quarta-feira, 26 de outubro de 2022

A Península Ibérica deixará de ser uma “ilha energética”

O presidente francês, Emmanuel Macron, deixou cair os óbices ao gasoduto ibérico, que deverá transportar combustível do porto de Sines até à Europa central. Assim, Portugal, Espanha e França fecharam o acordo para construir gasoduto ibérico, o “corredor da energia verde” na Europa.

O acordo, anunciado na manhã do dia 20 de outubro pelo primeiro-ministro português, António Costa, e pelo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, permite estender o gasoduto que já liga Sines a Celorico da Beira. A partir daí serão construídos mais 86km, até à fronteira com Espanha, e o governo espanhol assegura a construção do segmento do gasoduto até Zamora e, depois, até Barcelona. É um “corredor verde”, porque se destina, sobretudo, a transportar hidrogénio verde, embora possa também garantir o fornecimento de gás natural.

Segundo a explicação patente no Portal do Governo, o acordo ultrapassa “um dos bloqueios mais antigos em torno do tema das interconexões da Península Ibérica com o conjunto da Europa”.

À entrada para o Conselho Europeu e após reunião com o presidente do Governo de Espanha, e com o presidente de França, António Costa, referiu: “Hoje chegámos a um acordo para ultrapassar definitivamente o antigo projeto, o chamado MidCat, e desenvolver um novo projeto, que designámos de Corredor de Energia Verde, que permitirá complementar as interconexões entre Portugal e Espanha, entre Celorico da Beira e Zamora, e também fazer uma ligação entre Espanha e o resto da Europa, ligando Barcelona e Marselha, por via marítima.” É um bom contributo dos três países para a Europa e para o espírito de solidariedade comum que todos necessitamos para enfrentar esta crise energética, enfim, “uma boa notícia”, em crise energética, como frisou.

O chefe do Governo referiu que falta ainda “acertar os pormenores, do ponto de vista técnico”, em termos de financiamento europeu, nomeadamente através do que a Comissão Europeia pode destinar às interconexões europeias e também para acertarmos com a Comissão “o financiamento desta nova ligação através da facilidade de interconexões europeias”.

António Costa disse que este gasoduto será “vocacionado para o hidrogénio verde” ou outros gases renováveis, ainda que, transitoriamente, seja utilizável para “o transporte de gás natural até uma certa proporção”, acrescentando que “serão reforçadas também as interconexões elétricas”.

Também informou que os três países se reunirão em Alicante, Espanha, a 9 de dezembro, antes da reunião que estava marcada para a Cimeira dos Países do Mediterrâneo e do Sul da UE, de modo que haja tempo para se acertarem, do ponto de vista técnico, pormenores sobre esta ligação. E enalteceu todo o trabalho diplomático, técnico e político feito ao longo do último ano, para se ter conseguido alcançar este acordo.

O Primeiro-Ministro destacou dois dados “absolutamente fundamentais” no acordo: “a alteração da conjuntura energética na Europa e a compreensão de que temos que diversificar as fontes e as rotas de fornecimento de energia à Europa”, bem como as oportunidades que havia em relação ao gás natural, já que existe “hoje a tecnologia que nos permite apostar no hidrogénio verde e noutros gases renováveis”, contribuindo “para o esforço conjunto que todos temos de fazer para acelerar a transição energética”; e esta solução, “em vez de insistir com as dificuldades ambientais dos Pirenéus, encontrou uma alternativa por via marítima e, das duas possíveis, foi encontrada a melhor, porque é aquela que permite ligar àquilo que é a coluna vertebral da rede de hidrogénio verde europeia”.

No atinente a Portugal, António Costa disse que a ligação de 162 km, entre Celorico da Beira e Vale do Prado, já estava prevista para o hidrogénio verde, não fazendo sentido lançar um projeto que não tenha esta vocação, aliás nem a Comissão Europeia o financiaria. Porém, o transporte de gás natural no gasoduto deverá ser proporcional para assegurar a segurança energética da Europa, “sem perder o foco que é: o de acelerarmos a transição energética para as energias verdes”.

António Costa aponta que o facto de o gasoduto chegar à fronteira com Espanha já é, para Portugal, uma enorme mais-valia, porque permite o aumento da “nossa capacidade de estarmos conectados com o mercado, onde não somos só os dez milhões”, mas “sessenta milhões, no conjunto da Península Ibérica”. E salienta que, paralelamente a este gasoduto, está a ser desenvolvido um projeto de armazenamento do conjunto de energia com Espanha, o que constitui um “grande desafio da transição energética”.

O acordo configura e desenvolve um projeto que ajuda a valorizar, na Península Ibérica, os seus recursos de lítio, para a construção de “baterias que possam ajudar a armazenar em grande escala de energia para responder a situações de crise como estas em que estamos a viver em que com a seca temos que, uns e outros, manter capacidade de produção de eletricidade hídrica”.

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O Partido Social Democrata (PSD), sobretudo pela voz de Paulo Rangel, mais contundente que Maria da Graça Carvalho, considera que o acordo prejudica o interesse nacional.

Em declarações à imprensa, a 22 de outubro, criticou o novo projeto, que pretende completar a interconexão entre Portugal e Espanha, entre Celorico da Beira e Zamora, avançando depois entre Barcelona e Marselha por via marítima: “Trocámos o valor das nossas renováveis e o potencial do porto de Sines por um prato de lentilhas.” E acrescentou: “Na eletricidade, ganhou a França e o nuclear. Perdeu Portugal e as renováveis. No gás, ganhou a Espanha e o porto de Barcelona. Perdeu Portugal e o porto de Sines.” E observou que a queda “dos compromissos internacionais firmes e calendarizados desde 2014” secundariza o terminal de Sines e perde duas interligações elétricas, “mais importantes” para o país. Referia-se à interligação pelos Pirenéus que cessa.

“Fica assim em causa o objetivo nacional, tantas vezes repetido pelo governo de Costa, de fazer do Porto de Sines a ‘porta de entrada’ do GNL [gás natural liquefeito] na Europa”, disse Rangel.

O PSD exige, ainda, “uma divulgação detalhada dos termos do acordo e uma avaliação técnica e independente das suas consequências”. “Há perguntas essenciais por responder: Quanto vai custar este projeto a Portugal, quando o anterior tinha todo o financiamento previsto e garantido? Quanto vai custar? Quem vai pagar? Não vai ele aumentar a fatura da energia dos portugueses? Quanto tempo vai demorar?”

“Para lá questão das condições de produção, para integrar Portugal no ‘Corredor de Energia Verde’ não basta a ligação Celorico da Beira-Zamora, aliás reprovada no teste ambiental; é preciso adaptar toda a rede”, afirmou. E “nada se sabe sobre isto”, rematou.

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Entretanto, enquanto António Costa acusava o PSD de não perceber nada do que está em causa e repetia as explicações pró-acordo, Pedro Sampaio Nunes, antigo diretor da Comissão Europeia das Energias Convencionais, referia que o plano do gasoduto ibérico, ora aprovado, será “diferente tecnicamente” do que era o projeto inicial, mas que, “politicamente, é um excelente negócio”, enfim, “uma vitória para todos”.

À Rádio Renascença, o especialista explicava que, ao invés do que era planeado, o gasoduto não passa pelos Pirenéus – trajeto que tinha “dificuldades de natureza ambiental” –, mas passará num tubo subaquático que ligará Barcelona a Marselha, “um tubo que vai levar moléculas de energia de um sítio para o outro, seja butano, seja hidrogénio”.

Sampaio Nunes diz que, face à ideia original, só se sabe o que Portugal fica a ganhar com esta alteração, dependendo do custo-benefício: “Se se provar que possamos ser competitivos na produção de hidrogénio verde, podemos vir a exportar. É uma questão da distância contra o custo mais barato da eletricidade para produzir hidrogénio.”

Considera que, em princípio, “um projeto submarino é sempre um projeto que é caro, dependendo da profundidade”, porém, “se a profundidade não for muito grande, pode ser mais barato estar a abrir canais em mar do que em terra”, o que só os estudos apurarão. Todavia, relembra que Portugal já está ligado “através de um trajeto, que não é direto”, à rede espanhola e não será por aí que o orçamento derrapa.

Por sua vez, o Professor Vital Moreira observa, no blogue “Causa nossa”, que a resposta à crise energética, advinda da guerra na Ucrânia, “pode revestir uma tripla vertente: (i) apressar a transição energética no que respeita às energias renováveis; (ii) estimular a integração física das redes energéticas dentro da União (rede elétrica e rede de gás); (iii) apressar a instituição de uma política energética integrada.” Por isso, entende que o contexto induz a devida valorização do acordo tripartido para a instalação do cabo elétrico submarino no golfo da Biscaia e do gasoduto entre Barcelona (na Península Ibérica) e Marselha (na França), secundado pela interligação entre a rede portuguesa e a espanhola (gasoduto Celorico da Beira-Zamora), pois “os projetos agora acordados vêm substituir o antigo projeto de interligação entre os Pirenéus, sempre vetado por Paris”. É um “ganho líquido, quer ara os dois países, quer para a União” (Europeia).

Assim, para Vital Moreira, a Península Ibérica deixará de ser a “ilha energética” que tem sido, podendo reexportar para o centro da Europa tanto o gás natural que hoje importa em condições mais favoráveis como o hidrogénio que a abundante disponibilidade de energia solar lhe poderá permitir produzir. Portanto, segundo o Professor, não vale a crítica pela qual o acordo é menos vantajoso do que o anterior projeto, pois “a travessia dos Pirenéus não estava na equação, por oposição francesa”. Comparáveis são as interligações ora acordadas e a situação atual.

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Na verdade, era dispensável tanto ruído em torno do acordo. Bastaria exigir a enunciação clara dos seus termos em concreto, a resposta a eventuais dúvidas e se se aproxima convenientemente dos objetivos do Pacto Energético Europeu, previsto já há uns anos e apurado no passado dia 21.

Creio que as explicações de Sampaio Nunes e de Vital Moreira serão suficientes. Resta que o acordo se concretize.

2022.10.26 – Louro de Carvalho 

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