terça-feira, 16 de abril de 2024

Investigação a António Costa passa do STJ para o DCIAP

 

A 11 de abril, poucos dias depois do novo governo assumir funções – primeiro-ministro e ministros, a 2 de abril, e secretários de Estado, a 5 de abril –, o caso que envolve António Costa, ex-primeiro ministro (ex-PM), desceu do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), mas será processo autónomo em relação às restantes investigações. A procuradora-geral da República, Lucília Gago, confirmou essa informação aos jornalistas, quando a interpelaram sobre a notícia avançada pela CNN Portugal.

A notícia foi, efetivamente, avançada pela CNN Portugal e confirmada ao Expresso pelo advogado de António Costa, João Lima Cluny: “Recebemos uma informação, que é diferente de uma notificação. Vou pedir mais informação para decidir o que fazer.”

O gabinete de imprensa da PGR também confirmou que “os autos que corriam termos no STJ desceram ao DCIAP”.

A própria procuradora-geral da República acabou por confirmar a informação aos jornalistas, à margem da tomada de posse da nova direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Já em meados de março, havia deixado em aberto essa possibilidade. Desta feita, inquirida sobre se a mudança do processo iria fazer atrasar a investigação, só adiantou que “essa matéria será analisada pelos magistrados do processo” e que não poderia dar mais informações concretas. “É o DCIAP, no entendimento dos magistrados titulares, o [foro] competente para assumir essa investigação.”

Sobre as declarações do Presidente da República (PR) de que desejava que a acusação fosse conhecida ainda antes das férias judiciais, Lucília Gago respondeu: “As informações judiciais tomam o tempo que é necessário para elas avançarem, naturalmente, com a eficácia desejável, mas tomando o tempo que é necessário para ultimar essas mesmas investigações.

José Duarte Silva, procurador coordenador do Ministério Público (MP) junto do STJ, entende que, pelo facto de António Costa haver perdido o estatuto especial de primeiro-ministro, o seu caso desce para a primeira instância, que investiga os outros arguidos da Operação Influencer, ficando, naturalmente, em pé de igualdade com os outros cidadãos.

O ex-PM é alvo, também, de outro processo que também estava a ser investigado no STJ, relacionado com uma queixa que Frederico Pinheiro, apresentou por difamação, e que, provavelmente, baixará para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.

António Costa, que recentemente pediu para ser ouvido rapidamente pela Justiça, tem sido um nome referido para uma candidatura à liderança do Conselho Europeu.

Segundo uma fonte judicial, num curto documento dirigido ao coordenador do MP no STJ, a defesa do antigo governante pediu que a audição seja feita o mais depressa possível, porque António Costa pretende acabar com a situação em que vive: é suspeito, sem poder esclarecer nada.

A defesa do ex-chefe do governo alegou que este já, por várias vezes, se disponibilizou para ser ouvido, mas como nunca foi chamado nem notificado de nada, pelo que decidiu, agora, apresentar um requerimento formal. A defesa pretende, ainda, fazer mais requerimentos e, se necessário, juntar provas ou documentos.

Em resultado da decisão do MP no STJ, António Costa passa a ser investigado pela equipa de três procuradores da Operação Influencer e segundo os quais há indícios de crime na conduta do ex-ministro João Galamba, do advogado Diogo Lacerda Machado, ex-conselheiro e amigo do ex-PM, e de Nuno Lacasta, que dirigia a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entre outros. João Galamba, que é arguido, esteve quatro anos sob escuta, mas não foi ainda ouvido, apesar de já ter pedido ao MP para o fazer.

Neste momento, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) tem em mãos um recurso do MP contra as medidas de coação decretadas por Nuno Dias costa, o juiz de instrução (JIC) do processo que, não só não atendeu ao pedido dos procuradores para colocar parte dos arguidos em prisão preventiva, como considerou “vagas” e “contraditórias” as suspeitas contra António Costa.

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Na semana em que o governo da Aliança Democrática (AD) tomou posse, o MP confirmou ter recebido o dito requerimento da defesa do ex-PM. Isto depois de este haver afirmado que pretendia ser ouvido, “com a maior celeridade possível”, pela Justiça portuguesa no âmbito da Operação Influencer.

Na verdade, como anunciou publicamente, na Antena 1, António Costa, no dia em que foi exonerado das suas funções de líder do governo, com a nomeação e tomada de posse de Luís Montenegro e dos ministros (a 2 de abril), pediu aos seus advogados que apresentassem requerimento junto do STJ para ser ouvido pelo MP, no âmbito da investigação de que é alvo e  que o levou a apresentar o pedido de demissão ao PR.

O ex-PM demitiu-se a 7 de novembro, depois de o seu nome ter sido citado num comunicado da Procuradoria-Geral da República sobre uma investigação judicial ao centro de dados de Sines e a negócios ligados ao lítio e hidrogénio, no âmbito da Operação Influencer.

A investigação incide sobre a exploração de lítio em Montalegre e em Boticas, ambas do distrito de Vila Real, com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, no distrito de Setúbal, e com o projeto de construção de um centro de dados (Data Center) na zona industrial e logística de Sines, pela sociedade Start Campus.

A operação levou à detenção do chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, do advogado Diogo Lacerda Machado, dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que o juiz colocou em liberdade após o primeiro interrogatório judicial. Além destes, há outros quatro arguidos no processo, incluindo o ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o presidente da APA, Nuno Lacasta, o advogado, antigo secretário de Estado da Justiça e ex-porta-voz do Partido Socialista (PS), João Tiago Silveira, e a empresa Start Campus.

António Costa surgiu, publicamente, associado a este caso e foi alvo da abertura de um inquérito no MP junto do STJ, situação que o levou a pedir a demissão.

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Esta situação convoca vários princípios e suscita algumas dúvidas.

É verdade que “todos os cidadãos são iguais perante a lei” e que “ninguém está acima da lei”. Também é verdade que “todo o cidadão tem direito à sua defesa”, que “é presumido como inocente até sentença condenatória transitada em julgado” e que “tem direito a ser informado atempadamente sobre os processos instaurados contra si e que não estejam em segredo de justiça”.  

Por outro lado, sabemos que “a Justiça tem o seu tempo”, não deve ser pressionada, perturbada e, muitos menos, coagida.

Já tenho dúvidas se é total e sempre válido o aforismo adotado por António Costa: “à Justiça o que é da Justiça e à Política o que é da Política”. Com efeito, parece-me que as questões políticas, mesmo que envolvam matéria para a Justiça, devem ser tratadas politicamente. Caso contrário, deveríamos considerar ilegítimas ou, pelo menos, abusivas, as comissões parlamentares de inquérito (CPI) e impedir que os operadores da Justiça tomassem medidas que ponham em causa o exercício da função legislativa e da função executiva do Estado.

É verdade que António Costa, formalmente, não foi expulso da governação. Porém, nem a procuradora-geral da República nem o PR se podem confessar alheios à demissão do ex-PM. A primeira sabia, de certeza (não é ingénua), que a publicação do chamado parágrafo letal do seu comunicado de 7 de novembro de 2023 teria consequências no funcionamento dos poderes políticos stricto sensu; e o PR, como teve capacidade para anunciar, a prazo, a dissolução da Assembleia da República (AR) e a aceitação do pedido de demissão do primeiro-ministro, poderia ter optado pela manutenção do PM à frente do governo ou evitado a dissolução da AR, com a nomeação de um governo da área política da maioria parlamentar de então. Porém, a opção – desejada ou aproveitada – foi outra. E o certo é que, estando sob suspeição, por si e pelo seu partido, deixou e ter condições políticas para continuar à frente de um governo que funcionasse em pleno. Preferiu a demissão a ser queimado em lume brando.  

Há também uma asserção, que resulta do senso comum, de que o que é diferente deve ser tratado de forma adequada, quiçá diferente dos outros casos.

Assim, nada impedia que o PM estivesse a ser objeto de inquérito no STJ (foro competente para o PR, para o presidente da AR e para o PM – já aqui há tratamento diferente) e a notícia não fosse dada a público, para não perturbar a ação governativa. A transparência também tem o seu tempo e, aplicada fora de tempo, é demolidora. A Justiça não pode perturbar e, muito menos, impedir a ação governativa e a ação política.

Do meu ponto de vista, o ex-PM tinha o direito de ser informado, pessoalmente, do que versa a investigação ao seu caso, logo que o caso veio a lume público, e devia ter sido ouvido. Argumentar que poderia perturbar o inquérito não vale, pois também o poderia fazer a partir do momento em que houve conhecimento público de que estava a ser investigado. Além disso, tratava-se de figura pública, ao tempo, crucial na governação.

Saído do exercício de funções governativas, o ex-PM já não está peado pelo princípio que adotou de não se imiscuir nas questões da Justiça. Agora, como cidadão, pode exigir ser informado e acionar todos os mecanismos de defesa ao seu dispor, repondo o seu bom nome, se for o caso.

Os juristas exprimem opiniões diferentes sobre a bondade da descida dos processos que envolvem o ex-PM do STJ para o DCIAP e para o DIAP de Lisboa. Uns sustentam que, como os processos se iniciaram no STJ, ali deveriam continuar; outros, aduzindo que o ex-PM voltou à situação de cidadão, ora sem direitos especiais, sustentam que o foro competente é o comum. E o MP alinhou pela segunda linha de argumentação. Penso que a mais lógica seria a primeira, para continuidade do processo. Não obstante, a defesa de António Costa, apenas suspeito (não arguido), move-se bem em qualquer dos fóruns.

Uma coisa é certa: já lá vão quase seis meses e ainda não há conclusões na investigação. E não creio que as haja tão depressa. Não me move qualquer simpatia ou antipatia por que o ex-PM tenha um cargo na Europa, que passe a um desempenho profissional ou que seja comentador, mas é tão estranho um governante estar sob suspeição, durante tanto tempo, sem se definir o seu estatuto perante a Justiça, como é estranho João Galamba ter estado, durante quatro anos, sob escuta, haver sido constituído arguido e não ter sido ouvido, depois de se ter disponibilizado para isso. Este limbo judiciário é perverso.  

E continuamos assim. Por exemplo, só depois da tomada de posse do novo governo, a Polícia Judiciária (PJ) realizou buscas, a 9 de abril, na Câmara Municipal de Cascais, de que era vice-presidente o ministro das Infraestruturas e Habitação, e em outros edifícios ligados à autarquia, vindo o MP declarar que as suspeitas que levaram a buscas na autarquia “podem configurar crimes de corrupção passiva e ativa, prevaricação e abuso de poder”, não havendo ainda arguidos.

São demasiadas coincidências. Alguns exigem explicações. Porém, as explicações não justificam demoras e abusos, face à lei e aos direitos do cidadão. Aliás, que explicação terá a procuradora-geral da República? Não pensou? Foi pressionada? A matéria é muito grave? São dúvidas sobre figuras públicas que não deviam ficar a pairar. O povo, em cujo nome é administrada a Justiça tem o direito de escrutinar os seus operadores.

2024.04.15 – Louro de Carvalho

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