terça-feira, 9 de abril de 2024

O estado de (des) graça do governo da nova AD

 

No seu discurso de posse, o primeiro-ministro (PM) enfatizou que as últimas eleições mostraram a vontade do povo na mudança política, que o governo cumprirá, focado na “resolução dos problemas das pessoas e na promoção do interesse nacional”, cuidando do que é de todos.

Luís Montenegro prometeu colaboração com todos os órgãos de soberania, no contexto de “dois focos de guerra internacional” e do “desafio de executar o mais volumoso plano de investimentos” desde a adesão à União Europeia (UE), contra “um elevadíssimo nível de pobreza” e com o Estado a não responder adequadamente aos cidadãos no acesso aos bens essenciais. E o governo, que garantirá a humildade, o espírito patriótico e a capacidade de diálogo, que se exigem de todos, está “para governar os quatro anos e meio da legislatura”.

A partir daqui, surgem ambiguidades. O governo, não está interessado “em jogos de semântica ou em politiquices estéreis”, nem em “ fazer apenas o mais ‘fácil’, mesmo que esse ‘fácil’ seja ironicamente assim considerado por quem não teve nem capacidade nem vontade de o fazer”. Eis uma crítica subliminar ao desempenho governativo do Partido Socialista (PS) nos 22 anos dos últimos 28 (porquê 28?)!

Quer o PM que as oposições respeitem “o princípio de nos deixarem trabalhar”, não pela adesão ao programa do governo, mas pelo não “bloqueio” (expressões cavaquistas no tempo do desgaste da sua reiterada maioria absoluta) à sua execução, ou seja, permitindo “a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura”. É o recado ao PS, o qual, apesar da sua legitimidade de “fiscalizador da ação do governo” e de “alternativa futura”, deve ser claro, quanto à sua atitude de “oposição democrática” ou de “bloqueio democrático”.

Depois, o chefe do governo reiterou as promessas eleitorais da Aliança Democrática (AD), desvalorizando o superavit orçamental e contrariando a eventual dinâmica da “reivindicação desmedida e descontrolada de despesas insustentáveis” ou a ideia de que o país não precisa de “mudar estruturalmente” a economia e o Estado.

Duas áreas foram especialmente destacadas: o combate à corrupção; e a juventude e o combate à burocracia. O combate à corrupção, que é nacional, “deve mobilizar todos”. O governo “tem propostas ousadas e inovadoras nesta matéria”, mas “há propostas apresentadas pelos vários partidos parlamentares que merecem ser igualmente estudadas, discutidas e consideradas”, pois “ninguém tem o monopólio das melhores soluções”. Assim, propõe a todos os partidos com assento parlamentar a abertura do diálogo para fixar uma agenda ambiciosa, eficaz e consensual de combate à corrupção, a fim de que, passados dois meses, haja “uma síntese de propostas, medidas e iniciativas que seja possível acordar e consensualizar”, a que se seguirá a legislação.

Quanto à juventude e ao combate à burocracia, o PM referiu a criação de “um novo ministério que visa dar a esses dois temas um tratamento transversal no governo”. O combate à burocracia é “imperativo de eficácia do Estado” na relação com os cidadãos e “elemento de competitividade económica” e “política de combate à corrupção”. Por outro lado, “o Estado tem de comunicar melhor e mais eficazmente com os cidadãos e as empresas e também tem de comunicar melhor e mais eficazmente dentro de si próprio”, diz o novel chefe do governo.

Ainda quanto à juventude, o PM denuncia a emigração de um terço dos jovens altamente qualificados como “um flagelo familiar, social e económico”, o que exige atuação conjugada e transversal para dizer aos jovens que acreditem no seu país.

Para tudo, Luís Montenegro diz contar com todos: partidos, autarquias locais e regiões autónomas, parceiros sociais e concertação social, instituições sociais e associativas, ordens profissionais e associações socioprofissionais. Conta com os parceiros na UE, com os aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), com os irmãos da lusofonia. Conta com todos, todos, todos os Portugueses (até citou o Papa, como convém) – os que vivem no território e os da diáspora, enfim todas as comunidades espalhadas pelo Mundo. Conta, enfim, com “a alma portuguesa”, que o “poeta herói e figura do Dia de Portugal eternizou”.

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Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, que dissera que não alinhar numa coligação negativa para inviabilizar o programa do governo, pois não dispõe de maioria à esquerda como alternativa, reagiu ao discurso do líder do governo, acusando-o de se autovitimizar e de querer vincular a prometida não rejeição do programa à execução das respetivas medidas. Com efeito, o partido que lidera não pode seguir um programa político de que discorda. Aliás, a vitória eleitoral da AD foi ténue e o número de mandatos parlamentares do PS iguala o dos mandatos do Partido Social Democrata (PSD). Por isso, o PS não será a muleta do executivo. E o que se impõe é a negociação. O exemplo surgiu logo no procedimento da eleição do presidente da Assembleia da República (AR), cujo desfecho, por não ter havido negociação prévia, ocorreu depois de o PS tomar a iniciativa de um acordo institucional entre PSD e PS, que resultou na presidência da AR bipartida entre os dois grandes partidos na corrente legislatura.

O PS, que tem reiterado que será o líder da oposição ao governo, que não à AR, nem ao país, parece apostado em marcar a agenda com iniciativas de diálogo, desde logo disponibilizando-se para um acordo com vista a eventual orçamento retificativo para satisfazer as respostas comuns a reivindicações de alguns grupos profissionais. Nesse sentido, o secretário-geral enviou, a 8 de abril, ao PM uma carta com vista a um acordo que abrange “um conjunto de matérias sobre as quais existe um amplo consenso político e partidário”, como a “valorização das carreiras e dos salários dos trabalhadores da Administração Pública, em especial dos profissionais de saúde, das forças de segurança, dos oficiais de justiça e dos professores” – que podem ter de passar por um orçamento retificativo. Porém, a disponibilidade para esse acordo pressupõe a “negociação prévia com as organizações representativas dos trabalhadores” e, desejavelmente, o timing de 60 dias, ou seja, ainda antes do fim do período de funcionamento da AR, em julho deste ano.

Luís Montenegro respondeu, de imediato, louvando a disponibilidade do PS, mas afirmando que o tempo e as condições do acordo serão definidos pelo governo, que liderará as negociações.

Entretanto, Pedro Nuno Santos explicou, também a 8 de abril, em entrevista à TVI/CNN Portugal que o PS e a AD têm “posições próximas” quanto aos aumentos salariais e às progressões na carreira na Administração Pública, mas rejeita alargar tal consenso ao Orçamento de Estado (OE). “O que fizemos hoje foi enviar uma carta que concretiza uma intervenção pública que eu já tinha tido. É uma matéria de largo consenso durante a campanha eleitoral. Há posições próximas e queremos fazer parte delas. Há um governo que quer governar e estamos na oposição disponíveis para resolver problemas”, precisou o líder socialista.

Para o líder da oposição, o OE “é o documento que declina um programa de governo”. Assim, as matérias consensuais não devem estar no OE, mas devem ser discutidas de forma autónoma, pois são apoiadas por quase todos os partidos. “O OE retificativo deve ter estas medidas”, referiu o líder socialista, sustentando que a “visão do PS para o país é muito diferente da AD”.

“Se Governo quiser resolver problemas desses profissionais, deve-o fazer antes do OE. O OE é mais do que isso. Não queremos votar a favor de matérias das quais discordamos. O OE não é uma soma de medidas, traduz uma visão e uma estratégia para o país. O próprio líder da AD fala numa mudança, que é uma mudança em relação à visão do PS”, reforçou, sacudindo dos ombros a responsabilidade da estabilidade governativa.

Vincando que interessam ao país as políticas implementadas, questiona o conceito de estabilidade, para discutir que tipo de estabilidade (por exemplo, a de um programa de que se discorda). Ora, como houve muita gente a celebrar viragem à direita, “não se pode esperar que seja o PS a garantir estabilidade”, que não pode votar contra aquilo em que acredita. O PS lutará pela sua visão do país e não vais deixar o Chega ficar com a liderança da oposição. “A AD está mais próxima do Chega do que o PS”, atirou, para garantir: “O nosso compromisso é com o que apresentámos.”

Reiterando que não aprovará moções de rejeição nem de confiança e, avisando o governo para não se “meter em becos sem saída”, acusou a AD de ter respondido à carta do PS com a “arrogância que carateriza Luís Montenegro”. 

Comentando o resultado das eleições legislativas, disse que o risco de derrota “era elevado” e que toda a gente está “a prazo”, mas frisou que o PS está a trabalhar para ganhar as eleições europeias.

Diz que Miguel Albuquerque, na Madeira, “não inspira confiança” e que a região precisa de uma mudança, nomeadamente para diversificar a economia.

Questionado sobre se o PS está a fazer oposição a dois partidos, clarificou que o seu partido é oposição ao governo e que André Ventura é só “o chefe da confusão”. E defendendo que governar em duodécimos seria negativo, sustentou que “é um ganho para o país ter as contas equilibradas”. 

Garante que vai opor-se, na AR, à privatização da TAP e pediu celeridade na tomada de decisão sobre a localização do aeroporto, adiantando que “Alcochete é a localização mais consistente” e que, tendo por base o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), não lhe parece que Santarém seja a melhor escolha. 

Referiu que o caso que envolve o ex-PM é matéria que “tem de ser clarificada com urgência” e que António Costa daria um grande líder de instituições europeias. Por outro lado, defendeu o combate à corrupção “sem populismo”. “Não é um combate do Chega nem da extrema-direita, é um combate de todos”, vincou.

Pedro Nuno Santos considerou que uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), como quer o Chega, nada iria acrescentar sobre o caso das gémeas.

E, sobre o livro apresentado, a 8 de abril, por  Passos Coelho, o líder do PS disse que as vitórias que a sociedade conquistou “têm de se preservar” e acusa “a direita tradicional” de integrar “discursos do Chega” e de “bandeiras da extrema-direita”. “A esquerda e o PS não impõem visões ideais de família. É assustador que um ex-PM tenha alinhado neste discurso”, rematou.

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O líder do governo dança nos tabuleiros da inclusão e do diálogo social, como nos do protagonismo e da arrogância e como nos da humildade e sentido de aprender com todos ou nos das medidas economicistas ao gosto do setor privado, sob os aforismos de “menor, mas melhor Estado” e de “as pessoas, primeiro”.

O consenso sobre o combate à corrupção está feito. As nossas leis são mais do que suficientes. Basta que se cumpram. Talvez seja necessário alterar o Código do Processo Penal, de modo a evitar a abundância dos megaprocessos e dos expedientes dilatórios (em nome das garantias), bem como a admissão de mais formas de prova indireta. Este furor justiçoso em relação à corrupção justifica-se, em parte, por ser a bandeira assaz agitada pelo Chega no período pré-eleitoral.

Ao tomar iniciativas de bandeira, o PS, pode estar, se não tiver cuidado, a colar-se à AD e a lesar o desígnio das contas certas, sem que fiquem satisfeitas as aspirações dos diversos grupos profissionais, das empresas e do setor solidário.

Decididamente, baixar os impostos, como prometido, e, ao mesmo tempo, cumprir o desígnio do Estado social de que precisa a população, doente, empobrecida e envelhecida, e, ainda, satisfazer as reivindicações de todos os setores da Administração Pública será milagre que o governo não fará. Modus in rebus! É mais facial mudar logótipos que lesem algumas ideologias, sobretudo à direita. A este propósito, lamento a pressa na substituição do logótipo do papel timbrado da República Portuguesa. Não me comove a arte visual, inclusiva e laica do anterior, mas não tenho saudades de ver as quinas e os castelos no papel, desde que os não tirem da bandeira, pois a Constituição (no artigo 11.º) estabelece como um dos símbolos nacionais a Bandeira Nacional “adotada pela República instaurada pela Revolução de 5 de outubro de 1910”.

2024.04.08 – Louro de Carvalho

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