sexta-feira, 12 de abril de 2024

Rede de influência russa é alvo de processo judicial na Bélgica

 

A pouco mais de dois meses da ida às urnas (de 6 a 9 de junho) para eleger os deputados do Parlamento Europeu (PE), aumenta o receio de que representantes do governo russo de Vladimir Putin possam estar a recorrer a mecanismos de manipulação de informação e de interferência no processo democrático.

O primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, revelou à comunicação social, a 12 de abril, que os serviços de informação belgas confirmaram a “existência de uma rede de ingerência pró-russa com atividades em vários países europeus” e que a rede está a ser alvo de “um processo judicial” no país.

Efetivamente, uma investigação recente conduzida pelos serviços secretos da Chéquia detetou que alguns eurodeputados terão recebido dinheiro de uma rede de influência política apoiada pelo regime de Moscovo, para “promover” a sua propaganda no bloco europeu. Por conseguinte, o procurador federal belga abriu uma investigação, para averiguar sobre informações de que essa rede de influência russa terá pago a eurodeputados para divulgarem a sua propaganda.

“Os pagamentos em dinheiro não tiveram lugar na Bélgica, mas a interferência, sim”, assegurou Alexander De Croo, sublinhando: “Como a Bélgica é a sede das instituições da UE [União Europeia], temos a responsabilidade de defender o direito de todos os cidadãos a um voto livre e seguro.”

As bancadas de centro-esquerda, liberal e dos verdes apelaram a uma investigação rápida e os serviços de imprensa do PE confirmaram que  estão a analisar as alegações.

Os serviços do PE não puderam confirmar quantos eurodeputados poderão estar sob escrutínio, mas disseram que estavam a trabalhar “em coordenação com os seus parceiros institucionais”, em resposta às alegações explosivas.

Este incidente surge a pouco mais de dois meses do escrutínio para eleger os eurodeputados, havendo sérios receios de que os representantes do Kremlin possam estar a utilizar a manipulação de informação para distorcer o voto democrático.

Em carta endereçada à presidente do PE, Roberta Metsola, a líder do grupo centrista Renovar a Europa, Valérie Hayer, descreve as alegações como um “ataque claro” ao Parlamento e ao seu “mandato democrático”.

 “Se os eurodeputados em funções ou os candidatos às próximas eleições europeias receberam dinheiro ou foram corrompidos pelo governo russo ou pelos seus representantes, têm de ser expostos”, afirmou Valérie Hayer.

Alexander De Croo confirmou que os serviços secretos belgas tiveram conhecimento das alegações dos serviços secretos checos sobre os eurodeputados. E, embora não tenha podido especificar quantos eurodeputados poderão vir a ser integrados no processo, atido aos meios de comunicação social checos, que citam funcionários dos serviços secretos, afirmou que as alegações envolvem políticos da Alemanha, da França, da Polónia, da Bélgica, dos Países Baixos e da Hungria.

O primeiro-ministro belga também quer examinar se os mandatos da Procuradoria Europeia (EPPO) e do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) podem permitir uma “ação penal” neste caso. “Se não for esse o caso, devemos alargar esses mandatos”, considerou.

As autoridades belgas estão, ainda, a investigar um escândalo de corrupção que envolve eurodeputados e outros funcionários do PE, acusados de receberem dinheiro em troca de exercerem a sua influência política a favor de funcionários do Qatar, de Marrocos e da Mauritânia (caso que eclodiu no final de 2022). Todavia, a investigação tem enfrentado turbulências e posto à prova os serviços judiciais belgas, com o anterior procurador a ser forçado a demitir-se, após alegações de que não era imparcial.

Os numerosos fracassos da investigação belga levaram muitos a classificar o caso como “Belgium-gate”.

De Croo afirmou que as autoridades continuam “dedicadas” ao seu papel de “construtoras de consensos” e que continuarão a trabalhar, “não apenas no interesse da Bélgica, mas de toda a UE”. E apoiou a proposta da Chéquia de aplicar sanções a nível da UE a indivíduos ligados à rede de propaganda, mas disse que as pessoas que “recebem” subornos também têm de ser analisadas no âmbito da investigação belga.

O chefe do governo belga disse ter discutido a investigação com a presidente do PE, Roberta Metsola, e com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pediu à Eurojust, a agência do bloco europeu para a cooperação em matéria de justiça criminal, a convocação e a discussão deste assunto com urgência.

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No centro da operação checa esteve a agência de notícias “Voz da Europa”, que foi sancionada pela Chéquia, bem como dois indivíduos, incluindo o político ucraniano Viktor Medvedchuk, pró-Kremlin, que o ministério dos Negócios Estrangeiros checo refere que utilizou aquela agência noticiosa, para difundir propaganda destinada a minar a “integridade territorial, a soberania e a independência” da Ucrânia.

A “Voz da Europa” é uma empresa neerlandesa cotada na bolsa, com sede oficial numa pequena aldeia da província de Brabante do Norte, nos Países Baixos. Há cerca de duas semanas, organizou um debate no PE, em Estrasburgo, numa sessão plenária, em que participaram eurodeputados do Vox (extrema-direita de Espanha) e do Fórum para a Democracia (de extrema-direita dos Países Baixos).

O sítio erb da empresa está fora de serviço desde o dia 10 de abril, à noite, segundo os arquivos do sítio. Com efeito, As autoridades da Chéquia, onde o site está sediado, retiraram-no da Internet, depois de terem surgido alegações de que vários políticos europeus foram pagos para usar a sua influência para desencorajar o apoio à ajuda e ao envio de armas para a Ucrânia. Assim, as contas nas redes sociais X, Facebook e YouTube estão inativas desde 27 de março, mas a do Telegram continua ativa. O seu conteúdo mostra, claramente, que a empresa tinha pleno acesso ao PE e aos seus membros. Os seus vídeos nas redes sociais apresentam uma série de eurodeputados, predominantemente do grupo de extrema-direita Identidade e Democracia (ID) ou não inscritos.

O primeiro-ministro checo, Petr Fiala, afirmou que esse órgão de informação tinha como objetivo desestabilizar toda a Europa e que outros países europeus tinham iniciado investigações na sequência dos esforços checos.

A investigação checa resultou na sanção de dois indivíduos e da agência de notícias “Voz da Europa”, através da qual os investigadores dizem que a operação russa foi canalizada.

A Agência de Segurança Interna da Polónia disse, a 28 de março, que também estava a realizar buscas na capital, Varsóvia, e na cidade de Tychy, como parte de uma investigação conjunta “coordenada” com outros países europeus.

Em declarações a partir de Nova Iorque, no dia 27 de março, a vice-presidente da Comissão Europeia, Věra Jourová, confirmou que a investigação polaca poderá, em breve, dar origem a mais acusações e acusou Putin de utilizar “meios de comunicação duvidosos”, para exercer influência, e “partidos nacionais” como seus porta-vozes.

Na carta enviada à presidente do PE, já referida, Valérie Hayer, pede que o acesso da “Voz da Europa” às instalações do PE seja suspenso e que o bloco siga o exemplo da Chéquia e imponha sanções à empresa em toda a UE.

Os outros grupos parlamentares e a presidente do Parlamento Europeu ainda não comentaram as alegações.

Porém, os eurodeputados referidos pedem um inquérito urgente sobre o escândalo, entre os receios de que candidatos políticos de seis países da UE, incluindo a França, a Bélgica, a Polónia, os Países Baixos e a Hungria, possam ter sido pagos para fazer propaganda pró-Kremlin.

O eurodeputado Maximilian Krah, do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), pronunciou-se depois de ter sido associado à “Voz da Europa”, afirmando que, apesar de ter dado entrevistas à empresa, não beneficiou financeiramente.

“Não há nenhuma alegação específica de que eu tenha sido pago para qualquer uma delas”, disse Krah, na rede social X, acrescentando: “Isto mostra o que pensar da atual campanha: Nada!”

Petr Bystron, segundo candidato na lista da AfD às eleições para o PE, nega as alegações de que terá recebido dinheiro da rede pró-russa “Voz da Europa”, para divulgar informações pró-russas, e afirma que as alegações de que recebeu 25 mil euros fazem parte de uma “campanha de difamação”. Porém, o cabeça-de-lista da AfD ao Parlamento Europeu, Maximilian Krah, sugeriu que Bystron suspenda a sua campanha até que as alegações contra ele fossem esclarecidas.

E o copresidente da AfD, Tino Chrupalla, minimizou as alegações no parlamento alemão, a 9 de abril: “A presunção de inocência também se aplica a Petr Bystron. Estamos a falar de suspeitas, de alegações. Atualmente, não existem provas ou indícios disponíveis. Por conseguinte, aplica-se a presunção de inocência. A partir de agora, acreditamos mais na palavra de Peter Bystron”, acrescentou o colíder.

O politólogo alemão Wolfgang Schroeder, considerando que o escândalo não afetará o partido nas próximas eleições, declarou à Euronews: “O AfD tende a sair fortalecido de situações de conflito como esta. Não é a primeira vez que isso acontece. Eles desenvolvem uma espécie de cultura de vitimização. O AfD costuma dizer: ‘Vocês só querem eliminar um concorrente forte, estão a jogar com as cartas erradas e não há provas’.”

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Estamos num tempo em que parece que vale tudo para subverter a ordem internacional. Vendem-se armas, gera-se informação e contrainformação, de acordo com os interesses e com os objetivos ou ambições, subornam-se pessoas bem colocadas (que se deixam subornar), as instituições democráticas são pasto de deslealdades e de traições, a diplomacia é contrariada por meios subterrâneos. Enfim, brita-se a coesão dos diversos blocos de países. Faz-se a guerra de muitos modos. Pontifica a propaganda ilegítima e subversiva. As democracias estão em Perigo. Precisa o concerto das nações de lisura e de honestidade.

2024.04.12 – Louro de Carvalho

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