Há um ano, Rita Sá Machado foi nomeada diretora-geral
da Saúde, com 36 anos de idade, tornando-se a personalidade mais jovem no
cargo. Em entrevista, de 8 de novembro, a Ana Mafalda Inácio, do Diário de Notícias e a Nuno Domingues,
da TSF, tece considerações sobre
vários temas, que são de reter, mercê da sua notória relevância.
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Regressada de Genebra, onde
trabalhava na Organização Mundial de Saúde (OMS), tomou posse, a 1 de novembro
de 2023, com o desafio pelas mudanças a incorporar, “desde a modernização da
orgânica”, passando pelas “novas recomendações para a promoção e prevenção da
Saúde, até à linguagem usada”.
Sobre o facto de ter sido escolha
direta de Manuel Pizarro, que gerou polémica, a ponto de um grupo
parlamentar ter pedido justificação ao então ministro da Saúde, tendo em conta
a sua pouca experiência e idade, referiu que “houve um concurso” que “teve uma primeira ronda”, a que se candidatou,
passando à lista de finalistas, mas sem haver “três candidatos”. Na segunda
ronda, voltou a estar na short list
que a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração
Pública (CReSAP)
designa. E foi, na falta de três candidatos que ocorreu a sua nomeação.
Sustenta que há várias pessoas competentes para abraçar desafios como este, mas
que estava ciente da sua competência e experiência e do que sabia poder dar a
Portugal.
Considera que o trabalho da Direção-Geral da Saúde (DGS)
“tem vindo a ser construído com uma base sólida”, mas que “estava na altura de
uma mudança”, pois a DGS “precisa de modernização e de mudança”. E, ao final de
um ano, “já existe uma equipa mais madura” do que a que tinha e há “resultados
visíveis de alguns dos dossiês mais importantes” que emergiram “neste primeiro
ano”. Na impossibilidade de ter muitas batalhas, é preciso “escolher três ou
quatro e tentar que essas sejam os marcos” do ano. Todavia, a entrevistada já
consegue ver “alguma modernização na própria casa e alguma alteração de cultura
organizacional”, que era um dos grandes objetivos.
Nega que tenha “equipa
reduzida” ou que haja “desinvestimento na instituição”. E contrapõe que foi “ano
de mudança de governo”, mas que há concursos
abertos (“processos morosos”, mas a resolver “em breve”) para subdiretores
gerais das áreas da Saúde Pública e da Gestão.
Gostaria de ter mais pessoas na equipa e trabalhar,
nesse sentido, na mudança da orgânica da DGS, em conjunto com a tutela, e no
reforço em recursos humanos, que “tem vindo a acontecer ao longo deste ano e
que se vai notar, ainda mais, nos próximos dois anos”.
Entende que os médicos de
Saúde Pública devem participar na equipa e na dinâmica da DGS, pelo que se abriram concursos, neste ano, a que se têm candidatado
médicos de Saúde Pública. E a entrevistada enfatiza que “a DGS é uma casa de
Saúde Pública”, mas não tem só médicos dessa área. Tem também, como equipa
multidisciplinar que é, “enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e muitos
outros”. “Não é um recrutamento fácil, mas, por causa da missão específica dos
projetos inerentes a ela, “num espaço de cinco anos, existirão muitas pessoas
com vontade de vir colaborar com a DGS”, acredita Rita Sá Machado, que justifica a nova orgânica da DGS
com a necessidade de responder aos desafios do futuro. Há, de facto, áreas
temáticas que precisam de existir na DGS e que “não estão solidificadas”, por não
existir “o seu enquadramento para termos profissionais”.
Por exemplo, na Direção de Serviços de Prevenção da Doença e
Promoção da Saúde, cabe “uma panóplia de prioridades”. O objetivo é dividi-la
em várias partes, para dar mais voz a algumas, como a dos “ambientes saudáveis”,
isto é, “tudo o que está ligado ao urbanismo e à saúde, às alterações
climáticas, à mobilidade das pessoas, etc.”. Outro exemplo é o Centro de Emergências
em Saúde Pública, que funciona como equipa multidisciplinar, mas precisa de ser
mais robusto. Para tanto, é preciso alterar a orgânica da DGS e investir mais.
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Com vista a termos o país
mais bem preparado para uma epidemia (ou pandemia), releva que foi iniciado um plano de preparação e de resposta nacional a
emergências em Saúde Pública – “um exercício complexo” –, mas o objetivo é ter,
em junho de 2025, o plano pronto. E, neste âmbito, a diretora-geral da Saúde, a
partir das lições aprendidas com a pandemia, sustenta que se está a criar “uma
matriz de responsabilidades” a utilizar, “para qualquer ameaça à Saúde
Pública”, biológica ou não”, sendo importante “termos uma cadeia de comando e [de]
controlo, equipas preparadas com formação específica e equipas que têm de ser
testadas”. Foram negociadas com o Ministério dos Negócios Estrangeiros
alterações ao Regulamento de Saúde Internacional, um regulamento da OMS que
permite enfrentar grandes desafios, como as potenciais ameaças à Saúde Pública.
E o próximo ano será decisivo para fazer “todo um trabalho associado às
emergências em Saúde Pública”.
A resposta a tais emergências
compara-se a um estado-maior que defende o país de determinadas ameaças, o que
deve fazer-se em articulação com várias
estruturas do Ministério da Saúde e com outras, como a Veterinária, a Segurança
Alimentar, a Defesa (“As Forças Armadas são sempre um dos grandes parceiros”) e
a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). “É muito
importante que todos saibamos que, de tempos a tempos, temos uma ameaça dessas.
E os tempos vão encurtando e só precisamos de preparar o país rapidamente nesse
sentido”, vinca a diretora-geral da Saúde, a qual, atendendo a que a pandemia mudou muitos aspetos da saúde e da vida em
sociedade, sustenta que só vamos saber, “em cinco a dez anos”, o impacto
da covid-19 em indicadores de Saúde, como os atinentes à mortalidade e à
morbilidade, embora já tenhamos sentido o impacto, a curto prazo, e tenhamos já
vários estudos à disposição.
Neste âmbito, surge a covid longa
como problema de Saúde Pública. E percebeu-se a necessidade de “consultas
específicas para o acompanhamento desta síndrome”. E a entrevistada revelou
que, “a nível nacional e a nível dos nossos cuidados de saúde”, se optou “pelas
consultas na área da neurologia, reumatologia, entre outras especialidades
médicas”, mas, se percebermos que o modelo não chega, terá de haver “adaptação
dos próprios serviços de saúde nesse sentido”.
Quanto ao facto de a Ordem
dos Médicos (OM) ter defendido a criação de centros de referência para
diagnosticar os doentes que não estão diagnosticados e melhor os acompanhar,
assenta em que “todos os
modelos podem ser equacionados”. Porém, falando do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), com 39 Unidades Locais de Saúde (ULS), pensa que, “dada a dimensão do
problema, não é necessário haver 39 centros” de referência. No entanto, remete
a decisão para a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde e para a
Administração Central do Sistema de Saúde, que “estão em melhores condições
para falarem sobre isso”, na certeza de que “a DGS será parceiro para as
questões técnicas ou normativas, em relação à covid longa”.
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No quadro da Saúde Mental,
em que a covid-19 teve efeito, disse que o país continua a não fazer o
suficiente nesta área. Com efeito, na ótica de Rita Sá Machado, “temos de fazer, ao longo do tempo, uma alteração do
paradigma”. Já não falamos de doença mental, com estigma muito grande, mas
falamos de Saúde Mental. Na DGS, tem a ver com o trabalho na promoção da saúde
e na prevenção da doença, mas “ainda não é uma área consolidada” na casa.
Neste sentido, propõe-se começar a área da Saúde
Mental com as crianças mais pequenas, ainda na creche, para as tornar cidadãos
mais resilientes e assertivos, de modo a conseguirem lidar melhor com as suas
diferenças e com as suas dinâmicas. “E isso pode ser trabalhado através de
alguns programas, como o Programa Nacional de Saúde Escolar (PNSE)”, sublinhou.
Considera que a consciência
da sociedade não está alcançada, mas que “melhorou
para a saúde e para a doença”, embora não nos tenhamos libertado “de todo o
estigma e de toda a discriminação associada à saúde e à doença mental”. O PNSE
começa numa faixa tardia, com as crianças no 1.º Ciclo. Agora, a DGS está “a
preparar um outro PNSE”, que vai começar nas creches, para se “captar, de uma
forma mais precoce, algumas situações”. O programa, que sairá em 2025, já
aborda estas situações, porque “um cidadão que esteja [mais bem] preparado, que
seja mais resiliente, mais assertivo, conseguirá, depois, lidar com outros
problemas”, como os “ligados ao controlo do tabagismo, à utilização de drogas,
entre outros”.
Outra diferença é que o atual PNSE funciona para a escolaridade
obrigatória e o novo abrangerá a população que frequenta o ensino superior,
abordando temas como as doenças sexualmente transmissíveis (DST), para o que
foi criado um grupo de trabalho. De facto, aumentaram as infeções sexualmente
transmissíveis, nos jovens e na população em geral. Assim pretende-se que “a
população universitária e a população até aos 35 anos seja[m] abrangida[s] neste
contexto”.
Questionada, no quadro da
necessidade de a DGS se adaptar à sociedade, se voltaria a fazer a polémica
nota que assume a expressão “pessoas que menstruam”, respondeu que era preciso
abordar o tema, de forma aberta – já se falava “em higiene menstrual, mas não em saúde menstrual –, pois este é um dos
tópicos que têm “algum estigma, uma discriminação associada”. Por outro lado, a
propósito do projeto conjunto dos ministérios da Juventude e da Modernização e
da Saúde, para a distribuição gratuita de produtos menstruais, frisou que se
julgou oportuno fazer um inquérito à população sobre as pessoas que menstruam (mulheres,
crianças, adolescentes). E incluiu-se “a linguagem internacionalmente usada
pela OMS, pela UNICEF, pelo Fundo das Populações, por todos os organismos das
Nações Unidas, pelas organizações de mulheres, num apelo à linguagem inclusiva.
E a nossa Constituição faz referência à população transexual. Portanto, a DGS
considera que, para este tópico, “é muito importante que consigamos também uma
linguagem inclusiva, porque também é importante, para a sociedade”, pelo que se
aposta na área da comunicação.
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Começou muito bem a vacinação sazonal, mas, como
referiu a diretora-geral, “somos sempre muito céticos”. As primeiras semanas
foram para as pessoas que estão convencidas. Depois, vem o grande trabalho de
convencer os não convencidos a fazerem a vacinação a tempo. Ainda não há
temperaturas muito baixas, nem aumento da incidência da maior parte dos vírus
respiratórios. Por isso, as pessoas ainda vão a tempo de se vacinarem, pelo que
se apela a que as pessoas se vacinem contra a gripe e contra covid-19, “porque
as vacinas são seguras” e importa “proteger bem os mais vulneráveis, para
evitar alguns dos cenários dos últimos invernos”.
Segundo um relatório que vai ser publicado, a nível de
taxas de cobertura vacinal da gripe, na faixa acima dos mais de 65 anos, está acima
dos 55%, o que é bom, mas o objetivo, em relação à gripe, é atingir uma
cobertura da ordem dos 75%. No caso da covid-19, não existe esta métrica, mas
sabe-se que as pessoas se vacinam menos. Se atingirmos a cobertura de 2023, “entre
os 50% e os 55%, será uma boa campanha de vacinação”.
Refere que há sempre desperdício associado a vacinas, mas que “é
habitualmente residual”. No caso da covid-19, não há vacinas em unidoses e pode
dar-se o caso de uma ter sido mal manuseada e não possa ser aproveitada. Porém,
tudo será contabilizado e, no final da época, publica-se o relatório com esses
dados. Em 2023, o desperdício foi da ordem de 1%.
Sobre os grupos elegíveis para vacinação, Rita Sá Machado
diz que a fundamentação para vacinar “está baseada nos melhores critérios
científicos”. A Comissão Técnica de Vacinação Sazonal dá orientações sobre as melhores
práticas, para a gripe e para a covid-19. Em 2023, abriu-se, mais tarde, mas
não fora de tempo, a outros grupos, porque se percebeu não termos vacinação
para cobrir a quantidade de vacinas para a população. “É preciso ter mais
vacinas do que aquelas que são só para os grupos dos elegíveis. E fizemos um
alargamento, não com base em questões puramente científicas, mas dizendo que,
havendo disponibilidade, os que não fazem parte da população elegível, se
quisessem vacinar-se, o poderiam fazer”, explicou, frisando que a vacinação é “uma
das nossas melhores armas possíveis, para qualquer doença transmissível”.
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Questionada quanto aos rastreios
oncológicos – foi anunciada a antecipação do rastreio do cancro da mama, para
os 45 anos, mas sem data de aplicação; e, em relação aos rastreios do pulmão,
do estômago e da próstata, inscritos no Orçamento do Estado para 2024, nada
avançou –, replicou que o desenhado, a
nível estratégico, “foi até ao final do ano termos as normas metodológicas
(regras) para três grandes rastreios oncológicos”, que já foi publicada a norma
metodológica do cancro do colo do útero e que vai sair outra, para a população
de elevado risco para este cancro”.
Depois, sairá a norma do cancro da mama e, a seguir, a
do cancro do cólon e do reto. Assim, de acordo com a entrevistada, 2024 fecha
com tais normas. Em 2025, do ponto de vista normativo, começar-se-á pelo cancro
do pulmão. A DGS trabalha, a nível europeu, em diversas ações com diferentes
países e “já há algum referencial”. Há projetos-piloto, até em Portugal, com
financiamento europeu, não liderados pela DGS, mas que esta aproveitará, “para
buscar alguma informação” e “fazer uma norma com robustez”. Portanto, em 2024
apostámos nos preditos três grandes cancros. E, em 2025, trabalhar na questão técnica
e normativa dos demais.
Quanto ao cancro da mama,
não há datas para começar, mas o objetivo é que, no início de 2025, se comece a implementar.
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Tendo-lhe sido lembrado que
uma das primeiras situações com que teve de lidar, ao assumir funções, foram os
casos de Mpox, considera que “a situação está controlada em Portugal”. Com efeito,
houve “um primeiro caso”, a nível europeu,
de “uma nova estirpe” e Portugal teve de se adaptar a ela. Porém, a OMS e o
Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças disseram que “a ameaça pode
não ser tão significativa, a nível europeu”. Há um ou outro caso, no Reino
Unido, na Suécia e na Alemanha, o que significa que está controlado, a nível
europeu, não a nível mundial. Esta estirpe tem desafios diferentes da anterior,
mas o risco de propagação não será tão significativo. “Em Saúde Pública, uma
das grandes aprendizagens é que não temos nem o zero, nem o cem e que temos de
estar sempre preparados para tudo”, vincou.
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Enfim, uma entrevista esclarecedora, num contexto em
que a DGS tem presença menos mediática, comparativamente com outros departamentos
conexos com a Saúde.
2024.11.09 –
Louro de Carvalho
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