terça-feira, 30 de abril de 2024

União Europeia tem de alargar, para constituir um bloco de força

 

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, sentenciou, a 29 de abril, a propósito da passagem, a 1 de maio, dos 20 anos desde o maior alargamento de sempre, da União Europeia (UE), que esta deve ficar maior ou arriscar-se a enfrentar uma “nova Cortina de Ferro”, ao longo da sua ala do Leste. “O alargamento é vital, para o futuro da UE, porque, sem ele, [há] o risco de uma nova Cortina de Ferro”, disse Michel em entrevista a um grupo  de jornalistas.

“Seria extremamente perigoso, se tivesse uma vizinhança instável com falta de prosperidade ou [com] falta de desenvolvimento económico. Estes são os nossos interesses comuns – dos países candidatos e da UE – para fazer progressos, para acelerar”, justificou.

A advertência surge no 20.º aniversário do “Big Bang” do alargamento de 2004, quando dez países – incluindo sete antigas repúblicas soviéticas ou Estados satélites – aderiram à UE. Se não fosse essa expansão histórica, a UE como está hoje seria dividida por uma “Cortina de Ferro de facto”, segundo Charles Michel, sendo os países do lado oriental alvo de “tentativas políticas e ideológicas do Kremlin para os ocupar”.

Nove países da Europa de Leste e dos Balcãs Ocidentais aguardam, nos bastidores, para se tornarem membros de pleno direito da UE. O processo de adesão é longo e complexo, com os países candidatos obrigados a responder às exigências da UE, incluindo reformas judiciais e constitucionais significativas. Embora a invasão da Ucrânia pela Rússia tenha criado novo ímpeto na política de alargamento adormecida da UE, as tentativas de acelerar o processo de adesão correm o risco de ser impedidas por Estados-Membros mais céticos. Por sua vez, os críticos sustentam que os longos atrasos na integração dos países estão a fomentar um sentimento de exasperação com Bruxelas.

Em dezembro de 2023, o húngaro Viktor Orbán, cujo governo ocupará a presidência rotativa de seis meses do Conselho da UE, a partir de 1 de julho, ameaçou travar a abertura das negociações de adesão com a Ucrânia, pelo veto. Porém, o presidente do Conselho da UE desvalorizou as especulações de que a presidência húngara, combinada com um Parlamento Europeu (PE) eventualmente mais polarizado, após as eleições, poderia dificultar ainda mais o caminho dos países candidatos à adesão. “Estou muito confiante de que o próximo ciclo institucional será a ocasião para reafirmar a nossa vontade política conjunta de alargar”, afirmou Charles Michel.

Questionado sobre se o governo húngaro poderia inviabilizar ainda mais a adesão da Ucrânia, excluindo a questão do alargamento da agenda do Conselho, declarou: “Não estou de todo nervoso. […] Estou confiante porque sinto que os líderes – a grande maioria deles – estão absolutamente convencidos de que isto é importante para o futuro.”

Charles Michel acredita que a “abstenção construtiva” – notoriamente usada por Orbán em dezembro de 2023, ao sair da sala, após os 26 colegas aprovarem a abertura das conversações de adesão da Ucrânia à UE – poderá ser uma rede de segurança para decisões semelhantes no futuro. “Usamos a abstenção construtiva, que está a dar a possibilidade de um país dizer: olhe, não gosto e não estou muito confortável com esta decisão, e faço pública a minha opinião, mas não quero bloquear a grande maioria dos Estados-membros”, explicou.

A possível integração da Ucrânia – o país que sofre a guerra e cujo produto interno bruto (PIB) per capita é três vezes menor do que o da Bulgária, a menor economia da UE – está a suscitar receios de que a adesão de Kiev destabilize a estrutura orçamental do bloco, vindo muitos países da UE a passar de beneficiários líquidos a contribuintes líquidos.

Um relatório do think tank Bruegel (dedicado à pesquisa de políticas em questões económicas) estima que a adesão do país devastado pela guerra custaria à UE entre 110 e 136 mil milhões de euros, ao longo de sete anos. Charles Michel diz que, para aliviar o potencial impacto da adesão da Ucrânia na economia da UE, o país precisaria de uma transição específica baseada num modelo que não está atualmente no sistema, sobretudo devido ao custo potencial da sua reconstrução pós-guerra. Porém, apelou ao bloco para não ter medo da integração da Ucrânia, afirmando que o país será um local atrativo para investir como parte do mercado único. E admitiu que outros países mais alinhados com a economia do bloco possam vir a ser aceites como membros da UE, antes do final da década. Para tanto, a UE deve fazer o trabalho de casa, incluindo a implementação das reformas necessárias, para estar pronta para o alargamento, o mais tardar até 2030.

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O alargamento é a política externa mais eficaz da UE, mas, desde a grande vaga de novos membros, em 2004, o processo estagnou. A invasão da Ucrânia criou novo sentido de urgência, com os líderes da UE a multiplicarem as reuniões com os sete países candidatos, na cimeira da Comunidade Política Europeia (CPE), a 5 de outubro de 2023, em Granada, na Espanha. No entanto, alguns daqueles países têm as candidaturas bloqueadas, há mais de 10 anos, apesar de o processo de adesão e as suas exigências continuarem os mesmos.

Antes de 2004, segundo Ian Bond, diretor de política externa do Centro para a Reforma Europeia, “tudo parecia ir na direção de um mundo global mais aberto”. Aqueles países estavam na transição do comunismo para a democracia e para a economia de mercado livre, pelo que “havia um grande sentimento de esperança e de que estávamos a devolver estes países à Europa”. Mais tarde, Herman van Rompuy, o então presidente do Conselho Europeu, saudou a adesão dos 10 países, maioritariamente da Europa de Leste, dizendo que “a Europa tinha voltado a ser Europa”.

Agora, para Bond, a UE é um lugar mais sóbrio, olha os riscos, as desvantagens e as ameaças, tentando equilibrar tudo, quando pensa na próxima ronda de alargamento”. Esta cautela é devida, em parte, às crises globais que o Mundo enfrentou, incluindo várias crises financeiras, uma crise migratória, a pandemia global de covid-19 e, agora, a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia. Toda esta série de crises desviou a atenção do alargamento, que foi, até 2004, o projeto emblemático da UE. Porém, devido a esta distração, a urgência do alargamento eclipsou-se.

A arquitetura financeira foi alterada, as tentativas de elaborar uma política comum de migração começam a cristalizar-se, foram introduzidos contratos públicos conjuntos, para adquirir vacinas e gás, foi emitida dívida comum, para angariar fundos e, agora, a UE estuda uma política comum de segurança e de defesa. Os desenvolvimentos internos também são responsáveis pela situação, tais como a ascensão do populismo e do nacionalismo na UE, que levou alguns Estados-membros a bloquearem o progresso da adesão, por causa de questões bilaterais com os países candidatos.

Isto nota-se em relação à República da Macedónia do Norte, que apresentou o pedido de adesão em 2004, obteve o estatuto de candidato, em 2005, e está num impasse, há 17 anos. A candidatura foi, de início, bloqueada pela França e pelos Países Baixos, porque o processo de alargamento precisava de melhoria, e pela Grécia, depois, por causa da disputa sobre o nome do país. Resolvida a questão, em 2018, a Bulgária exigiu o reconhecimento formal de que a cultura e a língua da Macedónia do Norte são fortemente influenciadas pela Bulgária, bem como uma maior proteção da minoria búlgara do país. E as negociações de adesão foram reabertas, em julho de 2022.

“O processo de negociação tornou-se cada vez mais difícil e não pode ser concluído com sucesso no mandato de um governo”, disse Zulfi Ismaili, chefe da missão da República da Macedónia do Norte junto da UE, vincando que a evolução das negociações se baseou na lição aprendida pela UE com os anteriores alargamentos e num apoio político mais reservado ao processo.

A Hungria, liderada pelo conservador e populista Viktor Orban, declarou que vetaria a adesão da Ucrânia, enquanto este país não garantisse determinados direitos à minoria étnica húngara.

Sempre fez parte do processo de alargamento lidar com questões bilaterais, mas a ascensão de partidos populistas de extrema-direita torna difícil o avanço, porque estas questões bilaterais se tornam proeminentes. Depois, há o problema do retrocesso democrático e da erosão do Estado de direito em alguns Estados-membros. Foram precisos anos de conflitos jurídicos entre a Comissão Europeia e, em especial, a Polónia e a Hungria, para criar, em 2022, um novo mecanismo de Estado de direito que liga o respeito pela legislação e pelos valores da UE ao desembolso de fundos comunitários. 

Os progressos continuam lentos, pois ambos os países vêm arrastando a aplicação das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e têm tentado utilizar o veto noutros dossiês da UE, para garantirem concessões e fundos. O receio é que a democracia e o respeito pelo Estado de direito sejam já muito mais frágeis e a corrupção mais frequente nalguns dos países candidatos à UE e que estes sejam mais propensos a tentar jogar com o sistema. Por isso, Ian Bond sustenta que é importante, para o funcionamento do mercado único que “a UE continue a ser um espaço jurídico único, um espaço jurídico comum”, estando Orbán (na Hungria) e o PiS (na Polónia) estão a pôr isso em risco, “com as suas reformas judiciais: não se pode ir a um tribunal em todos os 27 Estados-membros e obter a mesma decisão com base nos factos do caso”.

Outro obstáculo ao alargamento, nas últimas décadas, é o debate crescente sobre a capacidade de absorção: a capacidade da UE para integrar novos membros, sem pôr em causa a sua eficiência e desenvolvimento. Os dois grandes argumentos invocados pelos Estados-membros para abrandar o processo são o dinheiro e o direito de veto. Os novos membros tendem a ser mais pobres e poderão absorver grande parte dos fundos de coesão do bloco, num futuro próximo. Os dez países que aderiram em 2004 tinham um PIB muito inferior à média do bloco. E há quem preveja que a Ucrânia, uma potência agrícola, poderia tornar-se o único beneficiário líquido da Política Agrícola Comum (PAC), se aderisse, sem a UE proceder a uma reforma dessa política.

É também mencionada a preocupação com o impacto potencial dos novos membros na tomada de decisões e com o facto de poder ser mais difícil obter o consenso necessário para a resposta célere a desafios inesperados, a menos que a utilização da votação por unanimidade seja mais limitada, em favor da votação por maioria qualificada. Por exemplo, a Hungria, bloqueou algumas sanções contra os oligarcas russos obteve uma derrogação significativa do embargo petrolífero russo. A França e a Alemanha utilizaram a regra da unanimidade em seu proveito. Porém, Ian Bond considera este receio “largamente exagerado”, visto que a UE foi capaz de se adaptar às várias crises ao longo das últimas duas décadas.

A UE poderia ter resolvido todas estas preocupações, desde 2004, se o alargamento tivesse sido feito. A invasão da Ucrânia pela Rússia foi um dos resultados de não o ter feito. No início, o objetivo era consolidar a Europa no contexto do confronto Leste-Oeste. E agora, mais uma vez, é o entendimento de que não deve haver zonas cinzentas entre a UE e a Rússia. Desde que Moscovo fez entrar os tanques na Ucrânia, os dirigentes da UE fizeram duas cimeiras com os homólogos dos Balcãs Ocidentais e tomou a iniciativa da criação da CPE, para reforçar os laços com os países europeus não pertencentes à UE e para facilitar os intercâmbios a nível dos dirigentes.

E uma ideia que está a ganhar força é a da integração gradual, com os países candidatos a poderem aderir a políticas e a programas da UE, à medida que avançam no processo. A ideia, defendida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, mereceu o apoio da Macedónia do Norte. Assim, o processo não deve centrar-se só no objetivo final, a adesão plena, mas deve integrar os candidatos nas estruturas da UE, à medida que fazem as reformas. Um capítulo encerrado deve significar um lugar à mesa na formação adequada do Conselho, sem direito a voto, pois o fosso de convergência entre Estados-membros e candidatos deve diminuir, em vez de aumentar.

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São candidatos à UE: o Montenegro, a Sérvia, a Turquia, a Macedónia do Norte, a Albânia, a Ucrânia, a Moldávia, a Bósnia-Herzegovina e a Geórgia. Têm, pois, de assegurar, politicamente, a estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos e o respeito e a proteção das minorias; economicamente, o funcionamento da economia de mercado e a capacidade de fazer face à pressão concorrencial e às forças de mercado; e, administrativa e institucionalmente, a capacidade para aplicar o acervo da UE (os direitos comuns) e para assumir as obrigações decorrentes da adesão à UE.

Precisa-se de uma UE cidadã, vigorosa, progressista e com autoridade no Mundo.

2024.04.30 – Louro de Carvalho

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