quinta-feira, 13 de outubro de 2022

IPBES e IPCC vencem Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2022

 

Pela evidência do papel central da ciência no combate à crise ecológica e climática, demonstrada por elas, duas instituições internacionais – a Plataforma Intergovernamental Ciência-Política sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES) e o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) – venceram ex-aequo, a 13 de outubro, o Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2022, de um milhão de euros.

A IPBES é um órgão intergovernamental independente, estabelecido pelos Estados Membros em 2012, na cidade do Panamá, cuja missão é fortalecer as bases de conhecimento para uma melhor política, através da ciência, para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, para o bem-estar humano a longo prazo e para o desenvolvimento sustentável.

Trabalha em quatro áreas complementares: avaliação – sobre temas (como “polinizadores, polinização e produção de alimentos”), questões metodológicas (cenários e modelagem”) e ao nível  regional e global (como “avaliação global da biodiversidade e serviços ecossistémicos”); suporte a políticas (identificação de ferramentas e metodologias relevantes para políticas, facilitando o seu uso e catalisando o seu desenvolvimento posterior); capacitação e conhecimento; e comunicação e divulgação.

Apesar de ter sede no Campus da ONU em Bona, na Alemanha, a IPBES não é agência da ONU.

No seu relatório mais recente, publicado em abril, dá conta de que, pelo menos, um milhão (entre oito milhões) de espécies da fauna e da flora estão ameaçadas e 680 espécies de vertebrados foram já levadas à extinção pelo homem.

Do seu lado, o IPCC (do Inglês Intergovernmental Panel on Climate Change), que em 2007 recebeu o Prémio Nobel da Paz com Al Gore, é uma organização científico-política criada em 1988, no âmbito das Organização das Nações Unidas (ONU) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). O seu objetivo é sintetizar e divulgar o conhecimento mais avançado das mudanças climáticas que afetam o mundo, especificamente, o aquecimento global, apontando as causas, os efeitos e os riscos para a humanidade e para o meio ambiente, e sugerindo formas de combater os problemas. Não fazendo pesquisa própria, reúne e resume o conhecimento produzido por cientistas de alto nível independentes e ligados a organizações e governos.

Num relatório, divulgado em fevereiro deste ano, o IPCC confirma que já se ultrapassaram algumas fronteiras sem retorno e que perto de metade da população da Terra se encontra numa situação “muito vulnerável” devido à exposição a calor extremo, inundações, secas, incêndios ou outros eventos extremos devido à crise climática.

O júri, presidido por Angela Merkel, ex-chanceler alemã, salienta que “a evidência baseada na ciência”, que estas duas entidades intergovernamentais independentes produzem e comunicam, “tem sido fundamental, não só para o avanço de muitas ações políticas e públicas, mas também para a necessidade de colocar um ‘caráter de urgência’ na forma como, em termos de agenda política, é abordada a questão do combate à crise ecológica e à crise climática”.

A entrega do prémio “à comunidade de cientistas que abordam duas das crises globais mais complexas que a humanidade terá de enfrentar neste século XXI” põe, como refere o geógrafo Miguel Bastos Araújo, vice-presidente do júri e Prémio Pessoa 2018, o foco “no esforço de mobilização e síntese de conhecimento científico sobre a crise climática e a biodiversidade de forma a proporcionar aos decisores políticos a melhor informação disponível”.

O geógrafo lembra que o júri teve em conta “a iniciativa do IPBES e do IPCC que deu origem a um estudo publicado em 2021, no âmbito de preparação da COP26, e que vincula a crise climática e de biodiversidade uma à outra”. E realça que “não será possível responder à crise climática sem uma resposta corajosa à crise de biodiversidade” e não se conseguirá “proteger a biodiversidade planetária, tal e qual a conhecemos, se deixarmos o clima derrapar para além dos limites de segurança planetária”. Efetivamente, como aponta, a atmosfera possui menos de 2% do carbono planetário, 7% está armazenado sob forma de combustíveis fósseis, os restantes 91% estão armazenados no mar e na terra e uma parte deles “depende de processos dependentes do funcionamento dos ecossistemas e da biodiversidade”.

Para Anne Larigauderie, Secretária Executiva do IPBES, o prémio representa “uma poderosa declaração que confirma que a perda global de espécies, a destruição de ecossistemas e a degradação dos benefícios da natureza para as pessoas, em conjunto, representa uma crise não só de magnitude semelhante à das alterações climáticas, mas também uma crise que deve ser abordada, pelo menos, com o mesmo caráter de urgência”. Por isso, a mensagem principal dos cientistas da plataforma é: “Ou combatemos e resolvemos as crises da biodiversidade e do clima, juntas, ou falharemos em ambas as frentes.”

Por seu turno, Hoesung Lee, presidente do IPCC, enfatiza que “a ciência é o instrumento mais importante que temos para combater as alterações climáticas, uma ameaça clara e iminente ao bem-estar e meios de subsistência humanos, e ao bem-estar do planeta e de todas as suas espécies”. Honrado com a distinção, o professor de economia coreano, sublinha que, para os cientistas do IPCC, “este prémio é um reconhecimento e um incentivo, e também uma forma de pressionar os decisores políticos para uma ação climática mais decisiva e eficaz".

O trabalho da IPBES e do IPCC vive do resultado do trabalho voluntário de milhares de cientistas de todo o mundo e inclui o contributo de comunidades indígenas. Os representantes das duas instituições presentes na atribuição do prémio – escolhidas de entre 116 nomeações de 41 nacionalidades, dos 5 continentes – disseram estar muito honrados com a distinção.

Este é o terceiro ano em que a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) atribui este galardão que visa “promover o desenvolvimento sustentável, o bem-estar e a qualidade de vida de grupos vulneráveis da população, em equilíbrio com a proteção ambiental e a prosperidade económica”. A primeira distinguida foi a jovem ativista sueca Greta Thunberg, em 2020, que sempre chamou a atenção para o que diz a ciência. O premiado em 2021 foi Pacto Global de Autarcas para o Clima e Energia (Global Covenant of Mayors for Climate & Energy).

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Anne Larigauderie, a ecóloga francesa que preside à IPBES, acredita “que a ciência permite tomar melhores decisões políticas para a biodiversidade” e enaltece o trabalho voluntário dos cientistas, que o fazem porque são apaixonados pelo seu trabalho.

Sobre a divisão do prémio, considera que reforça a ideia da ligação entre a biodiversidade e as alterações climáticas, que não devem ser vistas em separado. Tanto assim é que “as pessoas se preocupam cada vez mais com a crise que afeta a natureza, observam-na nos campos em redor dos locais onde vivem e apercebem-se de que o mundo vivo está cada vez mais pobre”.

Do relatório da IPBES, sublinha o facto de concluir que “o mundo está a viver uma degradação de ecossistemas a uma taxa e escala sem precedentes na história humana”, de descrever o que está a acontecer e de apontar as razões e o que pode ser feito para alterar isto.

Observa que as causas principais da perda de espécies na natureza – todas derivadas da atividade humana – são: a destruição de habitats naturais, como a desflorestação; a sobre-exploração de recursos naturais, nomeadamente nos oceanos com a sobrepesca; as alterações climáticas associadas à atividade humana; a poluição, como o uso de pesticidas ou fertilizantes na agricultura; e a invasão de espécies exóticas, que criam grandes problemas nos ecossistemas.

Tudo isto – que deve ser tido em conta nas decisões políticas – afeta a segurança alimentar, a saúde e a qualidade de vida, bem como os valores não materiais da natureza, associados à cultura de algumas populações ou que dão um sentido de pertença, de lugar ao qual as pessoas estão ligadas física ou espiritualmente.

Frisa que os relatórios do IPBES e do IPCC pretendem informar os decisores políticos, mas também o público em geral, fazendo chegar a informação científica aos media, bem como aos cidadãos e consumidores de forma a terem em atenção a importância de proteger os polinizadores, de conservar os solos, de plantar uma maior variedade de culturas ou de alterar a dieta alimentar e reduzir o desperdício (que são tarefas de todos). E, sobretudo, entende que “ainda podemos mudar o curso das coisas”, pois “a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável” e “a biodiversidade pode recuperar rapidamente quando, por exemplo, se protegem stocks de determinadas espécies de peixes.

Questionada sobre as expectativas para a próxima Conferência das Nações Unidas (COP 15) sobre biodiversidade, que realizará em Montreal, de 7 a 19 de dezembro, salienta que “é o fechar de um ciclo, tendo em conta que as metas de Aichi não foram atingidas”. Devem quantificar-se os objetivos, que devem ser ambiciosos, associando números, sobre quanto é preciso reduzir e sobre incentivos para reduzir e fazer melhor. E, para ajudar os países em desenvolvimento, onde se encontram as áreas com maior riqueza em biodiversidade, como em África ou no Brasil”, o que é bem necessário, requer-se investimento. Por isso, o dinheiro do prémio servirá “para financiar os três grandes projetos do IPBES a nível mundial, um dos quais serve para ajudar empresas a reduzir os impactos no ambiente e a pegada negativa na biodiversidade, pois temos de proteger a diversidade biológica que há no mundo, porque “não queremos ficar sozinhos neste planeta”.

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Boa pedrada no charco para o combate científico na preservação do meio ambiente e no clima!

2022.10.13 – Louro de Carvalho

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