quarta-feira, 17 de abril de 2024

Ambiguidade das nove prioridades do governo a curto prazo

 

O governo, aprovado que foi o seu programa, em Conselho de Ministros, a 10 de abril, e debatido, na Assembleia da República (AR), nos dias 11 e 12, tem, agora, para execução, o seu principal instrumento de governação para a XVI Legislatura. Com efeito, apesar das críticas das diversas bancadas da oposição, a AR deixou passar o Programa do XXIV Governo Constitucional.

Foram apresentadas moções de rejeição pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Bloco de Esquerda (BE). Porém, só o BE, o PCP e o Livre votaram a favor; o Partido Socialista (PS) absteve-se nas duas votações; e, é claro, a AD e partidos mais próximos das suas posições programáticas votaram contra.

Ao longo de 11 horas de dois dias, o Executivo deixou claras quais as prioridades e as medidas que pretende implementar com maior brevidade, de acordo com o programa eleitoral da Aliança Democrática (AD), que venceu as eleições de 10 de março.

Logo no arranque do debate no Plenário, o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, elencou as medidas que julga mais urgentes.

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A primeira, que havia de suscitar, para breve, uma proposta de lei, é a introdução da descida do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) até ao oitavo escalão, que proporcionará, para 2024, a “diminuição global de cerca de 1500 milhões de euros nos impostos do trabalho dos Portugueses, face ao ano passado”.

Foi a Iniciativa Liberal (IL) que desmontou o equívoco de que 1326 milhões já estavam inscritos no Orçamento para 2024 (OE 2024), da iniciativa do PS, restando à AD presentear os contribuintes com apenas 174 milhões (12%). Neste apontamento, a oposição acompanhou a IL. 

Alguns observadores criticaram o facto de o ex-ministro das Finanças, ora deputado, não ter levantado a questão, por saber do conteúdo do OE 2024, tendo a iniciativa partido da IL, um pequeno partido. É obvio que, segundo a dinâmica da AR, as intervenções não são à vontade dos deputados, são saindo do controlo da direção dos grupos parlamentares e/ou dos líderes partidários. Ora, nem Pedro Nuno Santos (líder do PS), nem Alexandra Leitão (presidente do grupo parlamentar do PS) tiveram responsabilidades diretas no OE 2024.

Este equívoco levou o PS, a requerer um debate urgente para 17 de abril, no Plenário, a fim de que o governo desse a conveniente explicação. Daí não resultou nada de novo. O ministro de Estado e das Finanças (MEF), que se deslocou a Washington para uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), fez-se substituir pelo ministro dos Assuntos Parlamentares (MAS). E mais do que arrancar uma explicação do governo, que manteve a linha equívoca da promessa eleitoral, a oposição perdeu-se em questões laterais, como a ausência no debate do PM e do MEF, esquecendo a solidariedade governamental, que legitima o MAS na AR. Contudo, o governo foi questionado sobre o quantitativo global que fixará e se proporá orçamento retificativo.  

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Outra prioridade é a revogar medidas do “Mais Habitação” e apoiar os jovens na compra de casa.

Assim, o PM vai propor a revogação da medida que prevê o arrendamento forçado, que faz parte do pacote “Mais Habitação”, aprovado pelo anterior governo de maioria socialista, e prometeu promover a compra de primeira habitação pelos mais jovens, através da isenção do imposto municipal sobre a transmissão de imóveis (IMT) e do imposto de selo (IS), bem como de um mecanismo de garantia pública que permita o financiamento bancário a 100% do valor do imóvel.

Está, obviamente, no seu direito, mas resta saber como resolve o problema da falta de habitação acessível a todos, se não insta ao arrendamento, pois não basta contar com a generosidade dos privados. Convém saber se o novo surto de construções em marcha, embora aumente o número de casas disponíveis, promoverá o acesso de todos à habitação. Do meu ponto de vista, as facilidades previstas para os jovens deveriam ser dadas em conformidade com as diversas situações. Percebo que o IRS dê alívio especial aos jovens, pois, no início de vida laboral, o rendimento é exíguo. Porém, a isenção do IMT e do IS para jovens pode ter efeito perverso. Na verdade, muitas das casas adquiridas por jovens são adquiridas pelos pais, que têm possibilidades económicas. A isenção devia ser para as verdadeiras carências, independentemente da idade.      

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Luís Montenegro garantiu que eliminará a suspensão de licenças para alojamento local (AL), bem como a proibição da transmissão ou/e a eliminação da contribuição adicional dos proprietários. Ora, em contraponto, é de salientar que o AL, nem sempre em condições condignas, é um dos inimigos da acessibilidade à habitação, a par do surto especulativo. Por outro lado, os proprietários adorarão a eliminação da contribuição adicional.  

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Outro anúncio do governo é a intenção de convocar os parceiros sociais para discutir um novo acordo de Concertação Social (CS) que “consagre o reforço dos rendimentos e da produtividade dos trabalhadores”. Se aí estiver inserida a discussão sobre o aumento efetivo do salário médio, a medida é de saudar, mas sendo de exigir que o Estado a siga no aumento do salário médio dos seus trabalhadores. Aliás, os acordos de CS devem ser objeto de revisões periódicas. Porém, não sei se o governo não tentará beliscar a Agenda do Trabalho Digno, convertida em lei, ora em vigor, dada a pressão das entidades patronais.

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O PM garantia que, nos dez dias seguintes, as respetivas tutelas iniciariam conversações com os sindicatos dos professores e com as associações sindicais das forças de segurança. A primeira reunião com os representantes das forças de segurança ocorreu já na tarde do dia 12 e o Ministério da Administração Interna revelou, entretanto, que fora marcado novo encontro para 22 de abril.

É de anotar que a escola pública precisa não só de colmatar a episódica falta de professores, mas de atrair muitos mais profissionais à docência e de valorizar a carreira docente. Para tanto, há que incrementar a formação inicial, diversificar as modalidades de formação (por exemplo, facultando formação pedagógica a outros titulares de mestrados técnicos e/ou científicos), garantir a formação contínua, sem a atrelar à avaliação do desempenho docente (ADD), aumentar os salários, desburocratizar e autonomizar o trabalho docente e, sobretudo, repor o respeito pela autoridade dos professores. O ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI) prometeu um plano de emergência para resolver a falta de professores, mas não deixou pistas.

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O chefe do governo prometeu aprovar, para breve, a criação da “conta-corrente entre a administração tributária e as empresas”, que alargará, depois, a toda a administração central, a par de um programa que levará o Estado a pagar a 30 dias aos seus fornecedores. É boa intenção, mas difícil de levar a bom termo. Como vai o executivo arranjar dinheiro, se o não tiver, já que não pode emitir moeda e a cobrança de impostos tem os seus calendários? 

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Luís Montenegro avançará com medidas para acelerar a execução dos fundos europeus e disse que Portugal pedirá a Bruxelas, nos próximos 90 dias, o quinto cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Quer reforçar combate à fraude e à corrupção na aplicação dos fundos europeus e já assinou despacho para abrir concurso, a fim de reforçar em 60% o número de inspetores especializados. E garantiu que irá “criar condições” para que Portugal possa solicitar os 800 milhões de euros do PRR que foram retidos em Bruxelas, por incumprimento de metas.

O PM sabe que, para obter os ditos cheques, é necessário garantir a execução física e financeira dos projetos aprovados, o que implica a conclusão de obra, a expurgação de fraude e de corrupção, a diminuição da burocracia desnecessária e o fluir da legislação necessária. Esta é a pedra de toque em todos os governos: a complexidade dos projetos, a falta de fiscalização e o peso da burocracia. E onde estava o principal partido da AD nas legislaturas anteriores?

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O PM prometeu reuniões com os diversos grupos parlamentares, para calendarizar encontros que “lançarão o diálogo em matéria de combate à corrupção”. É caso para perguntar se o diálogo não se faz aquando do debate na AR, como acentuou o ministro da Presidência, em relação ao diálogo sobre o Programa do Governo, ou se é suposto haver diálogo prévio ao debate parlamentar, o que negou o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (MEFE).  

É óbvio que o diálogo prévio sobre matérias complexas e sobre as que exigem aprovação por maioria qualificada é uma necessidade. Com efeito, nem os deputados têm inteira liberdade de intervenção no Plenário, muitos não têm capacidade técnica para o debate, as propostas e os projetos de lei são objeto de guião de votação e os grupos parlamentares dão indicação de voto. Contudo, é de perguntar para quê a ronda de diálogo sobre corrupção, se não for para alterar o Código do Processo Penal (CPP) e para penalizar criminal e civilmente empresas que escondam capitais em paraísos fiscais, bem como para penalizar empresas portuguesas que passem a ter sede em países estrangeiros.      

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E, devido às “falhas graves” identificadas na distribuição de computadores, Montenegro anunciou que as provas de aferição de 9.º se realizarão em papel, “de forma excecional”, neste ano.  O objetivo é garantir a “igualdade de oportunidades” entre alunos, pois segundo o PM, “13639 alunos não receberam o kit digital” prometido. É a velha questão: além de distribuir material, é necessário dotar as escolas de material suplente, velar pela manutenção e pela reparação, garantir que os alunos levantem o material e que haja técnicos que apoiem o funcionamento, a manutenção e a reparação. Porém, essa é a reforma total que ninguém faz.

Por outro lado, é questionável se as provas devem ser feitas em suporte digital. Primeiro, o abuso de material digital no ensino, remetendo para o lixo o material em papel, revela-se nefasto. Segundo, é prematuro prestar provas em suporte digital no ensino básico (do 1.º ano ao 9.º). E, por último, mesmo no 11.º ano e no 12.º, o ambiente de exame recomendaria as provas em suporte de papel. As provas em suporte digital justificam-se, quando trabalhamos em casa, no escritório, na oficina. Em tempo de reflexão, talvez seja melhor a caneta e o papel. 

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Não se pode sustentar que o governo já perdeu a credibilidade ou minou a sua relação de confiança com os Portugueses, como asseverou Alexandra Leitão. Porém, na campanha eleitoral, a AD anunciava “enorme” alívio fiscal “sem truques”. E, na apresentação do cenário macroeconómico da AD, o atual ministro da Presidência disse, “para que não restassem dúvidas sobre as suas prioridades, que ‘a redução de IRS é mais do dobro da redução da carga fiscal em IRC’ [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares]”. Ora, o cenário macroeconómico da AD era “irrealista, irresponsável e fantasioso”, sendo “o aproveitamento propositado de uma ambiguidade voluntária é, de facto, um embuste”, como refere o PS, para que este é um “governo que, ora utiliza da arrogância, quando diz que os outros estão todos errados”, ora “se faz de vítima para mascarar a sua própria incompetência para governar”.

Além disso, é de questionar se a prioridade do governo é o desagravamento fiscal para as grandes empresas e não para os trabalhadores, ao invés do que afirmou na campanha eleitoral.

O programa é ambíguo e o timing das prioridades – “para breve”, “60 dias”, “próximas semanas”, 90 dias” – dá a sensação de que o governo pode não dispor de tempo para as reformas, isto é, para reverter as medidas de que não gosta, pois a dissolução da AR pode estar à espreita. Uma reforma da Saúde não se giza em 90 dias, como prometido, a não ser que se restrinja a engrossar o setor privado, no pressuposto de errado que tem condições de resposta a todas as franjas da população.

E uma AD que tanto criticou o PS pelos casos e casinhos bem podia ter cuidados mais de um escol de governantes e demais figuras de topo com inteira libertação de constas com a Justiça, com despego de empresas suas e/ou de familiares próximos, do setor desportivo e das diversas promiscuidades criticáveis, bem como hábeis e disponíveis para comunicar. Afinal, fica a perceção de que são todos muito parecidos. Têm é de aguardar a sua vez.     

2024.04.17 – Louro de Carvalho

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