A titular da pasta da Justiça discutiu, na especialidade, com os
deputados, na Assembleia da República (AR), o Orçamento do Estado para 2025 (OE
2025), no atinente à Justiça, vincando: “Este é um orçamento capaz de resolver
os problemas das pessoas.”
A asserção não passa de frase bonita conveniente a qualquer político. Dantes,
falavam da nação; depois, enchiam a boca com o povo; a seguir, com as pessoas;
com António Costa, eram as famílias; e voltamos às pessoas. Concordo com isso
tudo. Só não sei se concordo com o OE 2025.
Uma das novidades é que, do total de dois mil milhões
de euros, cerca de dois terços (mil e 200 milhões de euros) se destinam a pagar
salários, uma subida de quase 4%, face ao estimado para a execução do OE 2024.
Efetivamente, a prisões com problemas no abastecimento de
água, a edifícios sem condições físicas para acolher funcionários, a carrinhas
de transporte de presos avariadas a caminho do tribunal e a elevadores parados
em edifícios de tribunais com sete andares, juntaram-se as greves, de mais de um ano, dos funcionários
judiciais, dos guardas prisionais, dos profissionais de registos e dos técnicos
de reinserção social.
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, não descreveu o cenário
por menos, quando tomou posse, a 2 de abril; e, a 13 de novembro, repetiu a descrição
do cenário aos deputados.
“Foi grande a surpresa ao descobrir que o Fundo de Modernização da Justiça
– destinado a promover projetos de modernização da Justiça – tinha sido esvaziado dos seus 20 milhões de euros, para pagar salários e que
não mais tinham sido repostos”, referiu, salientando que “a lista
de audiências concedidas a presidentes de câmara que vinham cobrar promessas
era enorme”.
De herança recebida do governo anterior apontou, ainda, um conjunto de
diplomas que “aprovavam investimentos que nunca foram concretizados”.
Nem os novos Tribunais, nem as novas prisões (cinco), apesar das cerimónias de
lançamento de primeira pedra, se concretizaram.
Todavia, assegurou que o problema da água da prisão de Vale de Judeus “está
em fase final de resolução”, que “os serviços prisionais receberam novas
carrinhas celulares”, que “a aquisição de mais está em curso”, e que “foram
tomadas providências para que os elevadores do Palácio da Justiça de Lisboa
voltassem a funcionar e decidida a substituição dos que estão obsoletos”.
Relevou que foram celebrados acordos com os guardas prisionais e com os
funcionários judiciais. “As carreiras começaram a ser revistas, as promoções
descongeladas. Foram aprovados novos recrutamentos para os tribunais e para as
prisões. Noutros casos, apresentámos um calendário para trabalhar, como a
revisão da carreira dos técnicos de reinserção social, agendada para 2025 (no
acordo plurianual de valorização dos trabalhadores da administração pública)”,
vincou.
A governante explicou a distribuição dos dois terços do seu orçamento: “Para a revisão das carreiras dos Oficiais de Justiça,
reservámos cinco milhões de euros. Para o Corpo da Guarda Prisional, 14 milhões
de euros. Para os trabalhadores da Polícia Judiciária (PJ), que acolheu 1500 funcionários
do antigo SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], foram reservados 40 milhões
de euros pelo exercício de funções em condições de risco, [de] insalubridade e [de]
penosidade.”
Confessou não o dizer “como lamento”. Com efeito, “pagar salários a
juízes dos tribunais administrativos, a procuradores, a funcionários judiciais,
a advogados oficiosos, a guardas prisionais, a técnicos de reinserção social, a
conservadores, a oficiais de registo, a técnicos de medicina legal, a
inspetores da Polícia Judiciária e a todos os profissionais que desempenham
funções na Justiça não é motivo de queixume. É dinheiro bem gasto.” E lá
veio o chavão: “Foi pelas pessoas que começámos a desenhar o orçamento da
Justiça.”
Relembrou os novos recrutamentos, como com a contratação em curso de 570
oficiais de Justiça, após concurso, e de 225 guardas prisionais, entre outros;
e a valorização das remunerações, a revisão de estatutos e de sistema de
avaliação (dos oficiais de Justiça, dos guardas prisionais) e a formação (de
novos conservadores dos registos, por exemplo). E declarou: “Motivar as pessoas
que trabalham na Justiça, dar-lhes condições para trabalharem de forma mais
produtiva é a nossa grande prioridade para 2025, dando seguimento às decisões
de base por nós tomadas em 2024. Não há reforma da Justiça que
resista a profissionais judiciários desmotivados, mal pagos ou sem condições
físicas para trabalhar. Queremos dar futuro às profissões judiciárias.”
Enfim,
as prioridades da ministra da Justiça para 2025 são: os aumentos para os oficiais de justiça, para os
guardas prisionais e para trabalhadores da PJ (a fatia maior de aumentos é para
estes: 40 milhões de euros); a concretização da agenda anticorrupção; a
execução da tão esperada transformação digital (com ajuda dos fundos europeus);
a revisão dos códigos de processo penal, de processo administrativo e de processo
fiscal; a revisão das custas processuais; e
a atualização da tabela de honorários dos advogados oficiosos.
Para
tanto, dispõe do total consolidado de 1994,6 milhões de euros de receita e de
despesa, representando, na despesa efetiva, um crescimento de 1,7%, face à
estimativa de execução para 2024. “Este é um orçamento capaz de resolver
os problemas das pessoas”, explicita Rita Júdice, no documento explicativo da discussão
do OE 2025 para a Justiça, na especialidade.
Assim, em 2025 haverá, significativo aumento de receitas de impostos, no
valor de 83,2 milhões de euros, correspondendo ao acréscimo de 10,3%, e dos
fundos europeus, no montante de 15,9 milhões de euros, representando um
crescimento de 9,4%, ambos face a 2024. Contudo, há uma diminuição
líquida das transferências intra Ministério da Justiça (MJ) – destinadas aos
serviços integrados do sistema de Justiça – de 79 milhões de euros (-22,7%), face
ao OE 2024. Ou seja, um aumento de 1,7% do valor orçamentado para fazer
face à despesa consolidada. Porém, comparando com a estimativa de execução
prevista para 2024 (de 1788,0 milhões), verifica-se que o financiamento da
despesa efetiva consolidada crescerá 11,6%, correspondendo, em termos
absolutos, ao aumento de 206,6 milhões de euros.
Na rubrica “Despesas com pessoal”, no valor de 1268,4
milhões de euros, encontram-se incluídos os aumentos salariais de
3%, ou seja, os aumentos resultantes das revisões das carreiras dos oficiais da
Justiça (que custará cinco milhões de euros), do Corpo da Guarda Prisional (14
milhões de euros) e dos trabalhadores da PJ, pelo exercício de funções em condições
de risco, de insalubridade e de penosidade (40 milhões de euros, a maior fatia
de aumentos).
As “despesas com Pessoal” representam 63,6% do total do orçamento
consolidado de 2025, correspondendo a 1268,4 milhões de euros, enquanto
as restantes “Despesas” totalizam 36,4%, equivalendo a 726,1 milhões de euros. A Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) é o serviço com
maior verba para as “Despesas com pessoal” (382,2 milhões de euros),
seguindo-se a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), com
261,1 milhões de euros.
Em suma, as previsões do OE 2025
como prioridades na Justiça são as seguintes:
·
Aposta nas
pessoas que trabalham diariamente para servir a Justiça e no restabelecimento
da confiança com as mesmas, incluindo os acordos com o Corpo de Guardas Prisionais e com os oficiais de Justiça e a
revisão da carreira dos técnicos de reinserção social;
·
Cumprimento
das metas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e, consequentemente, da transformação digital;
·
Execução da
Agenda Anticorrupção;
·
Revisão do
Códigos de Processo Penal e de Processo nos Tribunais Administrativos e
Fiscais, bem como o Regulamento das Custas Processuais e a tabela de honorários do Sistema de Acesso ao Direito e aos
Tribunais (SADT);
·
Estratégia
nacional relativa aos meios de resolução alternativa de litígios, concretizando o reforço destes mecanismos, bem como a
melhoria de condições que permitam o alargamento das redes de julgados de paz e
de centros de arbitragem;
·
Adesão ao processo eletrónico, com tramitação eletrónica em
todas as instâncias e fases processuais, incluindo a de inquérito;
·
Modernização,
com recurso ao PRR, dos equipamentos, do parque judiciário e das
demais infraestruturas tecnológicas, com impacto nas salas de
audiência, e a adoção de plataformas eficientes para recolha de áudio e para apresentação
de prova judicial;
·
Requalificação
das estruturas físicas da Justiça, designadamente, dos edifícios dos tribunais, dos Estabelecimentos Prisionais e dos
Centros Educativos, para resolver o problema da degradação dos
edifícios, incluindo os referenciados nas condenações do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (TEDH), e a adequação dos edifícios às regras de
acessibilidade, e de sustentabilidade ambiental e tecnológica;
·
Promoção
da propriedade industrial, com o objetivo de capacitar e de
sensibilizar as empresas para a importância do valor acrescentado da proteção
da inovação;
·
Renovação
da frota automóvel das brigadas de investigação criminal da PJ, aquisição de veículos especiais de segurança
prisional e aluguer operacional de veículos de serviços gerais;
·
Remodelação
dos Pavilhões Prisionais Tipo (PPT) em Alcoentre, em Linhó e em Sintra,
construção de novo Pavilhão, idêntico ao recuperado (P3), no Estabelecimento Prisional de Tires e reabilitação do Reduto
Norte, em Caxias, e intervenção no atual Estabelecimento Prisional de
Ponta Delgada (Açores), na medida em que será necessário assegurar
melhores condições aos reclusos até à efetiva construção do Estabelecimento
Prisional de São Miguel, cuja finalização está prevista para 2031;
·
Remodelação
dos Pavilhões Prisionais Tipo (PPT) em Alcoentre, em Linhó e em Sintra,
construção de novo Pavilhão, idêntico ao recuperado (P3), no Estabelecimento Prisional de Tires e reabilitação do Reduto
Norte, em Caxias, e intervenção no atual Estabelecimento Prisional de
Ponta Delgada (Açores), na medida em que será necessário assegurar
melhores condições aos reclusos até à efetiva construção do Estabelecimento
Prisional de São Miguel, cuja finalização está prevista para 2031;
·
Construção
dos Palácios de Justiça de Coimbra, de Santa Maria da Feira e de
Guimarães;
·
Ampliação,
até ao final deste ano, do Palácio de Justiça de Braga, da
delegação do Norte (Porto) do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências
Forenses, do Departamento de Investigação Criminal de Portimão da PJ e criação
da delegação do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) em Vila do Conde; e
·
Criação, no
âmbito da execução orçamental, de um Comité de Eficiência e
Sustentabilidade para, além do acompanhamento mensal de todos os
organismos, identificar medidas de poupança para todo o MJ.
Como ficou expresso, as grandes novidades do orçamento da Justiça
resumem-se a pouco: cerca de dois terços vão para remunerações salariais ou
equivalente; o maior aumento é para a PJ; e o MJ decidiu criar um comité para gerar poupanças de dinheiro e para garantir a
execução do orçamento – o denominado ‘Comité de
Eficiência e Sustentabilidade‘.
Rita Júdice considerou que a abrangência do comité será “transversal a todos os organismos” sob a tutela do MJ,
visando melhorar a autossuficiência, sustentando que “é possível fazer mais com
os recursos humanos existentes” e que é “possível fazer melhor, com os mesmos
recursos financeiros disponíveis”. “Desde a gestão da água, à adoção de medidas
de eficiência energética e de sustentabilidade, passando pelo uso das novas
tecnologias e [da] inteligência artificial [IA], é possível poupar recursos e
tempo, desde que haja melhor gestão”, enfatizou.
De resto, o OE 2025, na área da Justiça, aliás como nas outras, é como os
demais. Só que o governo em funções refere, invariavelmente, o que ficou por
fazer pelos governos anteriores, apesar de anunciado, protocolado e,
eventualmente, do lançamento de primeiras pedras. É a vida de continuidade e de
insuficiência institucional!
2024.11.14 –
Louro de Carvalho
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