quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Demissões não resolvem problemas, mas podem ser necessárias

 
Todos nos lembramos da célebre apresentação do pedido de demissão de Jorge Coelho de ministro das Obras Públicas de um dos governos de António Guterres, aquando do colapso da ponte de Entre-os Rios ou Ponte Hintze Ribeiro, a 4 de março de 2001, na então freguesia de Raiva, no concelho de Castelo de Paiva, por assunção da responsabilidade política pelo que acontecera.
Apesar das loas tecidas à atitude de Jorge Coelho, não me pareceu que fosse a mais recomendável. Antes pensava que o governante se deveria manter em funções e promover as respetivas averiguações e o apuramento das responsabilidades técnicas e/ou burocráticas. O luto pelas vítimas e as reparações patrimoniais públicas e privadas realizaram-se com a costumeira demora. E não sei se o ministro que se demitiu não teria feito a mesma coisa e até em menos tempo. 
Porém, este é o meu ponto de vista, que não coincide com o da generalidade dos dirigentes dos partidos políticos do chamado arco governativo, quando estão na oposição. Ao mínimo deslize de ministro ou de secretário de Estado, a exigência é a da demissão. Quando estão no governo, a bússola parece mudar de agulha e aponta a permanência no governo.
Recordo até o caso de um ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República a ajuizar que António Costa deveria equacionar a obrigação de apresentar a sua demissão.
Não obstante, alguns partidos têm-se pronunciado no sentido de que os problemas não se resolvem com as mudanças de governantes, mas com as mudanças de políticas.
É óbvio que, se o governante, pelo perfil, pelo desempenho ou por notória inabilidade para o exercício do cargo, está a criar dificuldades a quem o escolheu, deverá tirar as devidas ilações políticas e antecipar-se, apresentando o pedido de demissão. Ao invés, entendo que um primeiro-ministro (PM) queira segurar até à última aqueles ou aquelas que escolheu. Por isso, cabe ao governante em causa assumir a necessidade de se retirar, dando espaço ao chefe do governo para encontrar soluções (Pedro Nuno Santos fê-lo). A demissão não resolve, mas torna-se necessária. 
Já o chefe de Estado, do meu ponto de vista, deve abster-se de, publicamente, advertir para erros dos governantes, singularmente considerados, ou de ajuizar do seu desempenho. Se o julgar necessário, deverá fazê-lo nos bastidores do poder com o primeiro-ministro (PM); e, se pensa que agiu bem, ao fazê-lo com governos anteriores, é de questionar por que não o faz com o atual.
***
Está em causa o desempenho da ministra da Administração Interna e o da ministra da Saúde.
Não esqueço o juízo indireto, mas publicamente exposto, da parte do Presidente da República (PR), sobre o desempenho da ministra da Administração Interna do primeiro governo de António Costa, em outubro de 2017, a propósito dos fogos florestais, tal como os sucessivos clamores da oposição contra o seu sucessor na pasta, a respeito da morte de um cidadão ucraniano nas mãos de inspetores do então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a propósito de um acidente mortal para um trabalhador numa das nossas autoestradas. Já o último ministro da Administração Interna do último governo do Partido Socialista (PS) foi considerado ótimo pelos partidos da direita, a ponto de quererem que fosse o sucessor de António Costa como secretário-geral do PS, quando não resolveu o problema dos subsídios e dos suplementos das forças de segurança, como a então ministra da Justiça resolveu para a Polícia Judiciária (PJ).
Atualmente, a ministra da Administração Interna, cuja competência profissional não está em causa, revela notória capacidade de ausência nas questões políticas atinentes à pasta que sobraça e linguagem pouco ajustada às realidades. Por exemplo, nos fogos florestais na Região Autónoma da Madeira, falou demasiado tarde e, no quadro das condições que dificultam o combate aos fogos, confundiu a “orografia” do território com a “urologia”. Terá confundido administração externa com administração interna?
Aquando do furto noturno de oito computadores das instalações da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), a ministra pronunciou-se tarde e com justificações pouco convincentes. Prometeu inquérito, mas os resultados tardam.
No atinente à atuação da Polícia de Segurança Pública (PSP), no caso da morte de um cidadão e nas subsequentes manifestações, o pronunciamento da governante foi ambíguo, limitando-se a sustentar os procedimentos policiais e a garantir que a PSP estava preparada para obviar às duas manifestações de sinal contrário. As suas palavras em nada contribuíram para serenar as populações, como pretendia, ou para travar os atos de vandalismo.
É de recordar que substituiu o anterior diretor Nacional da PSP, prometendo uma reestruturação desta força policial, de que não se vê sinal e que poderia ser feita pelo exonerado.
Complacente com as conclusões do 1.º Congresso da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), considerou que o direito à greve poderia ser abordado no âmbito das próximas negociações. Pelos vistos, desautorizada a nível superior, veio o seu gabinete, horas depois, esclarecer que a questão do direito à greve nas forças de segurança não seria equacionada nas negociações. Todavia, o PM mantém a confiança na sua colaboradora governamental, apesar de, mesmo no interior do seu partido, ela estar sob o fogo da crítica.
***
O caso da ministra da Saúde contradiz, claramente, as promessas eleitorais do líder do Partido Social Democrata (PSD) e da coligação governativa a que preside, a Aliança Democrática (AD).
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) seria a tarefa prioritária deste executivo e, correspondendo à grande preocupação dos Portugueses, revelada pelas sondagens, seria elaborado, em 100 dias, um Programa de Emergência para o setor.
A nomeação de Ana Paula Martins para ministra da Saúde foi um risco, pela falta de experiência política e pela falta de experiência da sua secretária de Estado, na área. A sua demissão do Hospital de Santa Maria, por divergência, em relação ao então diretor executivo do SNS, revelou “a sua dificuldade em juntar culturas” – como aponta, no Expresso Curto, João Cândido da Silva, coordenador do Expresso Online, a 12 de novembro – fazendo “antever tempos difíceis num ministério em permanente exposição”. O risco agudizou-se com crise da situação do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), tendo nós todos de lamentar a morte de 11 pessoas, por falta de assistência pré-hospitalar, o que levou os partidos da oposição a questionar a permanência da ministra no governo, bem como alguns observadores e comentadores.
É certo que a generalidade dos comentadores e observadores (e o próprio PR) mostram, para com o atual governo a complacência que não dispensaram aos governos de António Costa.
No entanto, ressalta a posição do secretário-geral do PS, que acusou, a 13 de novembro, o PM falhar ao país e aos Portugueses, face aos problemas na Saúde (tema que estabeleceu como prioritário na campanha e sobre o qual fez muitas promessas), e pediu ao chefe de Estado coerência na forma como lida com estes temas.
Pedro Nuno Santos reuniu com a administração do Hospital Garcia de Orta, em Almada, no distrito de Setúbal, tendo no final da reunião, em declarações aos jornalistas, sustentado que os acontecimentos dos últimos dias levaram ao sentimento de “grande insegurança”, face aos responsáveis governativos, que “não estão a cuidar como deve ser da saúde, em Portugal”. E a pergunta que se coloca é qual é o tempo que o PM “dedica ao tema da saúde em Portugal”. “Até agora, não vimos uma declaração de preocupação, de empatia”, criticou.
Questionado sobre a atuação do PR sobre esta polémica do INEM, respondeu que tem a atenção centrada no governo e disse “não fazer julgamentos” do chefe de Estado. “Acho, obviamente, que qualquer político deve ser coerente ao longo do tempo que está em funções e, portanto, espero que o senhor Presidente da República não lide, de forma diferente, com estes temas como lidou no passado com outros. Isso, obviamente, que posso pedir, essa coerência na forma como se trata destes temas”, declarou.
As mortes de 11 pessoas, alegadamente associadas a falhas no atendimento do INEM, motivaram a abertura de sete inquéritos pelo Ministério Público (MP), um dos quais já está arquivado. Há ainda um inquérito em curso da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).
A ministra da Saúde suspendeu a reforma em curso no SNS, mudou o seu diretor executivo e quis assumir papel mais ativo na definição dos caminhos do SNS. Começou com as urgências obstetrícias. Porém, as urgências fechadas aumentaram, face a 2023, o número de crianças nascidas em ambulâncias aumentou, a ponto de os bombeiros bradarem que a situação era “inaceitável”. E a governante chegou a ter brilhante ideia de pôr as grávidas a tocar à campainha. Enfim, temos as urgências de Obstetrícia e de Pediatria abertas, mas sem livre acesso, como aponta o coordenador do Expresso Online.  
Ana Paula Martins decidiu, contra vários conselhos ajuizados, alterar as regras de contratação dos médicos de família, mas só 226 foram contratados e só 38% das vagas estão ocupadas. Das 54 medidas do Plano de Emergência prometido por Luís Montenegro, só uma estava concluída em setembro. Os últimos dados sobre a medida mais simbólica revelam que 83% das consultas de oncologia ainda estão com demora excessiva no SNS. Entretanto, surgiram os problemas na Emergência Médica. Em julho, Ana Paula Martins dizia que era preciso “refundar o INEM e anunciava uma “auditoria técnica” ao serviço, o grupo de trabalho para estudar as mudanças e novo modelo de governação. Todavia, aconteceu o seguinte:
Um diretor do INME pediu a demissão, por “falta de confiança na tutela”, após a recusa em contratar helicópteros. O caso só se resolveu há pouco tempo, acabando por a mesma solução que tinha sido recusada antes importar em gastos superiores.
A ministra convidou outra pessoa para assumir o cargo, que se demitiu, antes de assumir a função, quando lhe foi recusado um reforço de financiamento ou reforço na estrutura, o que agora já é possível fazer.
O novo modelo de governação não viu a luz do dia, alegando a ministra que pretende esperar que o INEM tenha direção definitiva (mas, há um mês, disse preferir a continuidade da atual equipa). O prometido “grupo de trabalho” para estudar as mudanças no INEM só foi nomeado há um mês.
E da referida auditoria nada se sabe.
Assim, as mudanças no INEM, que a ministra dizia serem “urgentes”, nem chegaram ao patamar do debate da discussão. Os poucos trabalhadores são mal pagos, fazem excessivas horas extraordinárias e perdem a paciência da espera, enquanto outras carreiras veem as reivindicações resolvidas. Por isso, fizeram um pré-aviso de greve. A ministra e a secretária de Estado nada fizeram durante os dez dias do pré-aviso e até recusaram qualquer negociação, neste ano. Só a acumulação das notícias sobre as mortes as levou a chamar os técnicos e a prometer negociar aumentos. Ou seja, a greve só foi suspensa após a assinatura de um protocolo negocial entre o governo e o sindicato do setor.
Na anunciada greve do serviço pré-hospitalar, que seria de evitar, porque estão em causa vidas humanas, o INEM e a tutela não definiram serviços mínimos; a secretária de Estado relativizou as queixas e disse que o governo não estava à espera do impacto das greves; a ministra disse que “não estava à espera” que houvesse uma greve (o que, depois desmentiu); e o PM declarou que o governo não pode “andar atrás de pré-avisos de greve e afazer reuniões de emergência”. Porém, o governo é o órgão de soberania que está para reuniões de emergência, sempre que necessário. 
***
Neste caso, sete meses mostram a falta de empatia, de preparação e de responsabilidade (ausência de qualquer consequência política), acompanhada da incoerência do PSD, que atirou ao governo de António Costa, no dia em que Marta Temido se demitiu do governo, que “foi preciso morrer uma mãe”, que não teve acesso às urgências do maior hospital do país, para a ministra se demitir.
Ninguém pediu uma remodelação do governo. Porém, como o SNS é, para os Portugueses, o problema mais grave que o governo tem de resolver e como vem aí um inverno difícil, com uma negociação dura com os médicos, é politicamente difícil manter Ana Paula Martins cargo. E, como escreveu Cavaco Silva, no livro Arte de Governar”, em que o PSD viu uma lição para António Costa, remodelar o governo “é uma das missões mais difíceis ou delicadas de um primeiro-ministro”. Porém, acrescentava que “esse não é o caso, quando se trata de mudar um só membro do governo”: “Afastar um ministro, em resultado de uma avaliação menos positiva do exercício das suas funções, tendo sempre impacto mediático e provocando algum incómodo ao primeiro-ministro, não é, normalmente, uma tarefa muito difícil e complexa”, frisou Cavaco Silva.
Entendo que a ministra espere pelo resultado (se for breve) dos inquéritos no INEM, mas colocar o INEM sob a sua dependência direta resolve ainda menos do que a sua demissão, necessária.

2024.11.13 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário