sexta-feira, 19 de abril de 2024

PE terá novas regras, mas com poucas mudanças para as mulheres

 

Foi alterado o regulamento interno do Parlamento Europeu (PE), passando a haver, por exemplo, novas supercomissões parlamentares, mais poderes de inquérito sobre os comissários e tentativas de evitar reuniões quase desertas, mas com escassas medidas para garantir a igualdade de género.

Os eurodeputados passaram os últimos 10 meses a atualizar o seu regulamento interno, processo iniciado pela presidente do PE, Roberta Metsola, com o objetivo de resolver problemas de longa data, como a falta de relevância em relação às outras instituições da União Europeia (UE) e o absentismo visível no hemiciclo, em alguns debates de atualidade. Por outro lado, um dos objetivos da reforma é que os comissários sejam nomeados pelos grupos políticos.

O processo chegou ao seu termo, com a aprovação final das novas regras pelos eurodeputados, que estão em fim de mandato, uma vez que, de 6 a 9 de junho, se realizarão novas eleições dos eurodeputados para o próximo quinquénio.

Com a Comissão Europeia, o executivo da UE, a apresentar cada vez mais “pacotes” de leis, em vez de iniciativas legislativas isoladas, os conflitos de competências entre duas ou mais comissões parlamentares tornaram-se ocorrência frequente nos últimos anos.

As novas regras, a observar, no próximo mandato, incluem um procedimento de consulta que permite atribuir as propostas da Comissão Europeia às comissões, de forma mais direta, para evitar conflitos que surjam mais tarde e para ganhar tempo no Conselho da UE, cujas negociações são, muitas vezes, mais rápidas do que as do Parlamento. E, quando um pacote específico da Comissão exige o controlo de várias comissões, podem ser criadas novas comissões temporárias especiais com poderes legislativos que duram apenas até à adoção do ato.

No passado, foram criadas comissões especiais – como a do plano de luta contra o cancro da UE (BECA) ou a da supervisão das lições aprendidas com a pandemia de covid-19 – para tratamento de questões específicas. Porém, não podiam adotar textos vinculativos.

Os membros destas supercomissões – a principal novidade – serão nomeados pelos grupos políticos, enquanto a Conferência dos Presidentes do Parlamento Europeu pode decidir se nomeia um ou mais relatores para liderar o dossiê e para o negociar com o Conselho da UE.

Outro objetivo da reforma é permitir um maior controlo democrático sobre o executivo da UE, uma função essencial do PE, nos termos dos Tratados da UE.

As regras preveem disposições muito mais claras para as “audições de confirmação”, nas quais os deputados ao PE dão luz verde aos comissários designados antes de estes assumirem funções.

A duração da sessão de avaliação da competência dos potenciais comissários será alargada para quatro horas, enquanto o chefe da comissão deverá “informar o Parlamento sobre a estrutura prevista para a nova comissão”, em vez de se concentrar apenas na atribuição de pastas.

A sede dos legisladores por mais poderes de investigação ficou patente no caso que envolveu a revogação da nomeação de Markus Pieper que fora nomeado para o cargo de enviado das pequenas empresas, caso suspeito de favoritismo político que abalou o executivo da UE. A demissão do polémico representante para cargo altamente remunerado da UE só aconteceu depois de o PE ter instado o executivo a anular a nomeação contestada. Todavia, devido à inexistência de um procedimento específico, os eurodeputados expressaram o seu desconforto apresentando a alteração a um dossiê orçamental não relacionado com o assunto.

A partir da próxima legislatura, o PE disporá de uma nova arma, as audições especiais de controlo, através das quais poderá questionar os comissários ou quaisquer outras pessoas relevantes sobre as suas ações políticas relativamente a uma questão de grande importância política.

Quanto às faltas a reuniões plenárias, é de referir que, em 2017, Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia, ante a audiência de 30 deputados numa audição parlamentar, considerou ridícula a única instituição democrática da UE. Sete anos depois, o absentismo continua notório, manchando a imagem do PE e diminuindo-lhe a credibilidade democrática.

A reforma pretende encorajar participação mais visível nas sessões parlamentares, especialmente através das câmaras. Uma das novas regras processuais estabelece que “os deputados não devem ter lugares pré-atribuídos e devem ser encorajados a sentar-se na frente do hemiciclo”, o que significa que os legisladores devem juntar-se para dar a ilusão de multidão. Porém, a falta de assiduidade manter-se-á, pois as alterações mais ambiciosas para resolver a questão foram diluídas em várias passagens, antes da votação plenária. Os deputados ao PE só serão “incitados” – mas sem qualquer obrigação real – a permanecer na sala durante um debate em que estejam a participar, pelo que poderão estar presentes para a sua curta intervenção e sair logo a seguir.

A falta de atenção dos meios de comunicação social é tida como incentivo ao absentismo crónico, sobretudo quando os temas discutidos são demasiado técnicos ou quando a dinâmica política que desencadeou o debate já passou. Entretanto, uma nova disposição permitirá a convocação de plenários especiais, para abordar “questões de importância política significativa”, criando uma plataforma de diálogo que pode ser convocada no pico dos ciclos noticiosos.

No entanto, as novas regras não obstam a que as mulheres no PE enfrentem uma significativa sub-representação, quer no hemiciclo, quer em todos os cargos administrativos. E, mesmo quando presidem a comissões, são relegadas, não raro, para a supervisão de tópicos menos conhecidos, perpetuando o desequilíbrio de poder e de visibilidade, dentro da instituição.

Embora houvesse grandes expectativas quanto à forma como a igualdade entre homens e mulheres seria tratada, nesta reforma, as disposições finais ficaram aquém das expetativas.

É certo que foi aprovada uma proposta do partido A Esquerda para incentivar uma maior representação feminina, mas não incluía quaisquer obrigações vinculativas em matéria de quotas. A nova regra afirma apenas que “os grupos políticos têm a responsabilidade coletiva de apresentar candidatos que respeitem o equilíbrio entre os géneros”, o que não deixa entrever grandes mudanças em matéria de igualdade de género. Em relação ao controlo exercido pelo PE sobre a Comissão Europeia, as regras especificam que o PE examinará a composição do colégio de comissários, em termos de responsabilidades e o seu equilíbrio de género.

***

Não é só na política e no PE que as mulheres enfrentam desigualdades. Também as enfrentam no acesso ao trabalho, na progressão e nas recompensas.

Vários indicadores revelam a desigualdade entre homens e mulheres, na Europa, em muitos domínios, mas a vida económica é uma das áreas que mais afeta as mulheres, as quais, apesar das melhorias, sofrem de disparidades de género no atinente aos salários, à participação na força de trabalho, ao emprego e às posições hierárquicas no local de trabalho.

As disparidades salariais não ajustadas entre homens e mulheres são indicador significativo da diferença entre a média dos ganhos horários brutos dos homens e das mulheres, expressa em percentagem da média dos ganhos horários brutos dos homens –, sem ter em conta a educação, a idade, as horas trabalhadas ou o tipo de emprego.

Em 2022, as mulheres, na UE, ganhavam, em média, menos 12,7% por hora do que os homens. Por isso, teriam de trabalhar mais 1,5 meses para compensar a diferença.

As disparidades salariais entre os sexos variam bastante na UE e no bloco da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA). Em 2022, era superior a 17%, em vários países.

A Estónia registou a maior diferença salarial entre homens e mulheres, com 21,3%, seguida da Áustria (18,4%), da Suíça e da Chéquia (ambas com 17,9%). O Luxemburgo (-0,7%) foi o único país com valor negativo, o que significa que as mulheres ganham ligeiramente mais do que os homens. Para lá do Luxemburgo, a Itália, a Roménia e a Bélgica registaram as disparidades salariais mais baixas, inferiores a 5%. Entre os “quatro grandes” da UE, a Alemanha (17,7%) e a França (13,9%) registaram disparidades mais elevadas do que a média da UE.

Um dos objetivos da Comissão Europeia é reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres na UE. O progresso é constante, mas é lento.

Entre 2012 e 2022, essa diferença diminuiu 3,7%, na UE, passando de 16,4% para 12,7%. Em seis países (a Eslovénia, a Letónia, a Polónia, Malta, a Suíça e a Lituânia”, as disparidades entre homens e mulheres aumentaram, variando entre 0,1% e 3,7%. A Espanha registou a maior melhoria das disparidades salariais, com a diminuição de 10%, neste período, seguida da Estónia (8,6%), da Islândia (8,4%) e do Luxemburgo (7,6%). A Alemanha e o Reino Unido registaram igualmente uma diminuição considerável de 5% e 4,7%, respetivamente.

Em 2022, a diferença salarial entre homens e mulheres era mais elevada no setor privado do que no público, em 21 dos 24 países europeus. Segundo o Eurostat, a agência de dados da UE, isto pode dever-se ao facto de a remuneração no setor público ser determinada por grelhas salariais transparentes que se aplicam igualmente a homens e mulheres na UE. E as disparidades salariais, no setor público, só foram mais elevadas em Portugal, na Eslovénia e na Finlândia.

Chipre registou (-0,2%) uma diferença negativa no setor público, o que indica que as mulheres são mais bem pagas do que os homens. E registou, igualmente, a diferença mais elevada entre o setor público e o privado, com 19,7%. Esta diferença era superior a 10%, em cinco países, sugerindo que a desigualdade salarial entre homens e mulheres era forte em muitos países.

A Chéquia registou a maior diferença no setor privado, com 20,5%, seguida pela Alemanha (19,9%). Isto mostra que as mulheres ganham, em média, 80 euros por cada 100 euros ganhos pelos homens no setor privado alemão.

As razões subjacentes à disparidade salarial entre homens e mulheres não são simples. É mais do que a questão de salário igual para trabalho igual. “Abrange um grande número de desigualdades que as mulheres enfrentam no acesso ao trabalho, na progressão e nas recompensas”, sublinha a Comissão Europeia, apontando as principais razões:

- Segregação setorial. Cerca de 24% das disparidades salariais estão relacionadas com a sobrerrepresentação das mulheres em setores com salários baixos, como os cuidados, a saúde e a educação. Em 2022, trabalhavam a tempo parcial 28% das mulheres, na UE, e 8% dos homens.

- Discriminação salarial. As mulheres ganham menos do que os homens, por fazerem um trabalho igual ou de igual valor, em alguns casos.

- Partilha desigual do trabalho não remunerado. As mulheres trabalham mais horas por semana do que os homens e passam mais horas em trabalho não remunerado.

- O teto de vidro. A posição na hierarquia influencia a remuneração. Por exemplo, a profissão que regista as maiores diferenças de remuneração horária, na UE, é a de gestor: 23% menos remuneração para as mulheres do que para os homens, que ocupam posições mais elevadas do que as mulheres. Em 2021, as mulheres representavam só 35% dos gestores na UE.

A percentagem de mulheres nesta posição não ultrapassava os 50%, em nenhum país da UE. A Letónia (46%), a Polónia e a Suécia (ambas com 43%) tinham as maiores percentagens, enquanto Chipre (21%), o Luxemburgo (22%) e os Países Baixos (26%) registavam as menores proporções.

Há ainda muitos fatores a ter em conta para compreender as disparidades salariais entre homens e mulheres. Em 2022, as mulheres com ensino superior (37,1%), que inclui universidades, faculdades e formação técnica, na UE, eram superiores aos homens (31,4%).

A percentagem de mulheres com ensino superior era superior à de homens em quase todos os países da UE, exceto na Alemanha e na Áustria. No entanto, a taxa de emprego das mulheres (83,6%) era inferior à dos homens (88,9%) na UE. Estes números demonstram que as mulheres têm menos emprego, embora tenham mais habilitações académicas.

Entre os 15 e os 64 anos de idade, a taxa de emprego dos homens, na UE, era de 74,7%, em 2023, excedendo a das mulheres (64,9%), em 9,8%. A taxa de emprego dos homens era mais elevada do que a das mulheres em todos os países da UE, variando entre 0,3%, na Lituânia, e 19,1% na Grécia. A Turquia, país candidato à UE, registou o valor excecional de 34,6%.

A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho foi inferior à dos homens, em todos os países da UE. Em 2022, a diferença era de 9,9%, na UE. Este valor era de 16,6%, em 2002.

Embora, nas últimas duas décadas, quase todos os países, exceto a Roménia, tenham registado melhorias, a diferença na taxa de participação na força de trabalho era superior a 10%, em oito países da UE, incluindo a Roménia, a Itália e a Grécia. A Espanha, Malta e o Luxemburgo registam grandes melhorias na redução das disparidades nesta área.

***

É escandaloso e fraudulento o absentismo nos plenários do PE. Os eurodeputados falham no exemplo que devem ser para os parlamentos nacionais; tornam-se não merecedores do salário que recebem, mais avultado do que o do comum dos eurocidadãos; e defraudam o estatuto de representantes dos cidadãos da UE e dos seus países.

Por fim, fica sem comentário o atropelo à propalada igualdade de homem e mulher na UE, vaidosa e oca paladina dos direitos humanos e do progresso civilizacional. Para quando o respeito pela dignidade da pessoa, independentemente do sexo, da etnia, do credo ou da condição social? A UE não tem autoridade para everter a situação, se não o faz no PE.    

2024.04.19 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário