segunda-feira, 22 de abril de 2024

Juízes dos Tribunais Judiciais têm um novo código de conduta

 

O plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) aprovou, a 16 de abril, o Código de Conduta dos Juízes dos Tribunais Judiciais (CCJTJ), segundo o qual estes magistrados deixam de receber vantagens, de aceitar convites ou de usar informações para seu benefício ou de terceiros, em resultado do cargo ou das funções desempenhadas.

Esta deliberação vem na sequência da aprovação, “por maioria”, a 5 de dezembro de 2023, do projeto do CCJTJ, após ampla discussão entre os juízes conselheiros e depois de introduzidas as correções sugeridas. Subsequentemente a esta deliberação, foi determinado que o referido projeto fosse divulgado junto da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJ) e pelos juízes, para se pronunciarem, querendo, no prazo de 60 dias.

Entende o CSM que, no exercício das funções que lhes são atribuídas constitucionalmente, “os magistrados judiciais gozam das garantias e estão sujeitos aos deveres decorrentes do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ], designadamente quanto à independência, imparcialidade, urbanidade, humanismo, diligência e reserva”. Com efeito, o EMJ (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, cuja última alteração lhe foi introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março) estipula, no atinente à conduta, os seguintes deveres dos magistrados judiciais:

Dever de imparcialidade: no exercício de funções, devem agir com imparcialidade, assegurando a todos um tratamento igual e isento quanto aos interesses particulares e públicos que lhes cumpra dirimir” (ver artigo 6.º-C).

Dever de cooperação: devem cooperar com o CSM e com os presidentes dos tribunais no exercício das suas atribuições legais de gestão e organização e estes com aqueles no exercício das suas atribuições legais de administração da justiça”; “são atribuições de gestão e organização todas as que não contendam com a concreta tramitação e decisão processual” (ver artigo 7.º-A).

Deveres de sigilo e de reserva: “não podem revelar informações ou documentos a que tenham tido acesso no exercício das suas funções que, nos termos da lei, se encontrem cobertos por segredo; “não podem fazer declarações ou comentários públicos sobre quaisquer processos judiciais”, salvo quando autorizados pelo CSM, “para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo”; “não são abrangidas pelo dever de reserva as declarações e informações que, em matéria não coberta por segredo de justiça ou por sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente o acesso à informação e a realização de trabalhos técnico-científicos, académicos ou de formação”; sem prejuízo das regras estabelecidas na lei processual, a prestação de tais informações deve ser assegurada pelo CSM, pelos juízes presidentes dos tribunais ou por outros magistrados judiciais a quem este Conselho, sob proposta do juiz presidente respetivo, defira essa competência (ver artigo 7.º-B).

Dever de diligência: “Os magistrados judiciais devem pautar a sua atividade pelos princípios da qualidade e eficiência de modo a assegurar, designadamente, um julgamento justo, equitativo e em prazo razoável a todos os que recorrem aos tribunais” (artigo 7.º-C).

Dever de urbanidade: “Os  magistrados judiciais devem adotar um comportamento correto para com todos os cidadãos com que contactem no exercício das suas funções, designadamente na relação com os demais magistrados, funcionários, advogados, outros profissionais do foro e intervenientes processuais” (artigo 7.º-D).

Dever de declaração: “Os magistrados judiciais apresentam declarações de rendimentos e [de] património nos termos da lei” (artigo 7.º-D).

No campo dos impedimentos, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, é vedado aos magistrados judiciais: exercer funções em juízo ou tribunal de competência territorial alargada em que sirvam juízes de direito, magistrados do Ministério Público (MP) ou funcionários de justiça a que estejam ligados por casamento ou união de facto, parentesco ou afinidade em qualquer grau da linha reta ou até ao 2.º grau da linha colateral; exercer funções em juízo da mesma comarca ou tribunal de competência territorial alargada em que sirvam juízes de direito, magistrados do MP ou funcionários de justiça, se estiverem em alguma das situações descritas, que gere sistemático impedimento do juiz; exercer funções na mesma secção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ou dos tribunais da Relação (TR) em que sirvam magistrados judiciais, se estiverem em alguma das situações descritas; exercer funções em tribunal de comarca a cujo presidente estejam ligados por alguma das situações anteriormente descritas; servir em juízo cuja área territorial abranja o concelho em que, nos últimos cinco anos, tenham desempenhado funções de MP ou de advogado ou defensor nomeado no âmbito do apoio judiciário ou em que, em igual período, tenham tido escritório de advogado, solicitador, agente de execução ou administrador judicial.”

O artigo 8.º estabelece que os magistrados judiciais têm domicílio necessário na área da comarca onde se estão instalados os juízos da comarca ou as sedes dos tribunais de competência territorial alargada onde exercem funções, mas podendo residir em qualquer local da comarca, desde que não haja prejuízo para o exercício de funções. Os do quadro complementar consideram-se domiciliados na sede do respetivo TR ou da respetiva comarca, em caso de desdobramento, podendo, todavia, residir em qualquer local da circunscrição judicial, desde que não haja prejuízo para o exercício de funções. Quando as circunstâncias o justifiquem, e não haja prejuízo para o exercício das suas funções, os juízes de direito podem ser autorizados pelo CSM a residir em local diferente do previsto acima. Os magistrados judiciais do STJ e dos TR estão isentos da obrigação de domicílio necessário. Os magistrados judiciais abrangidos pelo EMJ não podem indicar mais do que um domicílio.

Por seu turno, o artigo 8.º A estabelece que “os magistrados judiciais em efetividade de funções ou em situação de jubilação não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional”.

Não são consideradas de natureza profissional as funções diretivas não remuneradas em fundações ou em associações de que sejam associados que, pela sua natureza e objeto, não ponham em causa a observância dos respetivos deveres funcionais, devendo o exercício dessas funções ser precedido de comunicação ao CSM. Não são incompatíveis a docência ou a investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, bem como as comissões de serviço ou o exercício de funções estranhas à atividade dos tribunais cuja compatibilidade com a magistratura se encontre especialmente prevista na lei, mas o exercício destas funções carece de autorização do CSM, não podendo envolver prejuízo para o serviço nos casos da docência ou investigação científica de natureza jurídica.

Carecem, ainda, de autorização do CSM, só concedida, se a atividade não for remunerada e não envolver prejuízo para o serviço ou para a independência, dignidade e prestígio da função judicial: exercício de funções não profissionais em quaisquer órgãos estatutários de entidades públicas ou privadas que tenham como fim específico exercer a atividade disciplinar ou dirimir litígios; e o exercício de funções não profissionais em quaisquer órgãos estatutários de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais, incluindo as respetivas sociedades acionistas.

Não é incompatível o recebimento de quantias resultantes da produção e criação literária, artística, científica e técnica, assim como das publicações derivadas.

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Definidos, pelo EMJ, os deveres, os impedimentos, o domicílio e as incompatibilidades, a que propósito vem um código de conduta? O CSM considera que a matéria estritamente disciplinar regulada no EMJ “não esgota o universo de condutas que têm repercussão direta e indireta no exercício das funções dos juízes” e na “perceção deste exercício pelos cidadãos”. Assim, entende que há deveres que assentam num conjunto de valores comuns e que se projetam em deveres de conduta de ressonância mais ética do que jurídica. E sublinha que o Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), criado no âmbito do Conselho da Europa, em linha com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (de 2003), tem feito recomendações no sentido que de que o EMJ não substitui um código de conduta, “nomeadamente por não regular o recebimento de ofertas e os conflitos de interesses”.

Por outro lado, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, as entidades públicas abrangidas devem aprovar Códigos de Conduta a publicar no Diário da República e nos respetivos sítios na Internet, para desenvolvimento, entre outras, das matérias relativas a ofertas institucionais e hospitalidade.

Assim, o CCJTJ é um instrumento orientador que visa estabelecer um compromisso de conduta dos juízes dos Tribunais Judiciais, tanto no exercício das suas funções como nos atos da sua vida privada com repercussão no desempenho funcional e na dignidade do seu cargo (ver artigo 1.º). Abrange todos os juízes dos Tribunais Judiciais, incluindo os jubilados e os que desempenham funções no âmbito de comissões de serviço. Por conseguinte, em nome da transparência, “os juízes dos Tribunais Judiciais abstêm-se de participar em atividades extrajudiciais que possam ser considerados, por uma pessoa razoável, bem informada, objetiva e de boa-fé, como suscetíveis de afetar a confiança dos cidadãos na imparcialidade das suas análises e decisões”. E, em nome da integridade, não se podem aproveitar do estatuto ou prestígio profissional, nem invocar tal qualidade em atos da sua vida privada, para obter vantagens ou precedências indevidas, para si ou para terceiro, e não podem utilizar informação confidencial a que tenham acesso por via das suas funções em benefício privado, próprio ou de terceiro.

Relativamente a ofertas, convites e hospitalidade, ficam impedidos de receber quaisquer vantagens, patrimoniais ou não, diretas ou indiretas, para si ou para terceiros, em razão do cargo ou funções que desempenham, que não sejam socialmente adequadas. Também ficam impedidos de usar a condição de magistrado judicial para levar a cabo ação ou omissão que, objetivamente, “possa ser interpretada como solicitação de benefício indevido para si ou para terceiro, interveniente processual ou não”.

“Os juízes dos Tribunais Judiciais abstêm-se de aceitar, a qualquer título, de pessoas singulares e coletivas, vantagens ou ofertas de bens ou serviços, de qualquer valor, ou convites para espetáculos ou outros eventos sociais, culturais ou desportivos, que possam condicionar a objetividade, a imparcialidade ou a integridade do exercício das suas funções”, lê-se no documento. Porém, há exceções. Podem aceitar convites ou benefícios similares relacionados com a participação em cerimónias oficiais, conferências, congressos, seminários ou outros eventos análogos, “quando subsista interesse público relevante na participação, nomeadamente, em razão de representação oficial que importe assegurar”. Também se excetuam os casos que ocorram em contexto de relações pessoais e familiares.

Para acompanhar e supervisionar o cumprimento do CCJTJ, foi criado o Conselho de Ética, de natureza “exclusivamente consultiva” e que não intervém em qualquer procedimento de caráter disciplinar. Entre as suas funções, emitirá pareceres sobre a compatibilidade de determinados comportamentos com o CCJTJformulará opiniões ou recomendações sobre questões conexas com a sua aplicação ou com a sua atualização.

O Conselho de Ética será constituído por um juiz conselheiro, um juiz desembargador, um juiz de Direito e duas personalidades de reconhecido mérito, indicadas pelo CSM. O mandato é de quatro anos, não renovável. E o exercício de funções não implica qualquer compensação económica, além do reembolso de despesas incorridas para participação nas reuniões, mediante a apresentação ao CSM de documento comprovativo das mesmas.

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Passará a administração Justiça a ser, doravante, mais rigorosa e mais prudente?

2024.04.22 – Louro de Carvalho

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