quinta-feira, 11 de abril de 2024

Parlamento Europeu aprova novo pacto sobre migração e asilo

 

A 10 de abril, em Bruxelas, o Parlamento Europeu (PE) aprovou, em sessão plenária, por pequena margem, a reforma abrangente da política de migração e asilo da União Europeia (UE).

A aprovação foi precedida de incerteza, mercê do crescente coro de dissidência da direita e da esquerda, que não inviabilizou a votação. E a sessão foi marcada por breve interrupção, da parte manifestantes em protesto contra a reforma.

A reforma materializa-se no Pacto sobre Migração e Asilo, um conjunto ordenado de cinco peças legislativas separadas, mas interligadas, que só precisa, agora, da luz verde final dos 27 Estados-membros, o que se espera para o final do mês. O Pacto prevê regras coletivas para gerir a receção e a relocalização de requerentes de asilo, questão politicamente explosiva que tem sido recorrente fonte de tensão desde a crise migratória de 2015-2016, frustrando as tentativas contínuas de alcançar um entendimento comum a nível europeu. 

Com a reforma da política de migração e asilo, apresentada, pela primeira vez, em setembro de 2020, a UE pretende virar a página da abordagem nacional, reunindo todos os aspetos da gestão da migração, incluindo a identificação dos requerentes de asilo, os procedimentos fronteiriços acelerados e a reinstalação dos refugiados. 

A principal novidade é o sistema de “solidariedade obrigatória” para garantir que todos os países, independentemente da sua dimensão e localização, contribuam para aliviar a pressão sobre o Sul da Europa, visto que a maioria das pessoas chega por mar à Itália, à Grécia e à Espanha.

A proposta da Comissão Europeia envolvia uma miríade de questões complexas, como direitos fundamentais, menores não acompanhados, privacidade de dados, contribuições financeiras, períodos de detenção e segurança nacional, o que atrasou o processo legislativo.

O PE e os Estados-membros passaram anos, no Conselho da UE, a debater e a alterar o projeto do Pacto, aprofundando a complexidade. As conversações foram árduas no Conselho, onde os países defenderam opiniões opostas segundo as geografias, as economias e as ideologias.

Cientes dos riscos, os eurodeputados assumiram a liderança e unificaram a sua posição enquanto esperavam que o Conselho lhes seguisse o exemplo. As negociações entre as duas instituições prolongaram-se por várias rondas e foram concluídas ao nascer do sol de 20 de dezembro, dia em que Roberta Metsola, presidente do PE, falou de “provavelmente o acordo legislativo mais importante deste mandato” que estava “em preparação há 10 anos”.

O PE aprovou agora este compromisso, embora por margem inferior à inicialmente esperada. Os principais partidos estão interessados em ostentar a reforma na sua campanha para as eleições de 9 de junho, pois acreditam que pode mostrar aos cidadãos que “a UE cumpre”. Porém, levará tempo a surgir a resposta à questão se a reforma corresponde às elevadas expetativas, pois as referidas peças legislativas levarão, em média, dois anos a entrar em pleno vigor.

Esta revisão legislativa abrange todos os aspetos internos da migração, isto é, tudo o que acontece quando um requerente de asilo chega ao território do bloco europeu. A dimensão externa é, ao invés, coberta por acordos, feitos à medida, com países vizinhos, tais como a Tunísia, a Mauritânia e o Egito, para evitar que as partidas irregulares aconteçam. Em 2023, a UE recebeu 1,14 milhões de pedidos de proteção internacional – o maior número nos últimos sete anos – e registou 380 mil passagens irregulares de fronteiras, metade das quais através da rota central do Mar Mediterrâneo.

A reforma não altera, no essencial, o “princípio de Dublin”, que afirma que a responsabilidade por um pedido de asilo cabe, antes de mais, ao primeiro país de chegada.

As cinco leis contidas no Pacto e aprovadas pelos eurodeputados são:

- O Regulamento de Triagem, que prevê o procedimento de pré-entrada para examinar rapidamente o perfil do requerente de asilo e recolher informações básicas, como nacionalidade, idade, impressões digitais e imagem facial. Serão feitas verificações de saúde e segurança.

- O Regulamento Eurodac, alterado, que atualiza o Eurodac, uma base de dados em grande escala que armazenará os dados biométricos recolhidos no processo de triagem. O banco de dados passará da contagem de pedidos para a contagem de requerentes e evitará que a mesma pessoa apresente múltiplas candidaturas. A idade mínima para a recolha de impressões digitais será reduzida de 14 para 6 anos.

- O Regulamento sobre Procedimentos de Asilo, alterado, que estabelece duas etapas possíveis para os requerentes: o procedimento de asilo tradicional, que é demorado, e um procedimento de fronteira acelerado, que deve durar no máximo 12 semanas. O procedimento de fronteira aplicar-se-á aos migrantes que representem um risco para a segurança nacional, forneçam informações enganosas ou sejam provenientes de países com baixas taxas de reconhecimento, como Marrocos, Paquistão e Índia. Estes migrantes não serão autorizados a entrar no território do país e serão mantidos em instalações na fronteira, criando-se a “ficção jurídica de não entrada”.

- O Regulamento de Gestão do Asilo e da Migração, que estabelece um sistema de “solidariedade obrigatória”, o qual oferecerá aos Estados-membros três opções para gerir os fluxos migratórios: aceitar certo número de requerentes de asilo vindos de outros Estados-membros onde obtiveram direito de permanência (recolocação); pagar 20 mil euros por cada requerente que se recusem a recolocar no seu país (estimativa do que paga um Estado, por ano, para manter uma pessoa durante o processamento do pedido); ou financiar suporte operacional. A Comissão Europeia pretende fazer 30 mil realocações por ano, mas insiste que o sistema não forçará nenhum país a aceitar refugiados, desde que este contribua através de qualquer uma das outras duas opções.

- O Regulamento de Crise, que prevê regras excecionais a acionar quando o sistema de asilo for ameaçado por chegada repentina e massiva de refugiados, como na crise de 2015-2016, ou em caso de força maior, como a pandemia de covid-19. Nestas circunstâncias, as autoridades nacionais serão autorizadas a aplicar medidas mais duras, incluindo períodos mais longos de registo e detenção, e a Comissão Europeia poderá determinar medidas adicionais de solidariedade.

Desde o início do debate, o Pacto tem sido alvo de críticas por parte de organizações não-governamentais, de defensores dos direitos humanos e de juristas, que alertam que o forte impulso para ter regras comuns e previsíveis poderá ocorrer à custa dos direitos fundamentais.

O principal ponto de preocupação tem sido o procedimento fronteiriço acelerado: embora as autoridades da UE argumentem que este procedimento, mais curto, estabelecerá prazos claros para os requerentes e diminuirá o atraso administrativo para as autoridades, as organizações humanitárias contestam que negará aos requerentes de asilo avaliação justa e completa, aumentando as probabilidades de deportação.

“O Parlamento Europeu deveria estabelecer um padrão mais elevado para uma política comum de asilo humana e sustentável”, afirmou a Amnistia Internacional (AI), antes da votação, vincando: Este pacote de propostas corre o risco vergonhoso de sujeitar mais pessoas, incluindo famílias com crianças, à detenção de facto nas fronteiras da UE, negando-lhes uma avaliação justa e completa das suas necessidades de proteção.”

No entanto, a deportação não é, de forma, alguma simples, pois depende da boa vontade de outros países em acolher de volta os migrantes cujos pedidos são recusados. No último trimestre de 2023, dos 105 mil cidadãos não pertencentes à UE que deveriam deixar o bloco europeu, apenas 28 900 regressaram aos países de origem.

O objetivo é ter regras coletivas para gerir a receção e a relocalização de requerentes de asilo, aumentando a solidariedade entre os Estados-membros. Porém, Donald Tusk, primeiro-ministro polaco, foi dos primeiros a repudiar o Pacto, manifestando-se contra a revisão, classificando-a de “inaceitável” e atacando o sistema de “solidariedade obrigatória”. “Protegeremos a Polónia contra o mecanismo de recolocação”, disse Tusk, numa conferência de imprensa, em Varsóvia.

O líder polaco (de centro-direita, eleito em dezembro passado) prometeu liderar um governo pró-europeu e pôr fim a oito anos de governo eurocético do partido Lei e Justiça (PiS).

Donald Tusk é visto como aliado próximo da presidente da Comissão Europeia, mas a sua rejeição do pacto veio arrefecer um pouco a reforma, que a própria Ursula von der Leyen considerou “histórica” e uma “grande conquista para a Europa”.

A Hungria, outro conhecido crítico do Pacto, também manifestou a sua censura. “É uma pena que, nove anos depois do pico da crise migratória, o Parlamento tenha apresentado uma solução que, no fundo, constitui uma grave violação da soberania dos Estados nacionais”, declarou Zoltán Kovács, porta-voz internacional do Governo húngaro, durante um briefing com jornalistas, em Bruxelas. “O Pacto não vai fornecer uma solução viável para nenhum Estado-membro”, frisou.

Kovács insistiu que o seu país iria “falar bem alto contra” o Pacto, argumentando que este não tem em conta a experiência húngara e está “condenado ao fracasso”. Todavia, quando lhe perguntaram se o governo desrespeitaria as regras, arriscando-se a ser alvo de processo por infração, o porta-voz foi mais cauteloso e disse que o seu governo ainda tem de analisar a “redação exata” da revisão.

Na fase que antecedeu a votação no PE, a reforma suscitou a oposição da direita e da esquerda. Algumas vozes progressistas consideraram que o Pacto cedeu à pressão das forças de extrema-direita e colocou em risco os direitos humanos dos requerentes de asilo. E eurodeputados de extrema-direita, incluindo eleitos pelo partido Reagrupamento Nacional (França), votaram contra partes do pacto, aduzindo que as suas disposições não protegem suficientemente as fronteiras.

Um outro aspeto crítico da política de migração da UE é a sua “dimensão externa”, expressão utilizada para designar os acordos com países terceiros destinados a travar a partida de migrantes irregulares para a Europa. Bruxelas celebrou acordos com a Tunísia, com a Mauritânia e com o Egito, países nos quais o dinheiro da UE é injetado na economia em troca de medidas para diminuir os fluxos migratórios e combater os traficantes de seres humanos. Porém, os acordos foram criticados pelos eurodeputados e pelos defensores dos direitos humanos, por não reconhecerem as provas de violações dos direitos humanos, pelas autoridades tunisianas.

Apesar de não ter acordo com a Líbia, a UE gastou cerca de 59 milhões de euros para reforçar os mecanismos de gestão das fronteiras das autoridades líbias, desde 2017, apesar das provas de expulsões ilegais e do tratamento abusivo dos migrantes subsarianos nos centros de detenção líbios. “A cooperação com a Líbia é difícil”, reconheceu Ylva Johansson, comissária europeia para os Assuntos Internos, em entrevista à Euronews, “estamos a ter opiniões fortes, por exemplo, no atinente aos centros de detenção. Alguns deles têm condições realmente inaceitáveis”.

A UE está a trabalhar em estreita colaboração com a União Africana e com a Organização das Nações Unidas (ONU), para resgatar refugiados da Líbia para países mais seguros, ao abrigo do “mecanismo de trânsito de emergência”. E continua a “apoiar” a guarda costeira líbia, nas suas operações de busca e salvamento, “para que as pessoas não percam a vida no Mediterrâneo”.

Em 2023, um relatório da ONU concluiu que a guarda costeira líbia – que recebeu apoio da UE – tinha cometido crimes de lesa-humanidade, incluindo a escravatura sexual de mulheres, detenções arbitrárias, assassinatos, tortura, violação, escravatura e desaparecimento forçado.

Os países da UE que não implementarem o Pacto poderão ser alvo de ações judiciais, alertou Johansson. “Têm de o implementar e aplicar. Se não o fizerem, a Comissão agirá e recorrerá, se necessário, a procedimentos de infração. Mas devo dizer que estou bastante convicta de que os Estados-membros irão implementar o Pacto muito rapidamente”, discorreu.

2024.04.11 – Louro de Carvalho

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