terça-feira, 9 de abril de 2024

TEDH rejeita queixa de jovens portugueses, mas não a de idosas suíças

 

Soube-se, a 9 de fevereiro, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) não acolheu a queixa apresentada pelo grupo de seis jovens portugueses contra 32 países, incluindo Portugal, por inação na luta contra o aquecimento global.

O motivo que o TEDH aduziu para rejeitar a queixa foi que os jovens “não utilizaram as vias legais à sua disposição, em Portugal, para apresentarem as suas queixas”, ou seja, “não tinham esgotado as vias de recurso internas”.

Assim, aquela estância europeia considerou que o caso é “inadmissível” em “toda a linha”, sobretudo no atinente à jurisdição extraterritorial dos Estados indicados no processo.

“A jurisdição territorial foi estabelecida apenas em relação a Portugal – nenhuma jurisdição poderia ser estabelecida em relação aos outros Estados neste caso”, lê-se na decisão do tribunal.  

Com efeito, como considerou o TEDH, não era possível imputar a uns países fenómenos climáticos adversos ocorridos em outros Estados, pois uma deliberação nesse sentido, ainda que exclusiva a processos relacionados com as alterações climáticas, abriria um precedente com implicações inimagináveis, ao pôr em causa a soberania e as limitações geográficas de cada país.

O coletivo de 17 juízes, incluindo a portuguesa Ana Maria Guerra Martins, reconheceu que os países visados têm “controlo sobre as atividades públicas e privadas assentes nos seus territórios” que contribuem para a produção de gases com efeito estufa e que há compromissos de vários Estados, incluindo Portugal, para a redução de emissões, nomeadamente o Acordo de Paris, assinado em 2015, que prevê a redução de emissões. Não obstante, o TEDH considerou que não poderiam servir de “base para a criação de uma interpretação jurídica sobre um terreno novo de jurisdição extraterritorial ou como justificação para expandir as atuais”.

O tribunal deliberou também que os requerentes não esgotaram todas as vias legais que tinham em Portugal, antes de recorrerem àquela instância europeia. Os requerentes arguíram que um processo de violação dos direitos humanos por consequência das alterações climáticas não tinha cabimento para avaliação por uma instância em Portugal, mas o argumento foi refutado, com a justificação de que houve falta de prova apresentada em tribunais nacionais para ser objeto de análise pelo TEDH.

O tribunal considerou que processos referentes ao ambiente e às alterações climáticas já estão presentes na moldura judicial portuguesa e são “uma realidade no sistema legal nacional”, pelo que o processo devia ter esgotado todas as instâncias nacionais possíveis, antes de ser remetido para um tribunal europeu. Além disso, anotou que o sistema legal português providencia tanto os mecanismos para ultrapassar a falta de representação dos requerentes como as medidas para ultrapassar a morosidade dos procedimentos. Assim, sentiu-se incapaz sustentar “que havia razões especiais para excetuar os requerentes de um processo exaustivo nacional, de acordo com as regras aplicáveis e os procedimentos disponíveis”.

Pela mesma razão, considera haver falta de dados para examinar o estatuto de vítima pedido pelos requerentes. Não obstante, fez um reconhecimento histórico: as alterações climáticas são um problema que os países “têm o dever” de abordar e encontrar medidas para as mitigar.

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Os seis jovens André, Catarina, Cláudia, Mariana, Martim e Sofia, nascidos entre 1999 e 2012, invocaram “circunstâncias excecionais”, para argumentarem que o tribunal tinha de incluir a “jurisdição extraterritorial” de outros Estados. Porém, o argumento não colheu junto do TSDH.

Apesar da aparente derrota, como confessou Catarina Mota, não derrubaram o muro, mas criaram nele “uma grande fenda”. “Isto não acaba aqui”, garantiu a jovem, ladeada pelos restantes queixosos neste processo, no átrio do TEDH, em Estrasburgo, na França. 

Catarina Mota disse que, ao ouvir a decisão do tribunal, sentiu “muito orgulho por todo o trabalho que foi desenvolvido” agora. “Foi muito trabalho, não apenas nosso, de todos os cientistas, de todos os advogados, é preciso reforçar isso, e sentimos que não foi perdido. Isto não acaba aqui, é apenas o começo e o futuro realmente é a prova de que isto era necessário”, completou.

Já Martim Duarte Agostinho, o jovem que encabeçou o processo, admitiu alguma frustração com a decisão, mas disse que o momento é de reflexão. “É um pouco difícil não me sentir desapontado, mas também estou contente, acho que o resultado foi bastante bom. A explicação era muito técnica e um pouco difícil para uma pessoa como eu perceber. Obviamente que saio chateado, mas o importante é perceber que isto era para nós todos”, considerou.

Em 27 de setembro de 2023, os seis jovens foram ouvidos no TEDH, tendo então vincado que os Estados desvalorizaram as alterações climáticas e ignoraram provas.

A 8 de abril, antes de serem conhecidas as decisões do tribunal, Sofia e André Oliveira, dois dos jovens em causa, afirmaram que não baixariam os braços, mesmo que o desfecho fosse desfavorável, o que se veio a verificar. “Uma coisa é certa, não vamos parar, independentemente do resultado. Não vamos parar de lutar para forçar os governos a protegerem o nosso futuro das alterações climáticas. Se vencermos, sabemos que este movimento vai juntar-se para pressionar os governos a acatarem a decisão do TEDH”, disseram à Lusa os dois jovens, antes de ser conhecido o veredicto. Na verdade, querem “encorajar as pessoas” a participarem no movimento que quer trabalhar para um “futuro para todos”.

Já Gerry Liston, advogado envolvido no processo, reconheceu que um desfecho favorável iria “fortalecer” o movimento de luta contra as alterações climáticas por criar um precedente judicial quando houver processos por inação de governos.

“Houve um crescimento exponencial de litígios climáticos. Depois, vai ser preciso um esforço de todos deste movimento, da sociedade civil, dos ativistas no terreno para pressionarem os governos a implementarem a decisão pela qual esperamos. A lei e os esforços fora dos tribunais reforçam-se mutuamente”, completou o advogado que pertence à organização sem fins lucrativos “Global Legal Action Network”, que apoia estas ações.

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Ao invés do sucedido com os jovens portugueses, o TEDH condenou a Suíça num outro caso apresentado por uma associação de idosas suíças, a Klima Seniorinnen, que denunciou a inação do governo no combate ao aquecimento global.

É uma decisão histórica, já que, pela primeira vez, o tribunal com sede em Estrasburgo, nordeste da França, condenou um Estado por falta de iniciativas para combater as alterações climáticas, com base na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O tribunal concluiu que o Estado suíço violou o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante o “direito ao respeito pela vida privada e familiar”, como refere o veredicto, ao qual a AFP teve acesso. 

A vitória das “avós pelo clima”, como eram conhecidas as requerentes da Suíça, é “uma vitória para todos”, comentou Catarina Mota, que acrescentou: “Agora podemos ir aos tribunais nacionais para conseguirmos algo. Esse era também um dos nossos objetivos.”

A associação KlimaSeniorinnen é constituída por cerca de 2500 mulheres, com uma média de idades que ronda os 73 anos.  As avós suíças argumentavam que as políticas do seu governo são “claramente inadequadas” para manter o aquecimento global abaixo do limite previsto pelo Acordo de Paris de 1,5ºC.

Depois de lutarem nos tribunais suíços, durante vários anos, e de terem sido finalmente derrotadas no Tribunal Federal – o mais alto do país –, levaram o caso ao TEDH, que lhes deu razão.

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Porem, num terceiro caso sobre alterações climáticas, o tribunal rejeitou a alegação de Damien Careme, antigo autarca francês de que a inação do Estado representava o risco de a sua cidade ser submersa. O TEDH concluiu que o antigo residente e ex-presidente de câmara de Grande-Synthe não tinha estatuto de vítima, uma vez que já não reside em Grande-Synthe, nem em França, não tendo, por isso, “qualquer ligação suficientemente relevante” com aquele município.

Careme apresentara um processo no mais alto tribunal administrativo de França. em 2019. O Conselho de Estado francês decidiu a favor do município, mas rejeitou o caso pessoal de Careme, que acabou por chegar ao TEDH.

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No atinente ao caso apresentado pelos jovens portugueses, Maria da Graça Carvalho, ministra do Ambiente e da Energia, considerou, em comunicado, que a decisão desfavorável do TEDH não diminui a ambição e a responsabilidade” do governo no combate às alterações climáticas. 

De acordo com a governante, “tem sido feito um esforço legislativo importante a nível europeu e a nível nacional, nesta área”, tendo Portugal “objetivos ambiciosos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa”, de modo a “atingir a neutralidade carbónica até 2045, cinco anos antes das metas definidas pela UE”. 

O comunicado adianta que, para o governo, o tema da ação climática constitui uma prioridade, apresentando no seu programa “um conjunto alargado de medidas que irão contribuir para a descarbonização, ao mesmo tempo que cria riqueza e desenvolve uma economia de futuro”.

Entre essas medidas estão a realização de Conselhos de Ministros temáticos sobre a Ação Climática, a concretização das normas da Lei de Bases do Clima, a operacionalização do Conselho de Ação Climática e a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030).

A transposição e aplicação das diretivas previstas no Pacto Ecológico Europeu e novas medidas para adaptação às alterações climáticas, por exemplo, no Litoral, incluindo uma nova geração de planos, são outras medidas previstas.

“A União Europeia [UE] é a região do Mundo que lidera o combate às alterações climáticas, tendo uma estratégia forte para a redução das emissões de gases com efeito de estufa na indústria, nos transportes e nos edifícios, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, bem como estratégias definidas para a economia circular e para a proteção da biodiversidade”, refere o comunicado.

A UE aumentou a meta para a redução das emissões para 55% (em vez dos anteriores 40%) até 2030, por forma a neutralidade carbónica a ser atingida em 2050. A sua estratégia contempla ainda um Mercado de Comércio de Emissões e um Mecanismo de Ajustamento Carbónico Transfronteiriço (MACF). E o Ministério do Ambiente e da Energia salienta que “Portugal está alinhado com as metas europeias, mas tem de reforçar o desempenho na redução das emissões do setor dos transportes, que aumentaram nos últimos anos devido a uma estratégia pouco eficaz na área da mobilidade”.

Recorrer aos tribunais contra a inação dos países em relação às alterações climáticas é cada vez mais frequente, indica um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o qual os casos mais do que duplicaram em cinco anos. 

A decisão de 9 de abril sobre três processos judiciais no TEDH  pode abrir um precedente sobre a obrigação de os governos protegerem as pessoas das alterações climáticas. Todos estes casos – um dos quais apresentado por jovens portugueses – acusam os governos europeus (todos os Estados-Membros da UE, a Noruega, a Suíça, a Turquia, o Reino Unido e a Rússia) de não agirem ou de não tomarem medidas suficientes contra as alterações climáticas.

Embora alguns casos nacionais tenham sido bem-sucedidos, é a primeira vez que o TEDH emite uma decisão sobre as alterações climáticas e determina se as políticas governamentais estão a violar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no “direito à vida” e no “direito ao respeito pela vida privada”. As decisões estabelecem um precedente legal sobre a forma como a lei dos direitos humanos é interpretada pelo tribunal, no respeitante às alterações climáticas.

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Urge preservar o planeta e proteger a vida humana.

2024.04.09 – Louro de Carvalho

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