quinta-feira, 18 de abril de 2024

UE quer novo pacto de competitividade e impedir as guerras

 

Face ao crescente domínio dos Estados Unidos da América (EUA) e da República Popular da China (RPC ou, simplesmente, China) no mercado mundial, os líderes da União Europeia (UE), na cimeira de 17 e 18 de abril, em Bruxelas (com os temas competitividade e política externa), acordaram sobre a necessidade de novo “pacto de competitividade”, com base num relatório com propostas para defender o mercado único. O consenso político, obtido no segundo dia, seguiu-se a longa maratona negocial, devido às profundas divergências em relação a algumas propostas no relatório de Enrico Letta, tais como a harmonização das regras de tributação das empresas e um plano para integrar os mercados de capitais dos Estados-membros da UE.

O documento de 147 páginas elaborado pelo ex-primeiro-ministro de Itália e atual presidente do Instituto Jacques Delores – importante centro de estudos de política comunitária –, a pedido do Conselho Europeu e da Comissão Europeia, há um ano, surge quando a UE enfrenta um contexto geopolítico cada vez mais volátil, a que se juntam as rápidas alterações demográficas e a forte concorrência da parte de países como os EUA e a China, a atrair investimentos com pacotes de subsídios de alta envergadura. “Precisamos de mobilizar mais dinheiro, mais ferramentas, para investir em setores estratégicos”, frisou Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, vincando: “Nesta reunião, todos nós compreendemos que não só é importante aumentar a escala, crescer, mas também cuidar das nossas pequenas e médias empresas (PME) e garantir que temos a combinação certa, o equilíbrio certo.”

O novo pacto visa manter a vantagem competitiva na cena mundial e evitar que a Europa se torne um deserto industrial, à custa dos EUA, da China, da Índia e de outras potências emergentes. Para já, trata-se de uma declaração de intenções que se traduzirá em resultados concretos, após as próximas eleições para o Parlamento Europeu (PE), em junho.

“A competitividade e o mercado único da nossa União partem de uma base sólida. Agora, temos de a transformar num crescimento sustentável a longo prazo”, declarou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que discursou ao lado de Michel, acrescentando que a UE precisa de garantir que os europeus não sejam meros “consumidores de tecnologias e serviços digitais produzidos noutro lugar” e apelando a ações concretas para impulsionar o acesso ao capital, reduzir os custos da energia, resolver a escassez de competências e reforçar os laços comerciais.

No relatório, Enrico Letta – que percorreu, nos últimos meses, 65 cidades europeias, para efetuar consultas – alerta para uma estrutura obsoleta, criada nos anos 80, que trava a produtividade no século XXI, e sustenta que o mercado único, que durante décadas permitiu a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, deve ser alargado à energia, às telecomunicações e às finanças.

Estes setores estratégicos foram, inicialmente, considerados demasiado estratégicos para se estenderem para lá das fronteiras nacionais, mas, segundo Letta, representam agora “importante travão ao crescimento e à inovação”, pelo que devem ser integrados em toda a UE, para tornar o bloco europeu um destino mais atrativo para o investimento. E o autor do relatório também apresenta sugestões radicais sobre a forma de dar progressivamente à UE mais poder coletivo para subsidiar as empresas – conhecido como auxílio estatal – prerrogativa atualmente reservada aos governos nacionais. Esta abordagem pan-europeia é vista como resposta à Lei de Redução da Inflação (IRA) do presidente dos EUA, Joe Biden, que prevê milhares de milhões em créditos fiscais para promover a tecnologia mais ecológica fabricada nos EUA, bem como aos subsídios da China para carros elétricos e painéis de energia solar. 

Por seu turno, a RPC utiliza um esquema, de longa data, que favorece fortemente as empresas nacionais, através de subsídios, de empréstimos baratos, de tratamento preferencial e de requisitos regulamentares, em detrimento das empresas não chinesas. Estes subsídios estrangeiros, para atrair investimento – juntamente com a escassez de matérias-primas essenciais, com a persistência de preços elevados da energia e com a falta de trabalhadores altamente qualificados – são tidos como um grande revés nos esforços da UE para continuar a ser uma potência industrial.

Também está a ser considerado um plano ambicioso para concluir a União dos Mercados de Capitais (UMC) dos 27 Estados-membros, lançada em 2014. O objetivo é reforçar os pequenos mercados de obrigações existentes na UE e proporcionar mais oportunidades para desbloquear o capital de risco para as empresas europeias em fase de arranque e as PME, que cada vez mais se dirigem aos EUA, para garantir o financiamento de que necessitam para crescer.

“A UE dispõe de 33 biliões de euros de poupanças privadas. Temos de encontrar formas de a canalizar para as nossas empresas. […] As empresas em fase de arranque da UE recebem menos de metade do financiamento das empresas em fase de arranque dos EUA. Esta situação tem de mudar. A resposta é: União dos Mercados de Capitais, escreve Charles Michel na plataforma X.”

Von der Leyen afirmou que poderiam ser libertados 470 mil milhões de euros de capital europeu.

Porém, os países mais pequenos receiam que a UMC concentre os poderes de regulação nos países maiores, como a França, que defende a criação da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), com sede em Paris.

A maioria dos Estados-membros expressou reservas sobre o plano, há muito parado, durante as discussões do dia 18, apesar do consenso em torno da necessidade de aumentar a competitividade.

A ideia, defendida por países como a Estónia e a França, de emissão de mais dívida conjunta, para financiar o aumento da indústria de defesa – prioridade desde a invasão russa da Ucrânia –, foi outro dos temas que causou divisão. Com efeito, a única vez que o bloco emitiu dívida conjunta em grande escala foi no auge da pandemia da Covid-19, quando os líderes concordaram em criar um fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros (a Próxima Geração UE), que é transferido para os países via Planos de Recuperação e Resiliência (PRR). Todavia, países de espírito frugal, como a Alemanha, os Países Baixos e a Dinamarca opõem-se a novos empréstimos, salientando que quase 100 mil milhões de euros do fundo de recuperação não foram utilizados.

As regras da UE restringem a ajuda dos governos às empresas, para evitar distorcer a concorrência empresarial em toda a zona de comércio livre do bloco. Uma solução de Letta é exigir que os países utilizem uma parte dessa ajuda para projetos à escala da UE, em vez de projetos puramente nacionais, dando como exemplo a conetividade entre todos eles por ferrovia. Por outro lado, há que proceder a uma melhor integração dos mercados financeiros do bloco para que as empresas possam angariar dinheiro para novos projetos de energias renováveis junto de investidores em ações, em obrigações e em capital de risco, em vez de dependerem de empréstimos bancários.

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A par da competitividade e questões afins, os líderes da UE afirmaram, no dia 17, estarem prontos para prestar ajuda militar à Ucrânia, num contexto de aumento em grande escala de ataques russos. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participou na cimeira da UE, a partir de Kiev, onde salientou a ameaça que os mísseis de cruzeiro russos representam para o seu país. E Charles Michel garantiu que o pedido do líder ucraniano foi bem compreendido pelos Estados-membros.

“Não se trata de uma questão de meses, mas de dias e de semanas. É muito importante que cumpramos as nossas promessas. E posso garantir que todos os intervenientes estão a fazer tudo o que está ao seu alcance para acelerar e, se possível, para utilizar as reservas disponíveis, especialmente no domínio dos sistemas de defesa aérea”, explicitou Charles Michel.

Também os ministros dos sete países mais industrializados do Mundo (G7) debateram a guerra na Ucrânia, que fez dois anos em fevereiro, pedindo o chede da diplomacia da UE, Josep Borrell, aos líderes ocidentais que acelerem a ajuda militar a Kiev, apelo repetido pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. E os EUA e vários países europeus discutem propostas para utilizar os lucros gerados por milhares de milhões de euros de ativos russos congelados, para ajudar a fornecer armas e outros fundos à Ucrânia. Essas propostas ganharam força, à medida que os esforços americanos para garantir o financiamento militar estagnaram no Congresso.

Os Estados-membros da UE concordaram, ainda, com a necessidade de moderar e reduzir as tensões no Médio Oriente, e apelaram, uma vez mais, a Israel para o imediato cessar-fogo em Gaza, bem como para a libertação de todos os reféns detidos pelo Hamas.

Charles Michel sublinhou a unanimidade do pedido dirigido a Israel: “Apelamos a todas as partes para que exerçam a máxima contenção. Este é um sinal muito claro e é, efetivamente, a nossa posição comum. É um sinal muito claro que queremos enviar.”

Bruxelas tem estado atenta às situações geopolíticas na Ucrânia e no Médio Oriente, tendo em conta o risco para as economias europeias. E ficou agendado, para o dia 18, o debate, no PE, da revitalização do mercado único e da proteção das economias, num futuro de crescentes tensões.

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Na ilha italiana de Capri, onde o G7 se reuniu para debater as situações no Médio Oriente e na Ucrânia, Josep Borrell, advertiu que o Médio Oriente está à beira de uma guerra regional. “Temos de pedir a Israel que dê uma resposta moderada ao ataque iraniano. Não podemos fazer uma escalada. Não se pode responder cada vez mais alto a uma guerra regional. Não quero exagerar, mas estamos à beira de uma guerra regional no Médio Oriente”, disse Borrell. Efetivamente, a violência tem escalado e está a alastrar para lá da Faixa de Gaza, com o ataque iraniano a Israel, em resposta ao ataque israelita ao consulado do Irão em Damasco, na Síria, que matou várias patentes militares. E Israel tem levado também a cabo ataques mortíferos no Líbano, contra o Hezbollah, aliado do Irão e do Hamas.

Enquanto o gabinete de guerra do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, pondera resposta direta, a UE tenta controlar a potencial retaliação israelita e evitar escalada ainda maior.

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Sven Biscop, do Instituto Egmont, sugeriu que os países da UE deveriam utilizar os instrumentos diplomáticos e económicos à sua disposição para pressionar Israel a não tentar retaliar. “A UE tem, potencialmente, grande influência sobre Israel, uma grande influência económica”, disse Biscop, “mas é claro que, enquanto alguns Estados-membros continuarem a apoiar Israel mais ou menos incondicionalmente, a UE é impotente para usar esse instrumento de pressão económica”.

Os pedidos para que a UE suspenda os laços comerciais com Israel, para o pressionar a conter a guerra em Gaza, não conseguiram, até agora, reunir o apoio unânime dos Estados-membros.

O Irão já é alvo de várias sanções em resposta à proliferação de armas de destruição maciça e às persistentes violações dos direitos humanos, incluindo a morte de Mahsa Amini pelas mãos da polícia moral do regime, em 2022.

Questionado sobre se o bloco europeu poderia decidir aplicar novas sanções em resposta ao ataque contra Israel, o porta-voz da política externa da UE disse: “Quaisquer outras sanções [...] são processo que está nas mãos dos Estados-membros”. “Não anunciamos previamente, não antecipamos esse processo porque é confidencial”, acrescentou, rejeitando as alegações de “dois pesos e duas medidas” na posição da UE sobre o conflito, salientando que esta condenou o ataque de Israel ao consulado iraniano em Damasco, no início de abril.

O Irão convocou os embaixadores britânico, francês e alemão, pelo que diz ser a “duplicidade de critérios” destes governos na condenação do ataque, que rejeitaram uma resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) apresentada pela Rússia, condenando o ataque de Israel às instalações diplomáticas do Irão, em Damasco. E a Chéquia e a Alemanha convocaram os seus embaixadores iranianos na sequência do ataque de Teerão.

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O primeiro-ministro português disse que o seu governo foi dos primeiros a condenar o ataque iraniano a Israel e que Portugal contribuirá para uma solução de paz na Faixa de Gaza. Além de continuar a apelar a um cessar-fogo imediato, Portugal “dá um sinal muito forte no sentido de, no seio da Nações Unidas, ser favorável a dar o estatuto de membro pleno à Palestina. Creio que é um passo importante para poder concretizar a solução dos dois Estados, que preconizamos”, disse Luís Montenegro à imprensa portuguesa. A Palestina, que tem estatuto de membro observador na ONU, não é reconhecida como Estado pela maioria dos países da UE, incluindo Portugal. Porém, ao invés da Espanha, o nosso país não fez promessas sobre tal reconhecimento a curto prazo.

O presidente do Conselho Europeu acompanhou o chefe de governo português nas declarações à imprensa, no Edifício Europa, após o ter recebido para uma reunião bilateral, que antecedeu a primeira participação de Luís Montenegro numa reunião do Conselho Europeu, realçando que espera total cooperação. “Portugal é um país muito importante da UE. Conto consigo para desempenhar um papel importante e construtivo nos desafios muito complexos que enfrentamos”, disse Charles Michel, acrescentando: “Um deles é a competitividade, [que] é muito importante para apoiar a nossa prosperidade. Amanhã, vamos debater diversas opiniões sobre esse tema e depois tomar decisões para preparar a UE para os desafios que tem pela frente.”

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A par das preocupações geopolíticas, a UE trata bem os governos de Portugal, como é seu dever.

2024.04.18 – Louro de Carvalho

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