sábado, 9 de novembro de 2024

As novas opções da Direção-Geral da Saúde, em especial, o novo PNSE

 

Há um ano, Rita Sá Machado foi nomeada diretora-geral da Saúde, com 36 anos de idade, tornando-se a personalidade mais jovem no cargo. Em entrevista, de 8 de novembro, a Ana Mafalda Inácio, do Diário de Notícias e a Nuno Domingues, da TSF, tece considerações sobre vários temas, que são de reter, mercê da sua notória relevância.

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Regressada de Genebra, onde trabalhava na Organização Mundial de Saúde (OMS), tomou posse, a 1 de novembro de 2023, com o desafio pelas mudanças a incorporar, “desde a modernização da orgânica”, passando pelas “novas recomendações para a promoção e prevenção da Saúde, até à linguagem usada”.

Sobre o facto de ter sido escolha direta de  Manuel Pizarro, que gerou polémica, a ponto de um grupo parlamentar ter pedido justificação ao então ministro da Saúde, tendo em conta a sua pouca experiência e idade, referiu que “houve um concurso” que “teve uma primeira ronda”, a que se candidatou, passando à lista de finalistas, mas sem haver “três candidatos”. Na segunda ronda, voltou a estar na short list que a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) designa. E foi, na falta de três candidatos que ocorreu a sua nomeação. Sustenta que há várias pessoas competentes para abraçar desafios como este, mas que estava ciente da sua competência e experiência e do que sabia poder dar a Portugal.

Considera que o trabalho da Direção-Geral da Saúde (DGS) “tem vindo a ser construído com uma base sólida”, mas que “estava na altura de uma mudança”, pois a DGS “precisa de modernização e de mudança”. E, ao final de um ano, “já existe uma equipa mais madura” do que a que tinha e há “resultados visíveis de alguns dos dossiês mais importantes” que emergiram “neste primeiro ano”. Na impossibilidade de ter muitas batalhas, é preciso “escolher três ou quatro e tentar que essas sejam os marcos” do ano. Todavia, a entrevistada já consegue ver “alguma modernização na própria casa e alguma alteração de cultura organizacional”, que era um dos grandes objetivos.

Nega que tenha “equipa reduzida” ou que haja “desinvestimento na instituição”. E contrapõe que foi “ano de mudança de governo”, mas que há concursos abertos (“processos morosos”, mas a resolver “em breve”) para subdiretores gerais das áreas da Saúde Pública e da Gestão.

Gostaria de ter mais pessoas na equipa e trabalhar, nesse sentido, na mudança da orgânica da DGS, em conjunto com a tutela, e no reforço em recursos humanos, que “tem vindo a acontecer ao longo deste ano e que se vai notar, ainda mais, nos próximos dois anos”.

Entende que os médicos de Saúde Pública devem participar na equipa e na dinâmica da DGS, pelo que se abriram concursos, neste ano, a que se têm candidatado médicos de Saúde Pública. E a entrevistada enfatiza que “a DGS é uma casa de Saúde Pública”, mas não tem só médicos dessa área. Tem também, como equipa multidisciplinar que é, “enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e muitos outros”. “Não é um recrutamento fácil, mas, por causa da missão específica dos projetos inerentes a ela, “num espaço de cinco anos, existirão muitas pessoas com vontade de vir colaborar com a DGS”, acredita Rita Sá Machado, que justifica a nova orgânica da DGS com a necessidade de responder aos desafios do futuro. Há, de facto, áreas temáticas que precisam de existir na DGS e que “não estão solidificadas”, por não existir “o seu enquadramento para termos profissionais”.

Por exemplo, na Direção de Serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde, cabe “uma panóplia de prioridades”. O objetivo é dividi-la em várias partes, para dar mais voz a algumas, como a dos “ambientes saudáveis”, isto é, “tudo o que está ligado ao urbanismo e à saúde, às alterações climáticas, à mobilidade das pessoas, etc.”. Outro exemplo é o Centro de Emergências em Saúde Pública, que funciona como equipa multidisciplinar, mas precisa de ser mais robusto. Para tanto, é preciso alterar a orgânica da DGS e investir mais.

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Com vista a termos o país mais bem preparado para uma epidemia (ou pandemia), releva que foi iniciado um plano de preparação e de resposta nacional a emergências em Saúde Pública – “um exercício complexo” –, mas o objetivo é ter, em junho de 2025, o plano pronto. E, neste âmbito, a diretora-geral da Saúde, a partir das lições aprendidas com a pandemia, sustenta que se está a criar “uma matriz de responsabilidades” a utilizar, “para qualquer ameaça à Saúde Pública”, biológica ou não”, sendo importante “termos uma cadeia de comando e [de] controlo, equipas preparadas com formação específica e equipas que têm de ser testadas”. Foram negociadas com o Ministério dos Negócios Estrangeiros alterações ao Regulamento de Saúde Internacional, um regulamento da OMS que permite enfrentar grandes desafios, como as potenciais ameaças à Saúde Pública. E o próximo ano será decisivo para fazer “todo um trabalho associado às emergências em Saúde Pública”.

A resposta a tais emergências compara-se a um estado-maior que defende o país de determinadas ameaças, o que deve fazer-se em articulação com várias estruturas do Ministério da Saúde e com outras, como a Veterinária, a Segurança Alimentar, a Defesa (“As Forças Armadas são sempre um dos grandes parceiros”) e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). “É muito importante que todos saibamos que, de tempos a tempos, temos uma ameaça dessas. E os tempos vão encurtando e só precisamos de preparar o país rapidamente nesse sentido”, vinca a diretora-geral da Saúde, a qual, atendendo a que a pandemia mudou muitos aspetos da saúde e da vida em sociedade, sustenta que só vamos saber, “em cinco a dez anos”, o impacto da covid-19 em indicadores de Saúde, como os atinentes à mortalidade e à morbilidade, embora já tenhamos sentido o impacto, a curto prazo, e tenhamos já vários estudos à disposição.

Neste âmbito, surge a covid longa como problema de Saúde Pública. E percebeu-se a necessidade de “consultas específicas para o acompanhamento desta síndrome”. E a entrevistada revelou que, “a nível nacional e a nível dos nossos cuidados de saúde”, se optou “pelas consultas na área da neurologia, reumatologia, entre outras especialidades médicas”, mas, se percebermos que o modelo não chega, terá de haver “adaptação dos próprios serviços de saúde nesse sentido”.

Quanto ao facto de a Ordem dos Médicos (OM) ter defendido a criação de centros de referência para diagnosticar os doentes que não estão diagnosticados e melhor os acompanhar, assenta em que “todos os modelos podem ser equacionados”. Porém, falando do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com 39 Unidades Locais de Saúde (ULS), pensa que, “dada a dimensão do problema, não é necessário haver 39 centros” de referência. No entanto, remete a decisão para a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde e para a Administração Central do Sistema de Saúde, que “estão em melhores condições para falarem sobre isso”, na certeza de que “a DGS será parceiro para as questões técnicas ou normativas, em relação à covid longa”.

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No quadro da Saúde Mental, em que a covid-19 teve efeito, disse que o país continua a não fazer o suficiente nesta área. Com efeito, na ótica de Rita Sá Machado, “temos de fazer, ao longo do tempo, uma alteração do paradigma”. Já não falamos de doença mental, com estigma muito grande, mas falamos de Saúde Mental. Na DGS, tem a ver com o trabalho na promoção da saúde e na prevenção da doença, mas  “ainda não é uma área consolidada” na casa.

Neste sentido, propõe-se começar a área da Saúde Mental com as crianças mais pequenas, ainda na creche, para as tornar cidadãos mais resilientes e assertivos, de modo a conseguirem lidar melhor com as suas diferenças e com as suas dinâmicas. “E isso pode ser trabalhado através de alguns programas, como o Programa Nacional de Saúde Escolar (PNSE)”, sublinhou.

Considera que a consciência da sociedade não está alcançada, mas que “melhorou para a saúde e para a doença”, embora não nos tenhamos libertado “de todo o estigma e de toda a discriminação associada à saúde e à doença mental”. O PNSE começa numa faixa tardia, com as crianças no 1.º Ciclo. Agora, a DGS está “a preparar um outro PNSE”, que vai começar nas creches, para se “captar, de uma forma mais precoce, algumas situações”. O programa, que sairá em 2025, já aborda estas situações, porque “um cidadão que esteja [mais bem] preparado, que seja mais resiliente, mais assertivo, conseguirá, depois, lidar com outros problemas”, como os “ligados ao controlo do tabagismo, à utilização de drogas, entre outros”.

Outra diferença é que o atual PNSE funciona para a escolaridade obrigatória e o novo abrangerá a população que frequenta o ensino superior, abordando temas como as doenças sexualmente transmissíveis (DST), para o que foi criado um grupo de trabalho. De facto, aumentaram as infeções sexualmente transmissíveis, nos jovens e na população em geral. Assim pretende-se que “a população universitária e a população até aos 35 anos seja[m] abrangida[s] neste contexto”.

 

Questionada, no quadro da necessidade de a DGS se adaptar à sociedade, se voltaria a fazer a polémica nota que assume a expressão “pessoas que menstruam”, respondeu que era preciso abordar o tema, de forma aberta – já se falava “em higiene menstrual, mas não em saúde menstrual –, pois este é um dos tópicos que têm “algum estigma, uma discriminação associada”. Por outro lado, a propósito do projeto conjunto dos ministérios da Juventude e da Modernização e da Saúde, para a distribuição gratuita de produtos menstruais, frisou que se julgou oportuno fazer um inquérito à população sobre as pessoas que menstruam (mulheres, crianças, adolescentes). E incluiu-se “a linguagem internacionalmente usada pela OMS, pela UNICEF, pelo Fundo das Populações, por todos os organismos das Nações Unidas, pelas organizações de mulheres, num apelo à linguagem inclusiva. E a nossa Constituição faz referência à população transexual. Portanto, a DGS considera que, para este tópico, “é muito importante que consigamos também uma linguagem inclusiva, porque também é importante, para a sociedade”, pelo que se aposta na área da comunicação.

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Começou muito bem a vacinação sazonal, mas, como referiu a diretora-geral, “somos sempre muito céticos”. As primeiras semanas foram para as pessoas que estão convencidas. Depois, vem o grande trabalho de convencer os não convencidos a fazerem a vacinação a tempo. Ainda não há temperaturas muito baixas, nem aumento da incidência da maior parte dos vírus respiratórios. Por isso, as pessoas ainda vão a tempo de se vacinarem, pelo que se apela a que as pessoas se vacinem contra a gripe e contra covid-19, “porque as vacinas são seguras” e importa “proteger bem os mais vulneráveis, para evitar alguns dos cenários dos últimos invernos”.

Segundo um relatório que vai ser publicado, a nível de taxas de cobertura vacinal da gripe, na faixa acima dos mais de 65 anos, está acima dos 55%, o que é bom, mas o objetivo, em relação à gripe, é atingir uma cobertura da ordem dos 75%. No caso da covid-19, não existe esta métrica, mas sabe-se que as pessoas se vacinam menos. Se atingirmos a cobertura de 2023, “entre os 50% e os 55%, será uma boa campanha de vacinação”.

Refere que há sempre desperdício associado a vacinas, mas que “é habitualmente residual”. No caso da covid-19, não há vacinas em unidoses e pode dar-se o caso de uma ter sido mal manuseada e não possa ser aproveitada. Porém, tudo será contabilizado e, no final da época, publica-se o relatório com esses dados. Em 2023, o desperdício foi da ordem de 1%.

Sobre os grupos elegíveis para vacinação, Rita Sá Machado diz que a fundamentação para vacinar “está baseada nos melhores critérios científicos”. A Comissão Técnica de Vacinação Sazonal dá orientações sobre as melhores práticas, para a gripe e para a covid-19. Em 2023, abriu-se, mais tarde, mas não fora de tempo, a outros grupos, porque se percebeu não termos vacinação para cobrir a quantidade de vacinas para a população. “É preciso ter mais vacinas do que aquelas que são só para os grupos dos elegíveis. E fizemos um alargamento, não com base em questões puramente científicas, mas dizendo que, havendo disponibilidade, os que não fazem parte da população elegível, se quisessem vacinar-se, o poderiam fazer”, explicou, frisando que a vacinação é “uma das nossas melhores armas possíveis, para qualquer doença transmissível”.

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Questionada quanto aos rastreios oncológicos – foi anunciada a antecipação do rastreio do cancro da mama, para os 45 anos, mas sem data de aplicação; e, em relação aos rastreios do pulmão, do estômago e da próstata, inscritos no Orçamento do Estado para 2024, nada avançou –, replicou que o desenhado, a nível estratégico, “foi até ao final do ano termos as normas metodológicas (regras) para três grandes rastreios oncológicos”, que já foi publicada a norma metodológica do cancro do colo do útero e que vai sair outra, para a população de elevado risco para este cancro”.

Depois, sairá a norma do cancro da mama e, a seguir, a do cancro do cólon e do reto. Assim, de acordo com a entrevistada, 2024 fecha com tais normas. Em 2025, do ponto de vista normativo, começar-se-á pelo cancro do pulmão. A DGS trabalha, a nível europeu, em diversas ações com diferentes países e “já há algum referencial”. Há projetos-piloto, até em Portugal, com financiamento europeu, não liderados pela DGS, mas que esta aproveitará, “para buscar alguma informação” e “fazer uma norma com robustez”. Portanto, em 2024 apostámos nos preditos três grandes cancros. E, em 2025, trabalhar na questão técnica e normativa dos demais.

Quanto ao cancro da mama, não há datas para começar, mas o objetivo é que, no início de 2025, se comece a implementar.

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Tendo-lhe sido lembrado que uma das primeiras situações com que teve de lidar, ao assumir funções, foram os casos de Mpox, considera que “a situação está controlada em Portugal”. Com efeito, houve “um primeiro caso”, a nível europeu, de “uma nova estirpe” e Portugal teve de se adaptar a ela. Porém, a OMS e o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças disseram que “a ameaça pode não ser tão significativa, a nível europeu”. Há um ou outro caso, no Reino Unido, na Suécia e na Alemanha, o que significa que está controlado, a nível europeu, não a nível mundial. Esta estirpe tem desafios diferentes da anterior, mas o risco de propagação não será tão significativo. “Em Saúde Pública, uma das grandes aprendizagens é que não temos nem o zero, nem o cem e que temos de estar sempre preparados para tudo”, vincou.

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Enfim, uma entrevista esclarecedora, num contexto em que a DGS tem presença menos mediática, comparativamente com outros departamentos conexos com a Saúde.

2024.11.09 – Louro de Carvalho

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