domingo, 21 de abril de 2024

Dois países europeus são alimentados a 100% por energias renováveis

De acordo com os dados da Agência Internacional da Energia (AIE) e da Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA), atualmente, sete países, dois dos quais europeus, produzem, praticamente, 100% da sua eletricidade a partir de fontes renováveis.

Na verdade, mais de 99,7% da eletricidade na Albânia, no Butão, na Etiópia, na Islândia, no Nepal, no Paraguai e na República Democrática do Congo provém de energia geotérmica (a partido calor existente no seio da Terra), hídrica (barragens nos cursos de água), solar (utilizando o calor do Sol) ou eólica (a partir da força do vento). A Noruega aproximou-se destes países, com 98,38% da sua energia proveniente do vento, da água ou da energia solar, segundo os dados compilados pelo Professor Mark Jacobson, da Universidade de Stanfor.

Outros 40 países obtiveram, pelo menos, metade da sua eletricidade a partir de energias renováveis, em 2021 e em 2022, incluindo 11 na Europa. Outros, como a Alemanha ou Portugal, são capazes de funcionar com 100% de energia eólica, hídrica e solar durante curtos períodos de tempo.

Nos termos do último Relatório Eólico Global da associação comercial do setor, o Conselho Global de Energia Eólica (GWEC), 2023 foi o melhor ano de sempre, para a instalação de energia eólica. Com efeito, nesse ano, o Mundo instalou mais 116 gigawatts (GW) de capacidade de energia eólica, um aumento de 50%, em relação a 2022, o que faz de 2023 o melhor ano de sempre para novos projetos eólicos. Foi a China a liderar a instalação eólica offshore e onshore, seguida pelos Estados Unidos da América (EUA), pelo Brasil e pela Alemanha. Porém, devido ao forte crescimento nos Países Baixos, a Europa também teve 2023 como um ano recorde, com 3,8 GW de nova capacidade eólica offshore.

O relatório observa que, embora o crescimento da energia eólica esteja altamente concentrado em alguns grandes países, outras regiões e nações registaram um crescimento recorde. A África e o Médio Oriente instalaram quase um GW de capacidade de energia eólica, em 2023, quase o triplo do ano anterior. E sustenta que o Mundo está “a avançar na direção certa no combate às alterações climáticas”. No entanto, segundo os autores do relatório, o crescimento anual deve ser de, pelo menos, 320 GW, até 2030, para se cumprir o compromisso, assumido na COP28, de triplicar as energias renováveis, até ao final da década.

“É ótimo ver a retoma do crescimento da indústria eólica e estamos orgulhosos por termos atingido um novo recorde anual”, vincou Ben Backwell, CEO da GWEC. “No entanto, muito mais precisa de ser feito para desbloquear o crescimento”, advertiu.

Embora muitos destes países utilizem atualmente uma grande quantidade de energia hidroelétrica ou eólica, os especialistas preveem que a energia solar poderá vir a assumir-se como uma fonte importante num futuro próximo. A tecnologia melhorou e os custos estão a baixar rapidamente. Com efeito, a energia solar dominou a expansão da capacidade das energias renováveis, em 2023, representando 73% de todo o crescimento, seguida da energia eólica, com 24%. Atualmente, representa 37% da capacidade total de energia renovável do Mundo. E um estudo de 2023, da Universidade de Exeter e da University College London, prevê que a energia solar atingirá um “ponto de viragem irreversível”, tornando-se a principal fonte de energia do Mundo, até 2050.

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Não obstante, a energia eólica deve ser incrementada em terra e no mar.

Felix Henseler, Diretor Executivo da ZF Wind Power, líder mundial no fabrico de caixas de velocidade para turbinas, falando da importância desta fonte de energia, considera que a questão não está na produção de turbinas eólicas de maiores dimensões do que as habituais. “Do ponto de vista geral, logístico ou de design, não é um problema produzir algo maior. Temos aqui uma turbina de 7,2 megawatts (MW). Podemos aumentar para 15 MW ou mesmo para 18 MW. Mas temos de manter esta dimensão para industrializar e otimizar os processos, para evitar todos os erros que possam existir, para garantir que tudo está correto em termos de qualidade, para reduzir os custos de produção, para reduzir os custos de qualidade, os custos de falhas”, explicou, acrescentando: “Estas máquinas são grandes e, por isso, são altamente eficientes. São máquinas de alta tecnologia, estão perfeitamente preparadas para a próxima década. Para atingir os nossos objetivos, não há necessidade de uma máquina maior, nem em terra, nem mesmo em alto mar.”

Para acelerar o desenvolvimento da indústria eólica, a União Europeia (UE) lançou um pacote de medidas para o setor.

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A indústria eólica europeia é uma “história de sucesso” notável, segundo Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que, em setembro de 2023, ao proferir o seu último discurso sobre o Estado da União, em Estrasburgo, saudou os progressos realizados na frente renovável.

“Desde os anos 80, a energia eólica tem vindo a assumir crescente importância na produção de eletricidade na Europa. Desde a construção dos primeiros parques eólicos, no final do século XX, a energia eólica forneceu 17% do consumo total de eletricidade da Europa, em 2022. Porém, [a indústria] enfrenta, atualmente, uma combinação única de desafios”, advertiu, acrescentando: “É por isso que vamos apresentar um pacote europeu para a energia eólica, trabalhando em estreita colaboração com a indústria e os Estados-Membros.”

O novo pacote é acompanhado de promessas fundamentais para desbloquear a energia eólica da UE. E a presidente da Comissão prometeu acelerar mais o processo de licenciamento, melhorar os sistemas de leilão, em toda a UE, e concentrar-se nas competências, no acesso ao financiamento e em cadeias de abastecimento estáveis.

“A energia eólica é talvez a tecnologia mais importante para a descarbonização da Europa, sendo, em muitos países, a mais barata e, potencialmente, a maior fonte doméstica de eletricidade que pode substituir os voláteis combustíveis fósseis importados”, disse Paweł Czyżak, analista sénior de dados sobre energia e clima do grupo de reflexão Ember.

A Dinamarca, a Alemanha e o Reino Unido lideraram historicamente a transição para a energia eólica e continuam a ser potências no setor. De acordo com os dados do grupo do setor WindEurope, a Dinamarca ocupou o primeiro lugar, em 2022, com a maior contribuição da energia eólica para o consumo de energia (55%). A Irlanda ficou em segundo lugar (34%), o Reino Unido em terceiro (28%) e a Alemanha em quarto (26%).

No atinente às próximas instalações, a Alemanha continua a liderar, embora outros países estejam a recuperar do atraso. A Suécia e a Finlândia estão a ultrapassar a Alemanha, na energia eólica terrestre, e o Reino Unido é, de longe, o mercado mais forte para a energia eólica marítima.

Uma razão para o bom desempenho destes países é o facto de terem leis estáveis e objetivos claros para a energia eólica. “A principal lição que eu tiraria de países como a Dinamarca, a Alemanha e o Reino Unido é que é preciso ter uma estratégia clara e estável e objetivos ambiciosos. Depois, é preciso alinhar todas as outras políticas, o ordenamento do território, o licenciamento, o planeamento da rede, etc., com esse objetivo”, afirmou Czyżak, apontando países, como a Letónia, com grande potencial para a energia eólica, mas sem objetivos para a tornar realidade.

A Itália também tem dificuldades, porque o seu processo de licenciamento confere às autoridades poderes de veto. Para Christoph Zipf, porta-voz da WindEurope, esta situação leva, não raro, ao cancelamento de projetos e a um ambiente de incerteza para os promotores.

Segundo Po Wen Cheng, diretor de energia eólica da Universidade de Estugarda, além da política, uma forte presença industrial pode ajudar a impulsionar o desenvolvimento da energia eólica; países como a Alemanha, a Dinamarca e a Espanha têm forte indústria transformadora, com muitas empresas especializadas na produção de turbinas eólicas e outras tecnologias relacionadas; e os Países Baixos e a Bélgica, têm forte indústria de operações marítimas e offshore, o que levou ao desenvolvimento de novas tecnologias para a energia eólica offshore.

A inovação na tecnologia eólica flutuante – com turbinas não fixas ao fundo do mar – também abriu novas e mais profundas águas, abrindo a porta a mais energia eólica em países como Portugal, Espanha e Grécia. Entretanto, de acordo com Czyżak, países como a Bulgária, a Roménia, a República Checa e a Letónia precisam de ser colocados no mapa do desenvolvimento e de obter mais reconhecimento. Efetivamente, em sua opinião, segundo o que a indústria diz nesses países, é difícil chamar a atenção, atrair investidores e obter financiamento. Com tantos estrangulamentos no licenciamento em alguns dos maiores atores, como a Alemanha, seria bom utilizar o potencial onde não está a ser utilizado e onde não há tanto congestionamento da rede.

É vital que todos os países os seus Estados-membros participem, para que a UE possa cumprir o seu objetivo de energia renovável para 2030. “O bloco precisa de acrescentar, pelo menos, 50% mais capacidade anual ao previsto – 31 GW em vez de 19-20 GW. Isto só é possível se os países que ainda não utilizaram todo o seu potencial, como a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia e a Bulgária, acelerarem o seu empenho e instalarem grandes quantidades de energia eólica offshore”, adverte Czyżak. De acordo com a WindEurope, a UE corre o risco de falhar o seu objetivo para 2030. Para que o atinja, os países têm de instalar mais de 30 GW, por ano, até 2030. Em 2022, entraram em linha 16 GW e prevê-se que continuaremos aquém do objetivo.

Para desbloquear verdadeiramente o potencial da energia eólica, os países da UE, mesmo os que estão a ter bons resultados, precisam de resolver os longos processos de licenciamento. Isto só se tornará mais importante à medida que as turbinas chegarem ao fim da sua vida útil e tiverem de ser trocadas por novas – o chamado repowering.

Os países europeus também precisam de investir nas suas redes elétricas para evitar que as energias renováveis sejam rejeitadas, devido à falta de capacidade. Ainda na Páscoa de 2023, a empresa de energia checa teve de desligar centenas de painéis solares, depois de terem produzido mais energia do que a rede podia suportar.

“O investimento na rede tem-se atrasado frequentemente em relação à produção de energias renováveis. Isto criou uma acumulação de projetos à espera de ligação à rede, o que resultou em atrasos e perda de receitas para os operadores de energias renováveis”, afirma Po Wen  Cheng.

Estes fatores e a falta de aceitação pública levam a que muitos países se concentrem no offshore, mas a energia em terra será necessária, para a Europa reduzir a sua dependência dos combustíveis fósseis. A Europa percorreu longo caminho desde a década de 1980, transformando a sua indústria eólica num contribuinte significativo para a sua rede elétrica, mas tem longo caminho a percorrer, num tempo cada vez mais curto, para atingir os seus objetivos para 2030.

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É preciso diversificar e multiplicar – ao máximo – as fontes de energia e os seus pontos de localização (solo, subsolo, mar, cursos de água, lagos, mares, etc.). Depois, há que prover a formas de compensação de interrupções temporárias nas fontes de energia renováveis (por exemplo, falta de incidência dos raios solares e falta de vento ou da sua intensidade), aumentando a capacidade de armazenamento e, no caso do vento, a capacidade de produção com vento pouco intenso.  

Por fim, há que tirar partido da produção de energia, a partir de material orgânico, o que se denominava de biomassa. Seria mais uma fonte de energia e minimizaria a praga incendiária.

Tudo tem custos, mas, quanto maior for a diversidade e a abundância de recursos, mais económica se torna a produção e a distribuição de energia. E não é necessário operar a transição energética e superar as alterações climáticas? Que dirá a isto a ministra do Ambiente e Energia?      

2024.04.20 – Louro de Carvalho


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