
anunciada pelo MECI como área prioritária de intervenção para a melhoria das
políticas públicas de educação. Ora, para a FENPROF, “é inquestionável a
necessidade de investir na qualificação dos professores”, devendo passar por
uma reforma da estrutura da formação inicial, como foi expresso, aquando da última
alteração do decreto-lei em causa, por académicos ligados à formação inicial de
docentes.
Por
isso, é “de crucial importância” a reflexão sobre a formação inicial e a
recordação das “fragilidades” apontadas, antes, pela Agência de Avaliação e
Acreditação do Ensino Superior (A3ES), “nomeadamente: as condições estruturais
impostas pelo atual quadro legal que limita a autonomia das IES [instituições
de ensino superior]; a ausência de uma discussão institucional acerca do modelo
ou da combinação de modelos de formação (bietápica, mestrado integrado); a
falta de articulação das diversas componentes dos currículos da formação
inicial; a insuficiente incorporação das TIC [tecnologias de informação e comunicação]
nesta formação; o tempo reduzido de prática dos estagiários em sala de aula; o
desenvolvimento insuficiente das competências de investigação pelos formandos,
em contexto real de trabalho; uma supervisão fraca das práticas de ensino pelos
docentes das IES; [e] a falta de especialização de muitos formadores sobre a
formação”.
Concorda-se
com a separação das questões da formação do problema da existência de alunos
sem aulas, instrumentalização criticada, aquando das alterações promovidas pelo
anterior governo.
Contudo,
a proposta da 4.ª alteração ao decreto-lei em causa concretiza “alterações
cirúrgicas”, para “harmonizar os requisitos de admissão à habilitação
profissional para a docência com os tratados internacionais”; procede a
alterações ao formato e aos procedimentos da prática de ensino supervisionada,
importante componente da formação de professores, sem que “valorizem,
substancialmente, os intervenientes, neste caso, os docentes e educadores
cooperantes, através da criação de um estatuto reforçado”, isto é, “condições
de trabalho adequadas às exigentes funções que irão desempenhar”.
Gorada
a expectativa de uma alteração substancial e porque as propostas apresentadas
mantêm e consolidam, no essencial, a última alteração efetuada ao referido decreto-lei,
a FENPROF mantém, no geral, a apreciação enviada, em parecer, ao anterior
governo.
Em
termos da apreciação na especialidade das propostas de alteração, esta
estrutura sindical “não contesta a dispensa da prática de ensino
supervisionada, substituída por outro procedimento, no caso de candidatos à profissionalização
com prolongada experiência letiva”. Todavia, assinala “a contradição entre essa
disposição e a sujeição de milhares de docentes profissionalizados com anos de
experiência profissional à realização de um anacrónico período probatório”.
Não
acompanha a alteração à “estrutura curricular do ciclo de estudos conducente ao
grau de licenciado em Educação Básica”, visto que “reduz o nível de exigência
desta formação”.
A
alteração às “estruturas curriculares dos restantes ciclos de estudos” (altera o
ponto 2, revoga os pontos 3 e 4) mantém “a redução dos créditos na área da
docência, na área educacional geral” e “os exigidos para a prática de ensino
supervisionada”, pelo que merece desacordo.
Quanto
à alteração às “condições específicas de ingresso nos ciclos de estudos
conducentes ao grau de mestre” (funde os pontos 2 e 3; e altera o ponto 8), “discorda-se
da possibilidade de se candidatarem ao grau de mestre numa das especialidades a
que se referem os números 1 a 5 do anexo (licenciaturas em Educação Básica)”,
pois seria, para todas as áreas da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do
ensino básico, “um forte retrocesso na formação de docentes”.
No
âmbito dos “orientadores cooperantes” (a proposta altera os pontos 3, 6 e 7 e
acrescenta um ponto 8), a FENPROF sustenta que “dificilmente poderá ser
desempenhada, da forma mais adequada, a exigente atividade, que é a orientação
e o acompanhamento de estagiários” e que a alteração proposta “não resolve, de
forma alguma, a insuficiência manifesta de condições de trabalho”, apontada
aquando da última revisão do decreto-lei em causa. E contrapõe à ideia de que “ao
professor cooperante devem ser atribuídas quatro horas de redução por
estagiário, até um máximo de três estagiários” a conveniente “adequação do
horário de trabalho dos docentes cooperantes, através de uma redução
significativa da componente letiva”, e discorda da possibilidade de ser
substituída por um subsídio que, dependendo de decisão do diretor, pode contrariar
a opção do docente e levar “a uma sobrecarga horária e de trabalho
absolutamente insuportável e incompatível com a exigência das funções”.
Na
“organização da prática de ensino supervisionada” (a proposta altera os pontos
2 e 15, revoga os 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 e acrescenta um 16 e um
17), “a alteração do ponto 2 e a revogação dos pontos 3, 4, 5 e 6”, já não
impondo “a atribuição de horas letivas semanais, bem como a obrigatoriedade de
lecionar turmas com diferentes anos e ciclos de ensino”, deixam “indefinida a
organização da prática letiva supervisionada” e abrem espaço a “grande
diversidade e arbitrariedade de práticas, que se poderão manifestar no mesmo
agrupamento, de escola para escola e/ou de núcleo de estágio para núcleo de
estágio”. Assim, para a Fenprof, “deve haver uma harmonização e uniformização
da organização da prática de ensino supervisionada” que não a torne “dependente
de condicionalismos particulares e de decisões locais, de forma a garantir
sempre os padrões de qualidade formativa necessários àqueles que virão a
exercer funções docentes”. E a FENPROF discorda da substituição do direito à
remuneração mensal da prática de ensino supervisionada por uma possibilidade de
bolsa de estudo.
A
opção pela substituição dos contratos de estágio previstos na versão em vigor
do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, pode estar na base de outras opções
da atual proposta, “como o não reconhecimento do tempo de serviço prestado
durante o estágio para todos os efeitos legais”. E a FENPROF sustenta que “o
exercício da atividade docente, mesmo na qualidade de professor estagiário,
deverá ser reconhecida para os diferentes efeitos legais”. Aliás, a dependência
da fixação, por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das
finanças e da educação, da possibilidade de atribuição da bolsa, “abre espaço a
que esta nunca aconteça”.
A
revogação dos números 8 a 13 arrastaria consigo efeitos, como o vínculo, a exclusividade,
a segurança social, a fiscalidade, etc. Seria também “grave a revogação do ponto
14 deste artigo, em relação à organização da prática letiva dos professores
estagiários”, pois, se, na versão atual do decreto-lei em causa, “a atribuição
de serviço prevista não pode originar insuficiência ou inexistência da
componente letiva para os docentes do quadro do agrupamento ou escola não
agrupada, essa parece ser uma preocupação de que o MECI, agora, prescinde”. Por
isso, a FENPROF discorda desta opção, pois a revogação deste ponto “altera a
premissa que garante que não sejam geradas situações de insuficiência ou
ausência de componente letiva para os docentes dos quadros referidos”, o que “teria
implicações potencialmente negativas”.
Em
relação ao artigo novo sobre o “reconhecimento de habilitações ao abrigo de
tratados internacionais”, a FENPROF, embora acompanhe a necessidade deste
reconhecimento, “alerta para a importância de agilizar e de uniformizar um
protocolo de procedimentos com as IES e com a DGAE [Direcção-Geral da Administração
Escolar], no sentido de prevenir tratamentos diferenciados na certificação das
habilitações, nomeadamente, no reconhecimento da componente curricular e da
componente profissional das licenciaturas com origem no estrangeiro”.
***
No
concernente ao regime jurídico da formação contínua de professores e ao respetivo
sistema de coordenação, administração e apoio, a FENPROF nada opõe à alteração do
artigo 6.º, que introduz “mais uma modalidade de formação (MOOC) em Português (do
Inglês Massive
Open Online Course), cursos online abertos e massivos. Contudo, considera que esta é “mais uma
oportunidade perdida para uma alteração mais profunda” do decreto-lei em
referência. Assente-se em que “a formação contínua é dever, mas, também,
direito dos docentes e condição necessária para atualizar conhecimentos e [para]
manter elevada a qualidade da educação e do ensino”.
Por
isso, deve “visar a atualização pedagógica, científica e tecnológica”, bem como
“intervir nos domínios da ética, dos valores e da cidadania”. E “deve
centrar-se na escola e nos contextos de trabalho”, realizando-se “através de
modalidades que promovam a reflexão sobre situações, problemas e contextos
reais”, pelo que “a sua implicação na carreira deverá ser desburocratizada e
menos centrada no número de horas de formação, devendo ser reconhecida
autonomia aos docentes para elaborarem os seus próprios planos de formação,
assentes em necessidades que identifiquem no exercício da sua atividade
profissional”.
Além
disso, “defende-se a diversificação e a gratuitidade da formação contínua,
desde logo da que é promovida pelos CFAE [Centros de Formação de Associação de
Escolas], não devendo estes, como resposta pública às necessidades de formação
dos docentes, promover formação paga para os docentes dos agrupamentos e
escolas que abrangem”.
Preconiza-se
a recuperação do “regime de dispensas para formação”, com incidência, nos
limites estabelecidos, “em qualquer das componentes do horário semanal do
docente”, bem como “o financiamento dos planos de formação, independentemente
dos centros de formação que a promovem”, incluindo “os centros de formação das
associações profissionais e científicas, bem como das organizações sindicais”,
cuja formação contínua “é de indubitável interesse para o sistema, [para] as
escolas e [para] os docentes”.
A
elegibilidade para financiamento deve decorrer “da pertinência, [da] qualidade
e [da] adequação às necessidades do sistema e dos agrupamentos e escolas”. É
necessário “o reordenamento da rede dos CFAE”, para garantir “adequada resposta
às necessidades concretas de formação”.
No
reforço da autonomia dos CFAE, “defende-se o alargamento da possibilidade de
acreditação de ações de formação de curta duração, até ao limite de 11 horas, e
a responsabilização do MECI pelo financiamento e elaboração de planos nacionais
de formação”, fundamentados e negociados com as organizações sindicais de
docentes – “um debate e uma negociação que urge fazer”, mas que “se mantêm
adiados”.
Neste
âmbito, é desejável a criação de “novos grupos de recrutamento, como Teatro e
Expressão Dramática e Intervenção Precoce, entre outros”. Não sendo criados no
âmbito destas alterações, que se assuma isso como prioridade, para “assegurar
maior estabilidade aos docentes e maior qualidade ao ensino e ao apoio dados às
crianças e [às] suas famílias”.
***
É,
no meu entender, pena que os governantes, mormente os ligados à Educação, não
atendam muitas das solicitações epistémicas apresentadas por esta estrutura sindical,
a maior parte das vezes, movidos pelo preconceito ideológico ou pelo
enervamento resultante da contestação sistemática por parte da FENPROF, sem
meias medidas (muitas vezes, com razão).
2024.11.09 –
Louro de Carvalho
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