terça-feira, 12 de novembro de 2024

Vítimas de Pompeia que morreram abraçadas não eram mãe e filho

 

A revista National Geographic publicou, a 6 de março de 2024, um artigo de Parissa Djangi sob o título “Pompeia: O que aconteceu aos sobreviventes da erupção do Vesúvio?”, sustentando que a violenta erupção vulcânica do Monte Vesúvio “é, possivelmente, a mais famosa da História”, pois, o vulcão “enterrou a cidade de Pompeia [a 241 quilómetros de Roma], sob uma avalanche de detritos vulcânicos, no ano 79 d.C.”. E, embora a data seja discutida pelos historiadores, ela vem sendo identificada como 24 de agosto.

Os últimos gritos de angústia das vítimas ficaram preservados, primeiro, em cinzas e, depois, nos moldes de gesso criados, no século XIX, pelo arqueólogo Giuseppe Fiorelli. Porém, apesar de se recordar Pompeia como “uma cidade congelada no tempo”, nem todos os seus habitantes morreram no desastre. De facto, há estudiosos que descobriram provas de sobreviventes escapados de Pompeia, tendo reconstruído as suas vidas em comunidades vizinhas.

Os académicos contemporâneos ainda seguem os rastos dos sobreviventes que os conduzem por vilas e cidades da região da Campânia, em Itália.

Pompeia embora não fosse o centro do Mundo romano antigo, era importante centro na Campânia, região que faz fronteira com a Baía de Nápoles. A população era de entre 6430 e 30 mil pessoas. E a cidade atraía as elites, que compravam propriedades nos arredores.

Os terramotos faziam parte da vida na região. Assim, em 79 d.C., Pompeia a recuperava de um forte terramoto que abalara a cidade 17 anos antes, destruindo ou danificando muitos edifícios. Por isso, quando o chão tremeu numa série de terramotos, em agosto, a maioria das pessoas não entrou em pânico. Porém, a 24 de agosto, tornou-se claro que o Vesúvio estava em ebulição.

Plínio, o Jovem – cujos escritos são vistos como janelas para a vida no Mundo romano antigo, pois são importante fonte, para os historiadores que querem saber o que ocorreu em Pompeia – tinha cerca de 18 anos, quando o desastre aconteceu. Estava com a mãe na villa do tio, em Misenum, cidade do outro lado da baía, em frente a Pompeia e a cerca de 30 quilómetros a Oeste do Monte Vesúvio. Quando a erupção começou, a 24 de agosto, Plínio terá visto uma nuvem de gás e de detritos a sair do Vesúvio. E comparou a curiosa pluma com “um pinheiro”.

Os habitantes de Pompeia, a dez quilómetros do vulcão, teriam visto “a mesma nuvem estranha e inquietante”. E, mesmo que tivessem menosprezado os tremores dos dias anteriores, não havia como ignorar a pluma. Assim, “os que fugiram, imediatamente, de Pompeia, nesta altura, ainda tiveram hipóteses de sobreviver”, mas “os que hesitaram ou ficaram para trás não”.

Foram encontrados os restos mortais de várias pessoas, sob uma parede desmoronada, bem preservados, pois estavam envoltos por uma camada de cinza petrificada. De acordo com o jornal britânico The Guardian, as fraturas ósseas revelam que uma das vítimas sofreu diversos ferimentos, quando desmoronou o prédio onde buscou abrigo. Os investigadores encontraram vários esqueletos (dois eram, provavelmente, de dois homens, com a idade de 50 anos), durante as escavações na insula dei Casti Amanti, área arqueológica composta de casas e de uma padaria. A descoberta foi anunciada nas redes sociais do Parque Arqueológico de Pompeia, a 16 de maio.   

Começou a chover, na tarde da tragédia, pedra-pomes em Pompeia. Ficaram destruídos edifícios e ficaram feridos “todos os que tentaram uma fuga de última hora”. Depois, no início da manhã seguinte, “cinzas, gases tóxicos e detritos enterraram Pompeia”.

Plínio, que foi, com a mãe, das pessoas da Baía de Nápoles que fugiram, relatou que o caos imperava, enquanto a escuridão e as cinzas caíam sobre os sobreviventes. E, no dizer de Parissa Djangi, “podiam-se ouvir guinchos de mulheres, berros de crianças e gritos de homens a chamar pelos seus filhos, pais, maridos, tentando reconhecer-se uns aos outros pelas vozes que respondiam”. A experiência terá sido semelhante à das pessoas que fugiram de Pompeia.

Quando o vulcão se acalmou, Plínio e a mãe regressaram a Misenum. Tiveram sorte. Para os sobreviventes de Pompeia, não havia uma casa para onde voltar. O Monte Vesúvio dizimou Pompeia – incluindo a zona central – com cinzas, com gases tóxicos e com detritos. 

Estima-se que tenham morrido mais de duas mil pessoas (20% do total da população, que alguns calculam em 13 mil habitantes), em Pompeia, durante a erupção. Quer dizer que poderão ter sobrevivido muitos mais milhares. Os destinos  dos sobreviventes de Pompeia incluem vilas e cidades na Campânia, onde amigos e familiares possam tê-los acolhido.

Neapolis, a atual Nápoles, terá sido um deles. Diz a investigadora que “podemos encontrar prova disso no altar de um antigo memorial, na atual Roménia, que homenageia soldados mortos e inclui um oficial, cujo nome foi apagado pelo tempo, mencionando que viveu em Pompeia e em Neapolis, o que sugere que poderá ter-se mudado para essa cidade, após o desastre”.

Os historiadores ainda estão a tentar descobrir provas de que os sobreviventes ao desastre se instalaram em vilas vizinhas e reconstruíram as suas vidas.

Nos últimos anos, o classicista Steven L. Tuck descobriu que, pelo menos, cinco famílias de Pompeia se mudaram para Neapolis, após a erupção. Reconstituiu, meticulosamente, a migração dos prováveis sobreviventes, através dos seus nomes de família, que eram exclusivos de Pompeia. Localizou os nomes em inscrições tumulares em diferentes localidades da Campânia, depois 79 d.C. E outras comunidades que se tornaram lares para os sobreviventes de Pompeia incluem Cumae Puteoli.

O professor Steven L. Tuck também encontrou provas de casamentos entre famílias oriundas de Pompeia, após a erupção. Por exemplo, as famílias Licinii e Lucretii parecem ter-se unido em matrimónio, em Cumae, o que sugere que podiam pertencer a uma comunidade pompeiana local.

O governo romano também parece ter intervindo para ajudar os sobreviventes de Pompeia. Tito, imperador entre 79 e 81 d.C. agiu, logo que chegou a Roma a notícia da erupção do Vesúvio. Segundo Suetónio, mostrou “a preocupação de um imperador” e “o amor profundo de um pai”, enviando “mensagens de solidariedade” e “todo o apoio financeiro que podia”. Steven L. Tuck sustenta que o imperador financiou projetos de construção para acomodar o influxo de sobreviventes de Pompeia na Campânia, que incluíram a construção de templos dedicados aos deuses preferidos de muitos dos residentes de Pompeia, como Vulcano e Ísis.

O fogo do Vesúvio pode ter posto fim à vida que eles conheciam, mas os sobreviventes de Pompeia encontraram formas de se reerguerem após o desastre.

***

Entretanto, os investigadores, numa pesquisa, publicada a 7 de novembro, na revista Current Biology, divulgaram análises sobre o sexo, a ascendência e os laços familiares de cinco indivíduos. São as primeiras análises de ADN de vítimas de Pompeia e revelam identidades surpreendentes. Efetivamente, erros sobre o sexo, sobre os relacionamentos e sobre a origem dos cadáveres mostram quanto os conhecimentos sobre a cidade estão contaminados por valores e por expectativas dos arqueólogos.

O estudo em referência, como indica Theo Farrant, em artigo publicado pela Euronews, a 12 de novembro, “baseia-se na investigação de 2022, quando os cientistas sequenciaram o genoma de uma vítima de Pompeia, pela primeira vez, e confirmaram a possibilidade de recuperar ADN antigo dos escassos restos humanos que ainda existem”.

A este respeito, explica Mittnik, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, e coautora do estudo (citada por Theo Farrant): “Os nossos resultados científicos com base no ADN dão uma visão adicional à análise arqueológica e antropológica anterior e fazem-nos repensar quem eram, realmente, estas pessoas, como se relacionavam umas com as outras e como se comportavam nos últimos momentos da sua vida.”

A equipa de investigadores, que inclui cientistas da Universidade de Harvard e da Universidade de Florença, em Itália, baseou-se em material genético preservado durante quase dois mil anos. Assim, concentrou-se em 14 moldes que estavam a ser restaurados, extraindo ADN dos restos de esqueletos fragmentados que se misturavam com eles. Com eles, os investigadores esperavam determinar o sexo, a ascendência e as relações genéticas entre as vítimas.

A narrativa contada nas últimas décadas incidia sobre “um momento dramático que ficou para sempre congelado no tempo: uma família de quatro pessoas abrigava-se debaixo de uma escada, enquanto uma chuva de cinzas e de pedregulhos vulcânicos incandescentes caía sobre a cidade de Pompeia”, escreveu Bela Lobato, na revista Superinteressante, a 10 de novembro, verificando: “Quase dois mil anos depois, o primeiro estudo do ADN dessas vítimas revela que a interpretação de algumas cenas famosas de Pompeia está longe da realidade.” 

Por exemplo, nessa “família”, foi analisado o ADN completo de três dos quatro integrantes, tendo sido insuficiente o material genético da quarta pessoa. Os três eram do sexo masculino, inclusive a suposta mãe. “E eles não têm laços de parentesco.”

É a primeira vez que pesquisadores conseguem recuperar o ADN antigo de vítimas de Pompeia.

Bela Lobato recapitula: Em 79 d.C., a cidade foi atingida por um terramoto e pela erupção violenta do vulcão. “Os dois fenómenos provocaram chuvas de rochas e inundaram a cidade com cinzas vulcânicas. Além de matar instantaneamente cerca de 20% dos 13 mil habitantes, esse material todo formou uma crosta ao redor das pessoas”, pormenoriza.

Por dentro da superfície, os corpos decompuseram-se, e as estruturas ficaram parcialmente ocas. Em 1863, o arqueólogo Giuseppe Fiorelli desenvolveu uma tecnologia para preencher essas cascas com gesso, como se fossem moldes. Além de permitirem observar detalhes da anatomia e do posicionamento das pessoas, os moldes de gesso encapsularam alguns restos mortais mais resistentes, como ossos. Foram esses ossos, recuperados de dentro de moldes antigos, que permitiram a análise do ADN antigo. E os resultados revelam que algumas das narrativas sobre essas pessoas não estão corretas ou não são tão simples como se acreditava. Com efeito, levavam em conta, principalmente, a aparência externa e uma interpretação fora do contexto. 

Há também a cena de uma pessoa adulta com uma criança no colo. Por causa da bracelete do adulto, um item que marcaria a feminilidade, a interpretação comum é a de que seria uma mulher a segurar um filho ou filha. Todavia, o ADN revelou que o adulto de bracelete era do sexo masculino e não tinha relação de parentesco com a criança.

Em outro achado, duas pessoas foram encontradas deitadas em posição que era interpretada como um abraço. As duas foram julgadas mulheres, sendo mãe e filha, irmãs ou amantes. Porém, a análise genética revelou que uma das pessoas era do sexo masculino – excluindo, pelo menos, duas das interpretações comuns. 

O estudo vincou, ainda, a diversidade étnica dos habitantes de Pompeia, com fortes traços genéticos de imigrantes do Leste do Mediterrâneo e do Norte da África, o que reforça “a mobilidade geográfica e a natureza multicultural do Império Romano no começo da Era Comum”.

Os investigadores consideram que o estudo ilustra como as narrativas, baseadas em evidências limitadas e não necessariamente confiáveis, refletem a visão dos pesquisadores. E consideram que, no passado, “a necessidade de criar histórias sobre as pessoas pode ter levado à manipulação de poses e posicionamentos para corroborar uma versão”.

“Essas descobertas desafiam interpretações de longa data, como a associação de joias à feminilidade ou a interpretação da proximidade física como um indicador de relações biológicas”, escreveram os pesquisadores, frisando: “Em vez de estabelecerem novas narrativas que também podem deturpar as experiências vividas por essas pessoas, esses resultados incentivam a reflexão sobre as conceções e a construção de género e família em sociedades passadas, bem como no discurso académico.”

Por fim, é de relevar o que referiu, em comunicado, Alissa Mittnik: “As descobertas demonstram a importância da integração da análise genética com informações arqueológicas e históricas para enriquecer ou corrigir narrativas construídas com base em evidências limitadas.”

***

A investigação acurada leva a desfazer mitos, a corrigir erros e a aprimorar a certeza da verdade, subvertendo a prosápia de quem ostenta certezas inquestionáveis.

2024.11.12 – Louro de Carvalho

O Dia de São Martinho com castanhas (“quentinhas e boas”) e vinho

 

A 11 de novembro, celebrou-se o Dia de São Martinho, tradição que remonta à História do santo e a rituais populares que perpassam as gerações. Conhecido pelo bom tempo que acompanha a data, o verão de São Martinho faz-se com castanhas assadas (“quentinhas e boas”), acompanhadas de água-pé, de jeropiga ou de vinho novo e com festividades que ocorrem de Norte a Sul do país, pontificando o magusto.

São Martinho, nascido, em 316, em Panónia, na região que, hoje, corresponde à Hungria, viveu parte da vida como soldado do Império Romano, mas foi em Tours, na França, onde faleceu, a 11 de novembro, que a sua devoção se espalhou. Segundo a lenda, numa noite de outono, Martinho encontrou um mendigo a sofrer com o frio e, sem ter como ajudá-lo, rasgou o seu manto ao meio, oferecendo-lhe uma parte. Em resposta ao seu gesto, a tempestade cessou e o Sol reapareceu, aquecendo a região. Este evento lendário originou o “verão de São Martinho”, expressão usada para descrever o calor atípico que ocorre nesta altura do ano.

Após o episódio, Martinho abandonou a vida militar e tornou-se monge, dedicando-se à causa cristã e ao auxílio dos mais pobres. Foi nomeado bispo de Tours, onde se tornou um dos santos populares da Idade Média, atraindo peregrinos de toda a Europa até à basílica construída sobre o seu túmulo, que é local de peregrinação.

Em Portugal, o São Martinho é celebrado com menu próprio, onde ganham protagonismo a castanha e o vinho novo. É dia de convívio marcado por magustos em várias regiões, onde as pessoas se reúnem para comer castanhas assadas, beber água-pé ou jeropiga e provar o vinho da última colheita. Penafiel celebra o São Martinho com uma das romarias mais antigas do país. Documentos de 1049 já referem a feira centenária, inicialmente realizada na paróquia de São Martinho de Muazes. No século XVI, a feira migrou para o núcleo urbano da atual Penafiel, uma paragem importante para viajantes em rota para o Porto. A romaria mantém a essência de ponto de encontro de produtos agrícolas e de vestuário de inverno, destacando-se as samarras de Penafiel e o vinho verde novo. O historiador Coelho Ferreira recorda que esta feira sempre teve caráter religioso e comercial, evoluindo, ao longo dos séculos, para uma das maiores festividades do calendário nacional. E o “São Martinho pequenino”, celebrado em abril, é também tradição única desta cidade, que reforça o vínculo da população local com o santo.

Em várias cidades e vilas, as celebrações de São Martinho vão além dos magustos e das festas. Em São Martinho de Anta, terra do escritor Miguel Torga, o dia é comemorado com castanhas, vinho, carne assada e sardinhas, em ambiente de festa e de devoção. Em muitas localidades, o São Martinho marca o início de um período de reflexão e de celebração comunitária, onde se recorda o exemplo do santo e o seu legado de generosidade.

Com o sol a brilhar em grande parte do país, o “verão de São Martinho” reafirmou-se como tradição viva e como ocasião de convívio, de partilha e de festa.

***

Segundo o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), da Direcção-Geral da Saúde (DGS), a castanha é constituída, maioritariamente, por hidratos de carbono, destacando-se apreciáveis quantidades de amiloses e de amilopectinas. Estes polissacarídeos

permitem o desenvolvimento da flora intestinal e a produção de ácidos gordos de cadeia curta. Além disso, as substâncias indigeríveis (fibras) estimulam a presença de bactérias probióticas (Bifidobacterium e Lactobacillus) benéficas no intestino, contribuindo para a regulação dos níveis de colesterol e da resposta de insulina. Comparada com frutos secos, a castanha apresenta menor teor calórico, já que é pobre em gordura (e a gordura que contém é essencialmente polinsaturada) e não contém colesterol.

Porém, o seu interesse não se fica nestes aspetos funcionais. É fonte de nutrientes, nomeadamente, proteína, fibra (excelente aliada na regulação dos níveis de colesterol e do trânsito intestinal), vitaminas, minerais e compostos químicos protetores das células. Das vitaminas presentes na castanha, é de realçar a vitamina C, a vitamina B6, a vitamina B1 e o ácido fólico (vitamina B9). Quanto a minerais, a castanha fornece cálcio, ferro, magnésio, potássio (mais do que a banana), fósforo, zinco, cobre, manganésio e selénio. E possui diferentes fitoquímicos, como a luteína e a zeaxantina, e diversos compostos fenólicos (importantes antioxidantes e protetores celulares).

Dez castanhas assadas (84 gramas) fornecem só dois gramas de gordura, mas fornecem 17% da quantidade de fibra necessária, diariamente, estão isentas de glúten, podendo substituir os cereais com glúten, fornecendo energia de qualidade para os doentes celíacos, por exemplo, e fornecem 36% das quantidades necessárias de vitamina C, 21% de vitamina B6 e 15% de ácido fólico.

A castanha representa bem a ligação do homem com a tecnologia, pois, para que os nutrientes da castanha ficassem mais acessíveis, com melhor sabor e digestibilidade, sempre foi necessário aquecê-la, cozendo-a ou assando-a. É, pois, um alimento muito versátil, em termos de confeção, podendo comer-se cozida, com erva-doce, assada, como acompanhamento de pratos, substituindo o arroz, a massa ou a batata, na base de sopas ou na confeção de apetitosas sobremesas e de bolos.

Em termos de morfologia, a castanha compõe o aquénio (geralmente, são necessárias três) do ouriço; é o fruto capsular espinescente do castanheiro-da-europa (Castanea sativa).

O aquénio é um tipo de fruto seco, monospérmico e indeiscente, em que a semente se une à parede do pericarpo por um só ponto.

Os castanheiros (árvores de que provém a castanha) são espécies do género castanea, que possui, pelo menos, 12 espécies. São árvores da família das fagaceae, decíduas e que podem atingir 30 metros de altura. As suas folhas são lanceoladas e com a borda serrilhada.

Presume-se que o castanheiro seja oriundo da Ásia Menor, dos Balcãs e do Cáucaso, acompanhando a História da Civilização ocidental, há mais de 100 mil anos. A par com o pistácio, a castanha constituiu importante contributo calórico para o homem pré-histórico, que também a usava na alimentação de animais. Os Gregos e os Romanos metiam castanhas em ânforas cheias de mel silvestre. Este conservava o alimento e impregnava-o com o seu sabor. Os Romanos incluíam a castanha nos banquetes. Durante a Idade Média, nos mosteiros e nas abadias, monges e monjas, frades e freiras utilizavam as castanhas nas suas receitas gastronómicas. Nessa altura, a castanha, era moída, tornando-se um dos principais farináceos da Europa. Com o Renascimento, a gastronomia assumiu novo requinte, com novas fórmulas e confeções. Surge o marron glacé, passando da França para a Espanha; e, daí, com as Invasões Francesas, chega a Portugal.

A nossa castanha é, de facto, uma semente que surge no interior do ouriço (o fruto do castanheiro). Todavia, embora seja fruto seco, tal como a noz, tem muito menos gordura e muito mais amido (um hidrato de carbono), o que lhe dá outras possibilidades de uso na alimentação. A castanha tem cerca do dobro da percentagem de amido da batata. É também rica, como se disse, e vitamina C e nas do grupo B e uma boa fonte de potássio. Considerada, atualmente, quase como uma guloseima de época, a castanha, em tempo idos, constituiu um nutritivo complemento alimentar, substituindo o pão, na sua ausência, quando os rigores e a escassez do inverno se instalavam. Cozida, assada ou transformada em farinha, a castanha sempre foi um alimento muito popular, cujo aproveitamento remonta à Pré-História.

As castanhas são sementes de frutos que, ao serem colhidas, contêm 50% da sua massa em água. Nutricionalmente, são pobres em gordura (cerca de 1%) e relativamente pobres em aminoácidos (entre 4% a 7%), menos pobres em fibras (entre 4% a 10%). Todavia, são ricas em açúcares simples (entre 20% a 30%) e em amidos (entre 50% a 60%). Verifica-se um total de 250 calorias para cada 100 gramas de castanhas desidratadas.

Os castanheiros requerem cultivo em solos de boa drenagem, de textura média e com boa composição de matéria orgânica, A respeito dos iões hidrónios, o PH (cologaritmo da atividade de iões de hidrónio), ótimo para os castanheiros, estará entre 5,4 e 5,9 (nunca acima de 6,5).

No Brasil, as espécies agrícolas presentes são a castanea sativa e a castanea crenata. São muitas as variedades de ambas e a tendência, a longo prazo, é o predomínio das variedades mistas; em Portugal, as principais variedades são: a longal, a martainha, a judia, a bária e a colarinha. Há ainda: a aveleira, a verdeal, a rebordã, a cota, a lada, a bária, a negral, a amarelal, a lamela, a zeive, a redonda, a clarinha ou enxerta, a preta e a carreró.

Os castanheiros requerem iluminação direta do Sol para estimular o ciclo reprodutivo. Um souto ensolarado de castanheiros direcionado para a produção de castanha requererá o manejo de podas, pois as partes do indivíduo que são mais iluminadas terão mais atração à seiva da planta e a circulação de seiva é mais eficiente e rápida em ramos retos. Para a produção e colheita, interessa que os ramos ortotrópicos sejam reduzidos, por via de poda, e que a planta direcione o seu xilema em direção a novos ramos plagiotrópicos para o estímulo ao crescimento horizontal do copado da árvore, que terá a sua forma ótima com um tronco de um metro ou 1,5 metros de altura e com o copado em formato de taça. Além deste cuidado com a arquitetura aérea dos castanheiros, torna-se necessária a desbrota dos ramos e de brotos que surgem na base do castanheiro. Quando os castanheiros estão bem nutridos e saudáveis, quanto aos patógenos que podem acometê-los, estando eles com disponibilidade de água e com temperatura sazonal ideal de ecossistemas temperados ou subtropicais, e se o souto contar com o adensamento de indivíduos ótimo para a produtividade, poder-se-ão gerar obter 7,5 toneladas de castanhas por hectare.

Na produção de castanha, em Portugal, destaca-se uma lista de produtos com denominação de origem protegida (DOP), que era composta, em 2012, por quatro referências: Zona de Produção da Castanha da Padrela; Zona de Produção da Castanha da Terra Fria; Zona de Produção da Castanha do Marvão-Portalegre; e Zona de Produção da Castanha dos Soutos da Lapa.

A Padrela, situada entre Carrazedo de Montenegro, Vila Pouca de Aguiar e Chaves, tem a maior mancha contínua de soutos da Europa, produzindo mais de 12 mil toneladas de castanhas por ano (variedades: a judia, a lada, a negral, a cota e a preta).

A Terra Fria é o território situado no Nordeste Transmontano composto pelos concelhos raianos de Vinhais, de Bragança, de Vimioso, de Miranda do Douro e de Mogadouro. O concelho de Vinhais é o maior produtor nacional de castanha (sobretudo, a judia), com a produção média anual de oito mil toneladas, que movimentam cerca de 25 milhões de euros.

A área geográfica de produção da Castanha Marvão-Portalegre está circunscrita aos concelhos de Marvão, de Castelo de Vide e de Portalegre (variedades: bária, clarinha e bravo).

A castanha da Zona de Produção da Castanha dos “Soutos da Lapa – DOP/Denominação de Origem Protegida” é obtida a partir dos castanheiros “castanea sativa mill” da região Douro Sul e parte da Beira Interior, compreendendo freguesias dos concelhos de Armamar, de Tarouca, de Tabuaço, de São João da Pesqueira, de Moimenta da Beira, de Sernancelhe, de Penedono, de Lamego, de Aguiar da Beira e de Trancoso. Atualmente, produzem-se cerca de 5800 toneladas/ano, o que corresponde a 35% da produção de castanha em Portugal. Nesta DOP, pugnam as variedades de martainha (cor castanho-clara) e a longal (cor castanha-avermelhada e estrias longitudinais escuras).

A produção mundial de castanha estima-se em 1,1 milhões de toneladas, distribuídas por uma superfície que não atinge os 340 mil hectares. A China é o maior produtor do Mundo, com um volume anual de cerca de 800 mil toneladas, o que representa cerca 70% da produção mundial. A Europa é responsável por 12% da produção mundial, destacando-se a Itália e Portugal com representatividade na produção mundial de 4% e 3%, respetivamente.

***

Fruto do outono, a castanha pode e deve, segundo alguns nutricionistas, fazer parte da alimentação equilibrada, durante o ano. Por ter pouco sódio e elevado teor de potássio, contribui para o controlo da tensão arterial e ajuda a diminuir a retenção de líquidos. Em excesso, pode aumentar o selénio ou causar alterações gastrointestinais, como flatulência, distensão abdominal, desconforto e obstipação. Porém, consumida com moderação, torna-se um alimento atrativo, do ponto de vista do controlo do apetite, pela promoção da sensação de saciedade.

2024.11.11 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

É preciso adaptar os estilos de vida por causa das mudanças climáticas

 

De acordo com a Sétima Pesquisa Climática anual encomendada pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e divulgada a 11 de novembro, quase três quartos das pessoas entrevistadas, na União Europeia (UE), reconhecem a necessidade de adaptar o seu estilo de vida, devido aos efeitos das mudanças climáticas. Entre os desafios enfrentados pelos seus países, sobressaem as mudanças climáticas em segundo lugar, apenas atrás do custo de vida. E muitos pensam que investir na adaptação impulsionará a economia e evitará custos mais altos, no futuro.

O inquérito apresenta as opiniões de mais de 24 mil entrevistados de toda a UE e dos Estados Unidos da América (EUA) sobre o tópico das mudanças climáticas. Na UE, 23138 pessoas participaram na pesquisa, que foi realizada em agosto de 2024.

As principais conclusões da pesquisa são: 94% dos entrevistados da UE dizem que é importante que o seu país se adapte às mudanças climáticas, enquanto 50% dizem que isso tem de ser priorizado; 86% acreditam que investir em adaptação pode criar empregos e impulsionar as economias locais; e 85% concordam que é preciso investir, urgentemente, na adaptação climática, para evitar custos ainda mais elevados, no futuro.

À medida que os desastres naturais aumentam, em frequência e em gravidade, o custo económico das alterações climáticas aumenta. Os cientistas avisam que estes desastres se tornarão cada vez mais dispendiosos. De acordo com um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA), a Europa, é atualmente, o continente com o aquecimento mais rápido, prevendo-se que o número de eventos meteorológicos extremos aumente, à medida que as temperaturas globais sobem. Um maior número de eventos meteorológicos extremos representa significativa ameaça para as infraestruturas e para a estabilidade dos abastecimentos globais de água e alimentos, emergindo a necessidade urgente de estratégias abrangentes de adaptação às alterações climáticas.

“Neste ano, vimos o impacto trágico de eventos climáticos extremos na Europa Central e, mais recentemente, no meu próprio país, a Espanha, onde muitos perderam as suas vidas e milhares ficaram desabrigados. Do Paquistão ao Caribe e à Carolina do Norte, o impacto das mudanças climáticas está a ser sentido em todo o Mundo. A pesquisa divulgada hoje [11 de novembro] confirma que as pessoas sabem que devemos agir, agora, para nos adaptarmos e para mitigarmos os efeitos das mudanças climáticas. Uma transição ordenada também faz mais sentido económico. Cada euro investido em prevenção e resiliência economiza entre cinco e sete euros em reparos de danos”, considera Nadia Calviño, presidente do BEI.

Para os Europeus, a mudança climática é o segundo maior desafio enfrentado pelos seus países, depois do aumento do custo de vida, pelo que 94% deles reconhecem a necessidade de adaptação às mudanças climáticas. Metade dos entrevistados (50%) considera a adaptação climática uma das prioridade para o seu país, nos próximos anos. As pessoas que vivem nos países do Sul da Europa estão, geralmente, mais preocupadas, considerando 65% a adaptação como uma das prioridades (15 pontos acima da média da UE: de 50%).

A adaptação às alterações climáticas também é vista como uma oportunidade económica e um investimento a longo prazo: 86% dos Europeus dizem que investir na adaptação às mudanças climáticas pode criar empregos e impulsionar a economia local; e 85% acreditam que a adaptação às mudanças climáticas exige investimento, agora, para evitar custos mais altos, no futuro.

Os Europeus reconhecem as oportunidades económicas das medidas de adaptação às mudanças climáticas, enquanto as experiências, em primeira mão, de eventos climáticos extremos aumentam a sensação de que uma ação urgente é necessária: 80% dos entrevistados da UE (89% nos países do Sul da Europa) vivenciaram, pelo menos, um evento climático extremo, nos últimos cinco anos; 55% sofreram com calor extremo e com ondas de calor (o número sobe para 73%, na Espanha, e 71%, na Roménia); 35% vivenciaram secas (62%, na Roménia, e 49%, na Espanha); e 34% vivenciaram fortes tempestades ou granizo (62%, na Eslovénia, e 49%, na Croácia).

Os eventos climáticos extremos têm consequências graves e abrangentes: 68% dos entrevistados europeus relataram ter sofrido, pelo menos, uma consequência direta de um evento climático extremo; 21% foram afetados por interrupções no transporte; 20% por cortes de energia ou por problemas de fornecimento de energia; 20% por problemas de saúde; e 19% viram florestas ou espaços naturais perto de suas casas destruídos.

Os Europeus estão bem conscientes da necessidade de adaptação: 72% dos entrevistados da UE (81% nos países do Sul da Europa) reconhecem que terão de adaptar o seu estilo de vida, devido às mudanças climáticas; 35% acham que terão de se mudar para um lugar menos vulnerável ao clima (localmente ou no exterior), para evitar inundações, incêndios florestais ou outros eventos climáticos extremos; e 28% dizem ter de se mudar para uma região ou país mais frio.

Para se conseguirem adaptar às mudanças climáticas, os indivíduos precisam das informações certas. Encorajadoramente, 71% dos Europeus sentem-se informados sobre o que podem fazer para adaptar as casas e os estilos de vida, de forma eficaz. Contudo, a maioria (60%) desconhece subsídios públicos ou incentivos financeiros para apoiar seus esforços.

Os entrevistados da UE identificam as seguintes prioridades principais para a adaptação climática local: 42% destacam o resfriamento das cidades; 39% citam melhorias na infraestrutura, por exemplo, instalação de melhores sistemas de drenagem, barreiras contra enchentes, abrigos contra tempestades ou redes elétricas mais resilientes; 38% observam a necessidade de educar o público sobre quais comportamentos a adotar, para prevenir ou para responder a problemas causados ​​por eventos climáticos extremos.

Quando perguntados sobre quem deveria pagar as adaptações às mudanças climáticas: 35% (mais de um terço) acreditam que os custos devem ser suportados pelas empresas e indústrias que mais contribuem para as alterações climáticas; 32% (quase outro terço) acha que todos devem pagar igualmente; e 15% dizem que os indivíduos mais ricos devem arcar com os custos por meio de impostos mais altos.

Quando perguntados sobre quem deveria receber apoio, primeiro: 38% acreditam que todos se devem beneficiar igualmente; 28% acham que os idosos devem ser priorizados; e 23% dizem que as pessoas que vivem em áreas de alto risco devem ser as primeiras a receber apoio.

As preocupações sobre quem deve beneficiar da ajuda à adaptação vão além das prioridades locais. A maioria (57%) dos entrevistados da UE reconhece a necessidade de apoiar os esforços globais de adaptação e acredita que o seu país deve fazer mais, para ajudar as nações em desenvolvimento mais vulneráveis ​​a adaptarem-se ao crescente impacto das mudanças climáticas.

***

A Sétima Pesquisa Climática anual do BEI contou com a participação de 1009 pessoas em Portugal, sendo que dois terços consideram que a adaptação às alterações climáticas é uma prioridade nacional e mais de três quartos reconhecem a necessidade de mudar e adaptar o seu estilo de vida, aos efeitos das alterações climáticas. E, embora os inquiridos tenham classificado as alterações climáticas como a quinta prioridade que o seu país tem pela frente, a grande maioria acredita que investir na adaptação, agora, evitará custos mais elevados, no futuro.

As principais conclusões são, no atinente a Portugal: 99 % dos Portugueses afirmam que é importante que o seu país se adapte às alterações climáticas e, destes, 66 % dizem que é necessário dar prioridade a esta questão; e 95 % concordam que é necessário investir, de imediato, nessa adaptação, para evitar custos ainda mais elevados no futuro.

Os Portugueses colocam as alterações climáticas entre os cinco maiores desafios que o país enfrenta, a par da instabilidade política e a seguir ao aumento do custo de vida, ao acesso aos cuidados de saúde, à migração em grande escala e ao desemprego. E, embora não as considerem o maior desafio quando lhes é dada a possibilidade de as classificarem, a grande maioria reconhece a necessidade de adaptação às alterações climáticas e considera-a uma prioridade: 99 % dos inquiridos reconhecem a necessidade de adaptação às alterações climáticas (em comparação com a média da UE: de 94 %). Mais especificamente, dois terços (66 %, 16 pontos acima da média da UE: de 50 %) consideram que essa adaptação é uma prioridade, em Portugal, nos próximos anos, e 33 % consideram-na importante.

A adaptação às alterações climáticas é encarada como uma oportunidade económica e um investimento a longo prazo para o país: 95 % dos inquiridos afirmam que o investimento na adaptação às alterações climáticas pode ajudar a criar emprego e a estimular a economia local (em comparação com 86 %, na UE); e 95 % consideram que tal adaptação exige investimentos, no presente, para evitar custos mais elevados, no futuro (em comparação com 85 %, na UE).

Embora os inquiridos reconheçam as oportunidades económicas das medidas de adaptação aos impactos das alterações climáticas, a sua experiência pessoal, relativamente a fenómenos meteorológicos extremos, aumenta o sentimento de que é urgente agir: 86 % dos Portugueses (6 pontos acima da média da UE) foram afetados por, pelo menos, um fenómeno meteorológico extremo nos últimos cinco anos.

Mais especificamente, 63 % (8 pontos acima da média da UE) foram atingidos por calor extremo e por ondas de calor; 48 % (27 pontos acima da média da UE) enfrentaram incêndios florestais; e 43 % (8 pontos acima da média da UE) foram afetados por secas.

As consequências dos fenómenos meteorológicos extremos são tangíveis e variadas: 71 % dos inquiridos mencionaram ter sofrido, pelo menos, uma consequência direta de fenómenos meteorológicos extremos; 28 % tiveram florestas ou espaços naturais destruídos perto das suas habitações (9 pontos acima da média da UE); 24 % sofreram problemas de saúde (como insolação ou problemas respiratórios); e 19 % enfrentaram perturbações dos transportes.

Neste contexto, os Portugueses estão cientes da necessidade de se adaptarem: 77 % dos inquiridos (em comparação com 72 % na UE) reconhecem que terão de mudar e de adaptar o seu estilo de vida, devido às alterações climáticas; 37 % pensam que terão de mudar-se para um local menos vulnerável ao clima, mesmo que seja a mesma região (para evitar inundações, incêndios florestais ou outros fenómenos meteorológicos extremos); e 30 % afirmam que terão de mudar-se para uma região ou para um país mais fresco.

A adaptação individual às alterações climáticas exige bom nível de informação. A maioria dos portugueses (77 %, 6 pontos acima da média da UE de 71 %) sente-se informada sobre as medidas que pode adotar para adaptar, eficazmente, os seus lares e estilos de vida. Todavia, a maior parte destes (53 %, em comparação com a média da UE: de 60 %) continua a desconhecer a existência de subvenções públicas ou de incentivos financeiros para apoiar esses esforços.

Os inquiridos identificaram as seguintes prioridades essenciais para a adaptação às alterações climáticas, a nível local: educação dos cidadãos, no sentido de adotarem comportamentos para prevenir e enfrentar fenómenos meteorológicos extremos (52 %, 14 pontos acima da média da UE: de 38 %); arrefecimento das cidades (38 %); e melhoria das infraestruturas (37 %).

Quanto a quem deve pagar a adaptação às alterações climáticas: quase metade dos inquiridos (49 %, 14 pontos acima da média da UE) considera que os custos devem ser suportados pelas empresas e indústrias que mais contribuem para as alterações climáticas; quase um terço (30 %) considera que todos devem pagar o mesmo; e 8 % afirmam que as pessoas mais ricas devem suportar os custos através de impostos mais elevados.

Sobre quem deve beneficiar, primeiro, da ajuda à adaptação: 38 % consideram que todos devem beneficiar de igual modo; 32 % pensam que deve ser dada prioridade aos idosos; e 25% afirmam que os primeiros beneficiários devem ser as pessoas que vivem em zonas de alto risco. A preocupação sobre quem deve beneficiar da ajuda à adaptação vai para além das prioridades locais. A maioria dos Portugueses (67 %, 10 pontos acima da média da UE) reconhece a necessidade de apoiar os esforços de adaptação a nível mundial e considera que o seu país deve fazer mais para ajudar os países em desenvolvimento mais vulneráveis a adaptarem-se aos impactos crescentes das alterações climáticas.

***

Todos os projetos financiados pelo Grupo BEI estão em consonância com o Acordo de Paris sobre o Clima, pelo que exclui investimentos em combustíveis fósseis. Diz estar no bom caminho para honrar o compromisso de apoiar um bilião de euros de investimentos no domínio do clima e da sustentabilidade ambiental, ao longo desta década, até 2030. Mais de metade do financiamento anual do Grupo BEI apoia projetos que contribuem, diretamente, para a atenuação das alterações climáticas, para a adaptação aos seus efeitos e para um ambiente mais saudável. E cerca de metade do financiamento concedido pelo BEI na UE destina-se a regiões de coesão, que apresentam um rendimento per capita mais baixo.

Em 2023, em Portugal, o investimento na ação climática e na sustentabilidade ambiental atingiu 746 milhões de euros. Entre outros projetos de referência, o Grupo BEI assinou várias operações de titularização com bancos comerciais, para apoio ao financiamento da eficiência energética, na reabilitação de edifícios, e à construção de edifícios menos poluentes.

Parece que a divulgação da Sétima Pesquisa Climática anual BEI, a 11 de setembro, terá sido feita para fazer furor à COP29, que se iniciou, no mesmo dia, em Baku, no Azerbaijão, com o alerta de que 2024 será ser o ano mais quente registado no Mundo, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

2024.11.11 – Louro de Carvalho

domingo, 10 de novembro de 2024

O verdadeiro culto, o culto do coração, o culto que agrada a Deus

 
Em vez da hipocrisia e da jactância, é preciso oferecer a Deus o culto do coração, o culto da sinceridade, mostrando-nos como somos, sem a camada de cera que pretende larvar os nossos erros e defeitos.   
Assim a liturgia do 32.º domingo do Tempo Comum no Ano B fala-nos do verdadeiro culto, do que agrada a Deus. Mais do que rituais litúrgicos solenes e majestosos, Deus espera a permanente atitude de entrega nas suas mãos, de disponibilidade para o seu desígnio, de escuta atenta das suas indicações, de generosidade, de partilha, de solidariedade para com os irmãos.
primeira leitura (1Rs 17,10-16) dá-nos o exemplo da viúva pobre de Sarepta que, apesar da pobreza e da necessidade, ouviu o apelo de Deus e repartiu os poucos alimentos que lhe restavam com o profeta. A história dessa mulher garante-nos que a generosidade, a partilha e a solidariedade não empobrecem, mas geram vida abundante.
Encontram-se, de forma intermitente, nos Livros dos Reis, tradições ligadas à vida e à ação do profeta Elias, figura fundamental do profetismo bíblico.
Elias (cujo nome significa “o meu Deus é o Senhor” – o que, por si só, constitui um programa de vida) atua no Reino do Norte (Israel) no século IX a.C., quando a fé javista é posta em causa pela preponderância dos deuses estrangeiros (especialmente Baal) na cultura religiosa de Israel. Os reis de Israel, apostados em promover o intercâmbio cultural e comercial com as nações da zona, facilitaram a entrada de outros deuses no país, o que não foi aceite pelos círculos religiosos de Israel. E Elias, dando voz aos “fiéis a Javé” que contestam a política religiosa dos reis de Israel, assume-se como o grande defensor da fidelidade a Javé.
Chegado a Sarepta, dirige-se, por ordem de Deus, a casa de uma viúva que residia na cidade, a pedir-lhe água, para beber, e um pedaço de pão, para comer. Porém, a viúva – que, vivendo de esmolas, estava desprovida de quaisquer meios de subsistência, devido ao tempo de seca extrema – só tinha em casa um punhado de farinha e um pouco de azeite. Preparava-se, quando Elias a abordou, para comer com o filho esses parcos alimentos, para depois se deitar e esperar a morte. Porém, o profeta não desiste. Pede-lhe que, antes de preparar a comida que tem em casa para ela e para o filho, lhe traga um pequeno pão, feito com a farinha que resta, e garante-lhe, em nome de Deus, que a farinha não se acabará, nem o azeite faltará, até que a chuva volte a cair sobre a terra. E, por ação de Deus, durante todo o tempo que Elias permaneceu em casa da viúva, nem a farinha se acabou na panela, nem o azeite faltou na almotolia.
É uma expressiva história, de cariz popular, que serviu aos autores deuteronomistas para comporem importantes ensinamentos catequéticos. Antes de mais, garante aos Israelitas, tentados pela adesão a Baal, que o trigo, o azeite e todos os outros alimentos que vêm da terra e que servem de alimento aos homens são dom de Javé, não de Baal. Javé, o Deus de Israel, é infinitamente mais poderoso do que Baal, pois o seu poder atua até em casa de Baal e nos súbditos de Baal (o deus mais popular entre as gentes da Fenícia, a região onde se situava Sarepta). E os catequistas de Israel pretendem chamar a atenção para a predileção de Deus pelos fracos, pelos pequenos, pelos pobres, pelos desprezados. No caso concreto, os beneficiários da ação de Deus são a viúva e o órfão, exemplos bíblicos dos débeis, dos desfavorecidos, dos sem vez e sem voz, dos que não têm quem os defenda e salve. Deus está ao lado desses, manifestando-lhes a sua misericórdia e o seu cuidado de Pai e oferecendo-lhes a sua salvação.
Depois, os catequistas de Israel procuram mostrar que a partilha não empobrece, nem prejudica. O pão e o azeite que a mulher partilha com o profeta multiplicam-se durante todo o tempo da carestia. Quando alguém é capaz de sair do egoísmo e se torna disponível para partilhar com os irmãos os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e sobram. A generosidade, a partilha e a solidariedade são sempre geradoras de vida e vida em abundância.
Finalmente, os catequistas de Israel garantem, com esta saga “de salvação” que beneficia uma mulher fenícia, que a graça de Deus é universal e se destina a todos os povos, sem distinção.
***
Evangelho (Mc 12,38-44) convida-nos a ver, pelos olhos de Jesus, duas formas diferentes de prestar culto a Deus. Os escribas são homens-modelo da religião solene e formal, mas vazia, hipócrita, teatral, fomentadora da exploração dos mais pobres, usada para fins egoístas de promoção pessoal. Ao invés, uma viúva, pobre e humilde, tem um coração generoso, confia plenamente em Deus e aceita viver num despojamento total de si própria, para dar tudo a Deus. E é ela que Jesus propõe aos discípulos, que estão com Ele no átrio do templo, como modelo do culto que devem prestar a Deus.
Jesus entrara em Jerusalém, havia três dias. No final de cada dia saía da cidade e ia até Betânia, aldeia situada no lado oriental do Monte das Oliveiras, onde passava a noite. Porém, todas as manhãs, descia o monte, acompanhado dos discípulos, passava pelo vale do Cedron, reentrava em Jerusalém e dirigia-se ao Templo. Aí, nos átrios do templo, ensinava, conversava, respondia a perguntas, discutia com todos os que vinham ao seu encontro.
Num primeiro momento, Jesus faz incidir a atenção dos discípulos sobre os numerosos escribas que circulavam pelo espaço do templo. Geralmente do partido dos fariseus, os escribas eram os especialistas da Lei (escrita e oral), estudavam e memorizavam as Escrituras e ensinavam aos seus discípulos as regras – “halakot” – que deviam dirigir cada passo da vida dos fiéis israelitas. Eram eles que julgavam, nos tribunais religiosos, os acusados de não cumprirem a Lei. O Povo estimava-os, admirava-os, adulava-os, tinha-os em alto conceito e respeitava o que eles diziam.
Todavia, Jesus tinha opinião diferente. O olhar de Jesus não se detinha nas aparências, mas chegava à verdade que existe no coração de cada pessoa. Criticava, antes de mais, o exibicionismo dos escribas, que gostavam de usar roupas que os distinguissem e que revelassem, aos olhos do povo, o seu alto estatuto religioso e social. Criavam à sua volta uma aura de importância, que só revelava vaidade. Jesus também não apreciava a apetência dos escribas pelos lugares de honra, em ambientes religiosos (como as sinagogas) ou em ambientes civis (como os banquetes, onde o lugar definia o estatuto do convidado). Para eles, era crucial verem reconhecida a sua categoria e a importância. Jesus criticava-os também, por se aproveitarem da boa-fé das pessoas para as explorarem. Indignava-se, especialmente, quando os escribas, aproveitando-se da sua posição proeminente e da confiança que inspiravam, enquanto intérpretes autorizados da Lei de Deus, exploravam os pobres e os que especialmente vulneráveis. Com efeito, extorquiam esmolas e outros donativos, faziam-se pagar bem pelos seus serviços, exploravam e roubavam as viúvas que lhes confiavam a administração dos seus bens. Finalmente, Jesus criticava-os por se exibirem em solenes práticas religiosas (faziam “longas orações”), que não resultavam de piedade sincera, mas que se destinavam a vender a imagem de proximidade com Deus, que, alegadamente, os ajudava a imporem-se às pessoas simples do Povo.
Os escribas corporizam uma religião hipócrita, mentirosa, interesseira, vazia de conteúdos, que não aproximava o homem de Deus, nem mudava os corações. Eram o rosto de religião que usava Deus e a santidade de Deus para satisfazer os interesses egoístas da classe que estava muito afastada de Deus. Deus não podia aprovar essa religião de fachada. Ao exortar os discípulos a que se acautelassem dos escribas, Jesus deixa claro que esse não é o comportamento que agrada a Deus, não é essa a religião que Deus espera dos seus filhos. Em absoluto contraste com o quadro dos escribas, Jesus aponta aos discípulos a figura da mulher que se aproxima de um dos 13 recipientes situados no átrio do Templo, onde se depositavam as ofertas para o tesouro do santuário. Não sabemos o nome a mulher, nem conhecemos o seu rosto; sabemos que era viúva e pobre. A mulher deposita duas simples moedas (dois “leptá”, diz o texto grego; o “leptá” era uma moeda de cobre, a mais pequena e insignificante das moedas judaicas). Contudo, aquela quantia insignificante era tudo o que a mulher possuía, que é discreta e não dá nas vistas. A sua oferta humilde passa despercebida a quase todos. Porém, Jesus – que lê os factos com os olhos de Deus e vê além das aparências – percebe, nas duas insignificantes moedas oferecidas, a marca do dom total, do completo despojamento, da entrega radical e sem medida.
Dantes, enquanto caminhava para Jerusalém, Jesus encontrara um homem rico interessado em alcançar a vida eterna e que cumpria todos os mandamentos, mas que não quis vender os seus bens, repartir o seu dinheiro com os pobres e tornar-se discípulo; agora, Jesus tem à sua frente a viúva pobre, sem meios de subsistência, que, sem ninguém lhe pedir nada, dá “tudo o que tem”. Não dá o que tem a mais, o supérfluo; dá aquilo de que necessita para viver. Fica sem nada. Com o seu dom, a mulher manifesta a generosidade, o desprendimento e a confiança em Deus. O dom total da viúva anuncia, de alguma forma, o dom total que Jesus se prepara para fazer da sua vida.
O gesto desta mulher tem a marca da religião autêntica.
O encontro com Deus, o culto que Deus quer passa por gestos simples e humildes, que talvez ninguém note, mas que são sinceros, verdadeiros, expressando a entrega generosa e o compromisso total. O verdadeiro crente não é o que cultiva gestos teatrais, que impressionam as multidões e que são aplaudidos pelos homens; é o que se despoja de tudo, prescinde dos seus interesses e projetos pessoais, para se entregar, completa e gratuitamente, nas mãos de Deus, com humildade, generosidade, total confiança, amor verdadeiro. É este o culto verdadeiro que se deve prestar a Deus.
Disse o Papa Francisco, antes da recitação do Angelus, com os peregrinos reunidos na Praça de São Pedro, em Roma, que este passo evangélico nos fala de Jesus, “que, no templo de Jerusalém, denuncia a atitude hipócrita de alguns escribas perante o povo”. A estes foi confiado papel importante na comunidade de Israel: “liam, transcreviam e interpretavam as Escrituras”, pelo que “eram tidos em alta estima e as pessoas lhes prestavam reverência”.
Porém, o seu comportamento não correspondia ao que ensinavam. Não eram consistentes. Alguns, graças ao prestígio e ao poder de que gozavam, desprezavam os outros – ora, é muito mau, desprezar o outro –, faziam pose e, escondendo-se atrás da fachada da respeitabilidade e do legalismo, “arrogavam-se para si mesmos privilégios e até chegaram ao ponto de cometer roubos, em detrimento dos mais fracos, como as viúvas”. E, “em vez de usarem o papel que lhes foi atribuído para servir os outros, transformaram-no em instrumento de arrogância e manipulação”, diz o Pontífice, recordando: “Aconteceu que até a oração, para eles, corria o risco de não ser mais o momento de encontro com o Senhor, mas uma oportunidade de ostentação de respeitabilidade e falsa piedade, útil para atrair a atenção das pessoas e obter consensos.”
Era a aparência de bondade a ocultar o falso perfil do escriba zeloso!
E Francisco faz a aproximação deste caso à oração do publicano e do fariseu (cf Lc 18,9-14), para vincar: “Eles – não todos – comportavam-se como corruptos, alimentando um sistema social e religioso em que era normal tirar vantagem dos outros, especialmente dos mais indefesos, cometendo injustiças e garantindo a impunidade.”
Sendo assim, no dizer do Papa, Jesus recomenda que fiquemos longe dessas pessoas, que tenhamos cuidado” e não as imitemos. Com efeito, com a sua palavra e o seu exemplo, Jesus ensina coisas diferentes sobre a autoridade. Fala dela em termos de abnegação e de serviço humilde, de ternura materna e paterna para com as pessoas, especialmente, para com os mais necessitados. “Convida os ‘afetados’ a olharem para os outros, a partir da sua própria posição de poder, não para os humilhar, mas para os elevar, dando-lhes esperança e ajuda”, sublinha.
Então, cada um pode interrogar-se sobre como se comporta nas suas áreas de responsabilidade; se age com humildade ou se se orgulha da sua posição; se é generoso e respeitoso com as pessoas ou se as trata de forma rude e autoritária; e se, com os mais frágeis, está perto deles, e sabe abaixar-se para os ajudar a levantarem-se.
***
segunda leitura (Heb 9,24-28) oferece-nos o exemplo de Cristo, o sumo-sacerdote perfeito. Fiel ao desígnio do Pai, deu o que tinha de mais precioso: a própria vida. Mostrou-nos, com o seu sacrifício, qual é o dom perfeito que Deus quer e espera de cada um dos seus filhos: a entrega de nós próprios para que se concretize o seu projeto para o Mundo e para o homem.
No final da sua caminhada terrena com os homens, Cristo, o sacerdote perfeito, entrou no verdadeiro santuário, o céu – a realidade de Deus, a habitação de Deus. Vivendo na intimidade do Pai, em comunhão com o Pai, intercede continuamente pelos homens e dispõe o coração do Pai em favor dos homens. O sumo-sacerdote da antiga Aliança entrava no santuário todos os anos (no Dia da Expiação – o “Yom Kippur” – o único dia do ano em que o sumo-sacerdote entrava no “Santo dos Santos” do Templo de Jerusalém, para aspergir o “propiciatório” com o sangue de um animal imolado), a fim de obter o perdão de Deus para os pecados do Povo. Cristo, porém, depois de oferecer a vida em sacrifício por todos, entrou uma só vez no santuário perfeito, levando o seu próprio sangue, e obteve a redenção de toda a Humanidade – desde a criação do Mundo até ao final dos tempos. A entrega de Cristo, o seu sacrifício consumado no dom da vida, teve eficácia total e universal. Com ela, Cristo conseguiu a destruição da condição pecadora do homem. A Humanidade ficou, a partir desse instante, definitivamente salva.
Cristo há de manifestar-se, novamente, no final dos tempos (parusia). Então, a sua manifestação não será para oferecer novo sacrifício, nem para condenar o homem, mas para oferecer a salvação definitiva aos que Ele libertou do pecado, com o seu sacrifício único e perfeito.
***
Enfim, como pediu o Papa, “que a Virgem Maria nos ajude a combater a tentação da hipocrisia dentro de nós mesmos – Jesus chama-os de ‘hipócritas’, a hipocrisia é uma grande tentação – e nos ajude a fazer o bem sem aparência e com simplicidade”.

2024.11.10 – Louro de Carvalho


Em época de gripe é necessária a proteção pessoal e comunitária

 

A gripe é uma doença infeciosa, causada por diversos vírus ARN (da família Orthomyxoridae), em especial, o vírus Influenza A e B, que afeta, sobretudo, as vias respiratórias e que, geralmente, ocorre no inverno, atingindo aves e mamíferos. Normalmente, é doença de curta duração e com sintomas moderados. Os doentes com mais de 65 anos ou imunocomprometidos podem ter sinais e sintomas mais ligeiros, mas a recuperação pode ser mais lenta e o risco de problemas e complicações é maior.

O vírus da gripe é, regra geral, transmitido por via respiratória, diretamente de pessoa a pessoa, por contacto próximo (cerca de dois metros). Os vírus contidos nas secreções respiratórias de pessoa infetada, que são expulsas, em partículas, através da tosse ou de espirros ou quando fala, podem infetar outra pessoa. Pode haver transmissão por contacto direto com partes do corpo, por exemplo, as mãos, com superfícies contaminadas com o vírus e, depois, se toca nos olhos, no nariz ou na boca. E pode, ainda, o vírus ser transmitido por contacto direto com excrementos ou com secreções nasais de aves infetadas, ou por contacto com superfícies contaminadas.

A gripe propaga-se, globalmente, em ciclos sazonais de epidemias, que provocam, anualmente, entre três e cinco milhões de casos graves da doença e entre 250 mil e 500 mortes, número que pode ascender a milhões, em anos de pandemia. No século XX, ocorreram três pandemias de gripe, cada uma delas provocada pelo aparecimento de nova estirpe do vírus em seres humanos, e responsáveis pela morte de dezenas de milhões de pessoas. Em muitos casos, as novas estirpes de gripe aparecem, quando um vírus existente se propaga para o ser humano a partir de outra espécie animal ou quando uma estirpe humana recolhe novos genes de um vírus que só infeta aves ou suínos. A estirpe aviária denominada H5N1 levantou preocupações, em relação a uma nova pandemia de gripe, em finais da década de 1990, mas não evoluiu para uma forma de fácil contágio entre o seres humanos. Em abril de 2009, ocorreu uma pandemia de nova estirpe que combinava genes da gripe humana, aviária e suína, denominada H1N1 ou gripe suína.

Embora, não raro, seja confundida com a constipação, a gripe é uma doença mais grave provocada por um tipo de vírus diferente. E pode, ocasionalmente, levar ao aparecimento de pneumonia, tanto viral como bacteriana, mesmo em pessoas bastante saudáveis.

Os vírus da gripe são neutralizáveis pela luz solar, por desinfetantes e por detergentes. E, porque o vírus é neutralizável com sabonete, lavar as mãos com frequência reduz o risco de infeção.

Os países desenvolvidos dispõem de vacinas contra a gripe. As aves de criação são vacinadas, para se evitar que sejam dizimadas por eventual surto. A vacina humana mais comum é a vacina trivalente, que contém antígenos purificados e neutralizados de três estirpes virais e que inclui, em geral, material de dois subtipos de Influenzavirus A e uma estirpe de Influenzavirus B. A vacina não apresenta qualquer risco de transmissão da doença. No entanto, uma vacina produzida para um determinado ano pode não ser eficaz no ano seguinte, uma vez que o vírus da gripe evolui rapidamente, substituindo as estirpes antigas por novas. Todavia, a vacina contra a gripe tem sido importante para diminuir o risco de transmissão do vírus e de desenvolvimento de doença grave e complicações em caso de infeção.

No tratamento da gripe são também usados alguns antivirais, como o oseltamivir.

O período de incubação, isto é, o período entre o momento da infeção e o aparecimento dos primeiros sintomas, é habitualmente, de dois dias, mas pode variar entre um e quatro dias. E, regra geral, o período de contágio começa ente 0h00 a 24h00 antes do início dos sintomas, tem um pico entre as 24h00 e as 48h00, declinando, rapidamente, com quase nenhum vírus detetado depois de cinco a 10 dias. Em crianças, doentes com mais de 65 anos, doença crónica, obesos e imunocomprometidos, este período pode ser maior.

Nos adultos, os sintomas são: mal-estar e cansaço; febre alta; dores musculares e articulares; dores de cabeça; dores de garganta; tosse; rinorreia (congestão nasal); calafrios e sensação geral de desconforto.

Em crianças jovens, os sintomas são semelhantes aos do adulto, mas, nas crianças mais pequenas, os sintomas podem incluir: febre alta; tosse; rinite; dor de cabeça e dores musculares; garganta e olhos vermelhos; náuseas e vómitos; diarreia; dores abdominais; e dificuldade respiratória.

O diagnóstico é, essencialmente, clínico, pela identificação dos sintomas.

Apesar de ambas serem infeções virais, a gripe e a constipação não são causadas pelos mesmos vírus e apresentam alguns sintomas diferentes. Os sintomas de constipação surgem de forma mais leve do que os de gripe. É comum estarem limitados à zona do nariz e não estão tão associados a complicações graves. Os sintomas da gripe tendem a ser mais intensos do que os da constipação e é mais comum surgirem dores musculares, cansaço e febre alta. Além disso, há risco maior de desenvolvimento de complicações ou de agravamento de doenças pré-existentes.

É possível prevenir a gripe, evitando o contágio através de medidas, como a vacinação anual, segundo as indicações da Direção-Geral da Saúde (DGS) ou do médico assistente.

As pessoas doentes não devem, partilhar a mesma divisão, beijar ou abraçar; e devem manter distanciamento dos outros, usar máscara, arejar espaços interiores, desinfetar zonas de utilização comum, lavar as mãos com frequência e manter a etiqueta respiratória (cobrir boca/nariz com um lenço ou com o braço, quando se espirra ou tosse; não espirrar / tossir para as mãos; e lavar as mãos, após tossir ou espirrar).

A gripe é, habitualmente, doença de curta duração (dois a quatro dias), com sintomas de moderada intensidade e com benigna evolução, demorando a recuperação completa entre uma e duas semanas. Nos grupos de risco – pessoas com doenças crónicas e idosos – pode ser mais longa a recuperação e maior o risco de complicações, nomeadamente, pneumonia ou descompensação da doença de base (asma, diabetes, doença cardíaca, pulmonar, cancro).

Em caso de gripe, o doente deve ficar em casa, em repouso (geralmente, até 24h00, após deixar de ter febre); evitar contacto com outras pessoas enquanto estiver doente; manter o ar limpo (abrir uma janela para arejar); medir a temperatura, ao longo do dia; se tiver febre, pode tomar paracetamol (mesmo as crianças); utilizar soro fisiológico, para aliviar a congestão nasal; e, se viver sozinho, especialmente se tiver limitações de mobilidade ou se estiver doente, deve pedir a alguém que lhe telefone, regularmente, para saber como está.

É de referir que é contraindicada a toma de antibióticos, sem recomendação médica, uma vez que não atuam nas infeções virais, não melhoram os sintomas, nem aceleram a cura; que se devem beber muitos líquidos (água e sumos de fruta); e que as grávidas ou as que amamentam não devem tomar medicamentos, sem falarem com o seu médico.

A gripe ocorre, geralmente, nos meses de inverno. Em Portugal, nos anos recentes, tem-se verificado que a maior atividade gripal ocorre nos meses de outono e de inverno (entre outubro e abril), sendo o pico registado entre novembro e fevereiro.

***

Com a época oficial da gripe, chegam ideias erradas sobre o seu vírus, desde a eficácia das vacinas até à medicação a tomar. A este respeito, James Thomas deu voz à EuroVerify (equipa de jornalistas especializados no apuramento de factos e na desmistificação das principais histórias e rumores que visam a Europa e a União Europeia), em artigo intitulado “Época de gripe: Mitos comuns desmascarados”, publicado pela Euronews, a 6 de novembro.

“A vacina contra a gripe aumenta o risco de contrair o vírus” é o primeiro mito cuja resposta é um “não” muito fácil, de acordo com o virologista Richard Webby, do Departamento de Interações Micróbio-Hospedeiro do St Jude Children’s Research Hospital em Memphis, Tennessee, que explicita: Isso é exatamente o oposto daquilo para que a vacina da gripe foi concebida. […] A vacina foi concebida para induzir imunidade no corpo, o que ajudará a protegê-lo, caso esteja exposto à gripe. […] Portanto, tomar a vacina da gripe não aumenta as hipóteses de contrair gripe. […] E todas as esperanças são de que ela, realmente, faça o oposto.”

Também Koen Blot, responsável pelo departamento de doenças infeciosas do Instituto Nacional de Saúde Pública da Bélgica, afirmou que “a vacina protege o doente, em vez de o tornar mais suscetível aos vírus que causam a gripe” e salientou que “é importante manter a vacina em dia, porque a composição da gripe muda de ano para ano”. “As vacinas são adaptadas para ter em conta estas pequenas alterações no genoma e na microbiologia – a pequena estrutura do vírus – de modo que, quando se toma uma vacina, a probabilidade de ela o proteger, em comparação com a sua imunidade anterior, seja maior”, explicou.

“Ter gripe é a mesma coisa que ter uma constipação” é outro mito que muitas pessoas acolhem, a ponto de dizerem que o perigo está numa constipação mal curada. Ora, como diz James Thomas, tanto a gripe como a constipação podem causar sintomas similares e, muitas vezes, parecem ser mais frequentes nos meses de inverno, levando as pessoas a utilizar os termos, indistintamente. Porém, é incorreto fazê-lo. São ambas doenças respiratórias contagiosas, mas são causadas por vírus diferentes e podem diferir, significativamente, em gravidade, como vimos.Quando as pessoas se referem à constipação ou à gripe, temos tendência a juntá-las, quando se trata de uma série de vírus respiratórios diferentes, vírus transportados pelo ar que circulam durante o inverno”, afirmou Blot, explicitando: “As pessoas podem ficar com uma doença muito ligeira, devido à gripe, e [que] também pode tornar-se muito grave, dependendo de pessoa para pessoa.”

Efetivamente, algumas pessoas que sofrem de gripe podem ficar apenas com o nariz a pingar ou entupido, semelhante à constipação comum, enquanto outras podem ter sintomas mais graves em que o vírus invade e ataca o tecido pulmonar, causando inflamação. “Isso provoca uma tosse muito profunda e seca”, esclarece Blot, para acrescentar: “Se a inflamação aumentar ainda mais, devido à infeção, começará a ter um impacto negativo na transmissão de oxigénio que os pulmões devem fazer. E então as pessoas começam a falar de falta de ar.”

À medida que o vírus invade o organismo, desenvolvem-se sintomas sistémicos, os que envolvem o corpo todo, como febre, mal-estar geral e dores musculares e articulares. “Aquilo a que nos referimos como constipação não é tanto o trato respiratório inferior dos pulmões, mas mais o trato respiratório superior, à volta da garganta e do nariz, como um corrimento nasal. […] E isso vai ser mais suave”, explica Blot.

“Pode apanhar-se gripe com temperaturas baixas” é outro mito, que tem alguma razão de ser. Mercê da ocorrência da gripe nos meses mais frios, assume-se que são as baixas temperaturas a causar a doença. Todavia, a questão não é assim tão clara.Não é, especificamente, a temperatura fria que faz com que se apanhe gripe”, diz Webby, mas sustentando que “a gripe é uma doença de inverno, nas regiões mais temperadas do Mundo, [mas, se] vivermos perto do equador, é mais uma doença que se manifesta durante todo o ano, com alguns picos durante a estação”.

Os cientistas não têm a certeza dos fatores que tornam a gripe mais uma doença de inverno, nas regiões mais frias do Mundo, mas é provável que seja a combinação de muitos fatores diferentes. “Sabemos que a gripe se transmite um pouco melhor entre as pessoas, em determinadas condições de humidade. […] Se estivermos a falar do inverno, temos tendência para nos aglomerarmos um pouco mais e ficarmos em casa”, considera Webby, realçando que “essa aglomeração cria as condições que favorecem um pouco mais a propagação da gripe”, pelo que “o frio, em si, não é um fator tão importante, embora possa contribuir para a mistura de diferentes fatores que levam a que seja uma doença de inverno”.

“Há medicação que se pode tomar para curar a gripe”, dito assim, é outro mito. Há, de facto, medicação que se pode tomar para a gripe, segundo Blot, mas não os antibióticos, que são feitos para garantir que as bactérias não se desenvolvem. Não funcionam contra os vírus, que podem ser tratados com terapias antivirais como o oseltamivir, também conhecido pelo seu nome comercial, tamiflu.O objetivo da medicação é impedir que o vírus passe do interior do tecido pulmonar infetado para o exterior, para o trato respiratório, para ser transmitido a outras pessoas ou para o interior do corpo, causando mais infeções”, refere Blot, vincando que não é totalmente claro se é eficaz para todos os casos de gripe, embora haja “indicações de que deve ser administrado numa fase precoce”. Porém, “não é muito claro se terá um impacto muito forte, no sentido de garantir uma recuperação mais rápida ou de evitar a hospitalização”, adverte.

As principais diretrizes para o tratamento indicam que este deve ser administrado apenas a pessoas que correm um risco muito elevado. “As pessoas que estão gravemente doentes serão tratadas com estes medicamentos antivirais, mas não é algo que seja administrado a todas as pessoas com uma potencial infeção de gripe”, alerta Blot.

Não há fórmula mágica para garantir que nunca se apanha gripe, mas há medidas a tomar para se proteger melhor e reduzir, significativamente, o risco de desenvolver uma estirpe grave da doença. “São aquelas mensagens […] que ouvimos milhares de vezes, na pandemia de covid: lavar as mãos, espirrar para o cotovelo e, se se sentir doente, ficar em casa”, refere Webby.

A vacina contra a gripe é muito importante, sobretudo se se pertencer a um grupo vulnerável. “Toda a gente pode beneficiar com a vacina da gripe, mas sobretudo os idosos ou as pessoas que, quando tomam a vacina da gripe, tendem a ficar mais doentes”, diz Webby, vincando: “É essa a prioridade máxima: os idosos e as pessoas com doenças subjacentes, como a diabetes.”

***

Protegendo-nos, protegemos os outros e mantemos a comunidade mais sadia, que agradece.  

2024.11.10 – Louro de Carvalho

sábado, 9 de novembro de 2024

Habilitação profissional e formação contínua de professores

 

No passado dia 31 de outubro, o Secretariado Nacional da Federação Nacional dos Professores (FENPROF) enviou ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) parecer sobre as propostas de alteração do Decreto-Lei n.º 79/ 2014, de 14 de maio (Regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário) e de alteração do Decreto-Lei n.º 22/ 2014, de 11 de fevereiro (Regime jurídico da formação contínua de professores e respetivo sistema de coordenação administração e apoio), ambos na atual redação – de que, pela relevância e pela concordância de base, retenho os aspetos mais relevantes (cf https://www.fenprof.pt/media/download/CCFF93599E060E4D8B5C7BA473C195D9/f-207-parecer-fenprof-habilitacao-profissional-docencia-e-formacao-continua-31-10-24.pdf).  

***

A revisão do regime jurídico da habilitação profissional para a docência foi anunciada pelo MECI como área prioritária de intervenção para a melhoria das políticas públicas de educação. Ora, para a FENPROF, “é inquestionável a necessidade de investir na qualificação dos professores”, devendo passar por uma reforma da estrutura da formação inicial, como foi expresso, aquando da última alteração do decreto-lei em causa, por académicos ligados à formação inicial de docentes.

Por isso, é “de crucial importância” a reflexão sobre a formação inicial e a recordação das “fragilidades” apontadas, antes, pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), “nomeadamente: as condições estruturais impostas pelo atual quadro legal que limita a autonomia das IES [instituições de ensino superior]; a ausência de uma discussão institucional acerca do modelo ou da combinação de modelos de formação (bietápica, mestrado integrado); a falta de articulação das diversas componentes dos currículos da formação inicial; a insuficiente incorporação das TIC [tecnologias de informação e comunicação] nesta formação; o tempo reduzido de prática dos estagiários em sala de aula; o desenvolvimento insuficiente das competências de investigação pelos formandos, em contexto real de trabalho; uma supervisão fraca das práticas de ensino pelos docentes das IES; [e] a falta de especialização de muitos formadores sobre a formação”.

Concorda-se com a separação das questões da formação do problema da existência de alunos sem aulas, instrumentalização criticada, aquando das alterações promovidas pelo anterior governo.

Contudo, a proposta da 4.ª alteração ao decreto-lei em causa concretiza “alterações cirúrgicas”, para “harmonizar os requisitos de admissão à habilitação profissional para a docência com os tratados internacionais”; procede a alterações ao formato e aos procedimentos da prática de ensino supervisionada, importante componente da formação de professores, sem que “valorizem, substancialmente, os intervenientes, neste caso, os docentes e educadores cooperantes, através da criação de um estatuto reforçado”, isto é, “condições de trabalho adequadas às exigentes funções que irão desempenhar”.

Gorada a expectativa de uma alteração substancial e porque as propostas apresentadas mantêm e consolidam, no essencial, a última alteração efetuada ao referido decreto-lei, a FENPROF mantém, no geral, a apreciação enviada, em parecer, ao anterior governo.

Em termos da apreciação na especialidade das propostas de alteração, esta estrutura sindical “não contesta a dispensa da prática de ensino supervisionada, substituída por outro procedimento, no caso de candidatos à profissionalização com prolongada experiência letiva”. Todavia, assinala “a contradição entre essa disposição e a sujeição de milhares de docentes profissionalizados com anos de experiência profissional à realização de um anacrónico período probatório”.

Não acompanha a alteração à “estrutura curricular do ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Educação Básica”, visto que “reduz o nível de exigência desta formação”.

A alteração às “estruturas curriculares dos restantes ciclos de estudos” (altera o ponto 2, revoga os pontos 3 e 4) mantém “a redução dos créditos na área da docência, na área educacional geral” e “os exigidos para a prática de ensino supervisionada”, pelo que merece desacordo.

Quanto à alteração às “condições específicas de ingresso nos ciclos de estudos conducentes ao grau de mestre” (funde os pontos 2 e 3; e altera o ponto 8), “discorda-se da possibilidade de se candidatarem ao grau de mestre numa das especialidades a que se referem os números 1 a 5 do anexo (licenciaturas em Educação Básica)”, pois seria, para todas as áreas da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, “um forte retrocesso na formação de docentes”.

No âmbito dos “orientadores cooperantes” (a proposta altera os pontos 3, 6 e 7 e acrescenta um ponto 8), a FENPROF sustenta que “dificilmente poderá ser desempenhada, da forma mais adequada, a exigente atividade, que é a orientação e o acompanhamento de estagiários” e que a alteração proposta “não resolve, de forma alguma, a insuficiência manifesta de condições de trabalho”, apontada aquando da última revisão do decreto-lei em causa. E contrapõe à ideia de que “ao professor cooperante devem ser atribuídas quatro horas de redução por estagiário, até um máximo de três estagiários” a conveniente “adequação do horário de trabalho dos docentes cooperantes, através de uma redução significativa da componente letiva”, e discorda da possibilidade de ser substituída por um subsídio que, dependendo de decisão do diretor, pode contrariar a opção do docente e levar “a uma sobrecarga horária e de trabalho absolutamente insuportável e incompatível com a exigência das funções”.

Na “organização da prática de ensino supervisionada” (a proposta altera os pontos 2 e 15, revoga os 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 e acrescenta um 16 e um 17), “a alteração do ponto 2 e a revogação dos pontos 3, 4, 5 e 6”, já não impondo “a atribuição de horas letivas semanais, bem como a obrigatoriedade de lecionar turmas com diferentes anos e ciclos de ensino”, deixam “indefinida a organização da prática letiva supervisionada” e abrem espaço a “grande diversidade e arbitrariedade de práticas, que se poderão manifestar no mesmo agrupamento, de escola para escola e/ou de núcleo de estágio para núcleo de estágio”. Assim, para a Fenprof, “deve haver uma harmonização e uniformização da organização da prática de ensino supervisionada” que não a torne “dependente de condicionalismos particulares e de decisões locais, de forma a garantir sempre os padrões de qualidade formativa necessários àqueles que virão a exercer funções docentes”. E a FENPROF discorda da substituição do direito à remuneração mensal da prática de ensino supervisionada por uma possibilidade de bolsa de estudo.

A opção pela substituição dos contratos de estágio previstos na versão em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, pode estar na base de outras opções da atual proposta, “como o não reconhecimento do tempo de serviço prestado durante o estágio para todos os efeitos legais”. E a FENPROF sustenta que “o exercício da atividade docente, mesmo na qualidade de professor estagiário, deverá ser reconhecida para os diferentes efeitos legais”. Aliás, a dependência da fixação, por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da educação, da possibilidade de atribuição da bolsa, “abre espaço a que esta nunca aconteça”.

A revogação dos números 8 a 13 arrastaria consigo efeitos, como o vínculo, a exclusividade, a segurança social, a fiscalidade, etc. Seria também “grave a revogação do ponto 14 deste artigo, em relação à organização da prática letiva dos professores estagiários”, pois, se, na versão atual do decreto-lei em causa, “a atribuição de serviço prevista não pode originar insuficiência ou inexistência da componente letiva para os docentes do quadro do agrupamento ou escola não agrupada, essa parece ser uma preocupação de que o MECI, agora, prescinde”. Por isso, a FENPROF discorda desta opção, pois a revogação deste ponto “altera a premissa que garante que não sejam geradas situações de insuficiência ou ausência de componente letiva para os docentes dos quadros referidos”, o que “teria implicações potencialmente negativas”.

Em relação ao artigo novo sobre o “reconhecimento de habilitações ao abrigo de tratados internacionais”, a FENPROF, embora acompanhe a necessidade deste reconhecimento, “alerta para a importância de agilizar e de uniformizar um protocolo de procedimentos com as IES e com a DGAE [Direcção-Geral da Administração Escolar], no sentido de prevenir tratamentos diferenciados na certificação das habilitações, nomeadamente, no reconhecimento da componente curricular e da componente profissional das licenciaturas com origem no estrangeiro”.

***

No concernente ao regime jurídico da formação contínua de professores e ao respetivo sistema de coordenação, administração e apoio, a FENPROF nada opõe à alteração do artigo 6.º, que introduz “mais uma modalidade de formação (MOOC) em Português (do Inglês Massive Open Online Course), cursos online abertos e massivos. Contudo, considera que esta é “mais uma oportunidade perdida para uma alteração mais profunda” do decreto-lei em referência. Assente-se em que “a formação contínua é dever, mas, também, direito dos docentes e condição necessária para atualizar conhecimentos e [para] manter elevada a qualidade da educação e do ensino”.

Por isso, deve “visar a atualização pedagógica, científica e tecnológica”, bem como “intervir nos domínios da ética, dos valores e da cidadania”. E “deve centrar-se na escola e nos contextos de trabalho”, realizando-se “através de modalidades que promovam a reflexão sobre situações, problemas e contextos reais”, pelo que “a sua implicação na carreira deverá ser desburocratizada e menos centrada no número de horas de formação, devendo ser reconhecida autonomia aos docentes para elaborarem os seus próprios planos de formação, assentes em necessidades que identifiquem no exercício da sua atividade profissional”.

Além disso, “defende-se a diversificação e a gratuitidade da formação contínua, desde logo da que é promovida pelos CFAE [Centros de Formação de Associação de Escolas], não devendo estes, como resposta pública às necessidades de formação dos docentes, promover formação paga para os docentes dos agrupamentos e escolas que abrangem”.

Preconiza-se a recuperação do “regime de dispensas para formação”, com incidência, nos limites estabelecidos, “em qualquer das componentes do horário semanal do docente”, bem como “o financiamento dos planos de formação, independentemente dos centros de formação que a promovem”, incluindo “os centros de formação das associações profissionais e científicas, bem como das organizações sindicais”, cuja formação contínua “é de indubitável interesse para o sistema, [para] as escolas e [para] os docentes”.

A elegibilidade para financiamento deve decorrer “da pertinência, [da] qualidade e [da] adequação às necessidades do sistema e dos agrupamentos e escolas”. É necessário “o reordenamento da rede dos CFAE”, para garantir “adequada resposta às necessidades concretas de formação”.

No reforço da autonomia dos CFAE, “defende-se o alargamento da possibilidade de acreditação de ações de formação de curta duração, até ao limite de 11 horas, e a responsabilização do MECI pelo financiamento e elaboração de planos nacionais de formação”, fundamentados e negociados com as organizações sindicais de docentes – “um debate e uma negociação que urge fazer”, mas que “se mantêm adiados”.

Neste âmbito, é desejável a criação de “novos grupos de recrutamento, como Teatro e Expressão Dramática e Intervenção Precoce, entre outros”. Não sendo criados no âmbito destas alterações, que se assuma isso como prioridade, para “assegurar maior estabilidade aos docentes e maior qualidade ao ensino e ao apoio dados às crianças e [às] suas famílias”.

***

É, no meu entender, pena que os governantes, mormente os ligados à Educação, não atendam muitas das solicitações epistémicas apresentadas por esta estrutura sindical, a maior parte das vezes, movidos pelo preconceito ideológico ou pelo enervamento resultante da contestação sistemática por parte da FENPROF, sem meias medidas (muitas vezes, com razão).

2024.11.09 – Louro de Carvalho