domingo, 9 de outubro de 2022

Há 50 anos Lamego recebeu D. António de Castro Xavier Monteiro

 

Foi há 50 anos, a 8 de outubro de 1972, segundo domingo do mês, que entrou solenemente na diocese de Lamego o arcebispo-bispo de Lamego D. António de Castro Xavier Monteiro, que fora, a 1 de julho do mesmo ano, nomeado arcebispo-bispo de Lamego, diocese vaga, devido à transferência de D. Américo Henriques para a diocese de Nova Lisboa (Angola), atual arquidiocese de Huambo. Este marcante acontecimento, já cinquentenário, mobilizou toda a gente. E os mais pobres não foram esquecidos. Segundo escreveu o Cónego João Teixeira no blogue Theosfera, as Conferências Vicentinas aumentaram as dádivas, para as velhinhas, com arroz, açúcar, massa (mais um quilo de cada) e com um pacote de chá; e, para os velhinhos, com alguns maços de cigarros. E, no cabaz, uma estampa assinalava “a especial predileção e ternura que o senhor Arcebispo já mostrara por esses membros sofredores de Cristo que são os pobrezinhos e os necessitados de toda a ordem”.

D. António, que fora, a 1 de julho, nomeado para esta diocese sulduriense, tomou posse por procuração, a 15 de agosto, na pessoa do governador da diocese (desde 19 de fevereiro) Monsenhor José Morais e Costa, o qual, antes de tomar posse em nome do mandante, pediu à assembleia litúrgica reunida na catedral que escutasse, de joelhos, a bula de nomeação – tudo em contexto de celebração eucarística da solenidade da Assunção de Nossa Senhora.

O prelado – que não perdera o título de arcebispo, que recebeu, a 3 de fevereiro de 1964, com a atribuição do título da antiga arquidiocese de Mitilene, quando deixou de ser bispo titular de Ombi e coadjutor de Vila Real, para ser um dos auxiliares do Patriarcado, foi esperado à saída da estação ferroviária da Régua donde partiu para a cidade episcopal enquadrado por extenso cortejo automóvel. Chegado a Lamego, foi recebido no Salão Nobre dos Paços do Concelho, onde foi saudado pelo Presidente do Município, José Alberto de Moura Guedes de Magalhães Montenegro, na presença dos governadores civis de Viseu e da Guarda (respetivamente, Engenheiro silvicultor Armínio Ângelo de Lemos Quintela e Doutor Mário Bento Martins Soares), distritos por que se estende a diocese. A seguir, formou-se o cortejo pedestre para a igreja de Santa Maria Maior de Almacave, onde o arcebispo se paramentou, bem como os presbíteros (em muito grande número) para integrarem a solene concelebração eucarística que iria decorrer na Sé Catedral, para onde se dirigiu a procissão litúrgica, que, ao som de cânticos de boas-vindas ao novo Pastor e de iniciação à Eucaristia, encheu de som e colorido as artérias da cidade que percorreu até à igreja episcopal, a mãe de todas as igrejas da diocese.

Ali, o coro litúrgico, composto pelos alunos do seminário maior, pelas alunas do Colégio da Imaculada Conceição e por alguns alunos do Colégio de Lamego, como era usual nas solenidades ao tempo, na Sé, deu vida à celebração, em que participaram bispos das dioceses limítrofes e D. António Ribeiro, Patriarca de Lisboa, donde provinha D. António Monteiro, bem como as diversas autoridades civis e militares. As cerimónias foram conduzidas pelo mestre, ao tempo, padre Germano José Lopes (mais tarde, distinto cónego e monsenhor), já falecido, e a assembleia recebia as admonições da parte do então padre Dr. Jacinto Botelho, hoje bispo emérito de Lamego. Estavam no exercício da ordem do diaconado os estagiários que receberam a ordenação de diácono, a 22 de agosto de 1971, das mãos do bispo D. Américo Henriques. E eu, que servi de turiferário e portador da respetiva naveta do incenso, integrei-me em todo o cerimonial litúrgico.

A celebração terminou com uma sessão de cumprimentos nos claustros da Sé. Recordo que, ao cumprimentá-lo devidamente embatinado, me perguntou: “O meu amigo é pároco onde?” Ao que respondi ser um aluno do 3.º ano de Teologia.

É de anotar que os olhos e os ouvidos de todos estavam assestados para a postura e palavras do novo Pastor: uns, nostálgicos do perfil do antecessor imediato cuja atitude e condução da Igreja de Lamego se revelara promissora, mas sem êxito, esperavam uma evolução na continuidade reforçada pastoralmente; outros, agastados com perfil do mesmo e saudosos do que fora o grande bispo construtor até 2 de fevereiro de 1971, D. João da Silva Campos Neves, esperavam uma continuidade sustentada nas bases lançadas pelo antigo bispo de Vatarba e auxiliar do Patriarcado. E o Pastor, sem se imiscuir em questões anteriores, anunciou o propósito de condução da Igreja nos tramos do Evangelho, frisando a tríplice vertente da ação da Igreja – profética, santificadora e odegética. Prometeu ouvir os diocesanos, mormente o clero, e apontou a urgência da pastoral de conjunto, passando pela promoção social, condição de eficácia da evangelização.

É certo que a sua ação pastoral conheceu altos e baixos na Igreja e na sociedade, mas a sua condução da Igreja lamecense ajudou a criar e a reforçar o ambiente de esperança contra situações de descrença no futuro do país, mercê do embate da revolução abrilina. Soube desencadear a mobilização pelas causas da Igreja na sociedade pela multiplicação e melhoria dos espaços de utilização coletiva; promoveu o brilho da liturgia, a participação nas celebrações, a distribuição de tarefas, a colegialidade de tomadas de decisão; lançou experiências de modernização das estruturas diocesanas (de vigários episcopais por setores – cúria, clero, leigos – passou a quatro vigararias episcopais de zona pastoral e a uma fase final de articulação das duas modalidades); criou os conselhos pastorais e fez gizar os planos pastorais; e deu novo rosto às fábricas de igreja paroquial com a entrega da administração aos conselhos económicos paroquiais.

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É interessante o testemunho de João Luís Maurício, professor de História aposentado, a relatar uma história contada pelo padre Tiago Tomás, então pároco da Benedita.

A 1 de fevereiro de 1970, o Arcebispo de Mitilene, D. António de Castro Xavier Monteiro, fez a visita pastoral à paróquia. “Era um homem muito simples, de fino trato, muito inteligente e tinha fama de ser um pouco reservado. Genuinamente minhoto, havia nele, paradoxalmente ou talvez não, algo de aristocrata. Senhor de uma vastíssima cultura, um intelectual que, ao mesmo tempo, era um bispo muito próximo das pessoas. Pintor, escritor, estudioso de Música, Literatura e História. Ia com frequência à Ópera ao São Carlos.” Fora bispo coadjutor de Vila Real, onde o Cardeal Cerejeira, conhecedor das suas qualidades, o “fora buscar” para ser seu auxiliar. O padre Tiago, com a perspicácia que o caraterizava, meio a medo, ousou perguntar-lhe, em jeito de vaticínio: “Quando o senhor arcebispo for nomeado para outra diocese, não mais poderá ir ao São Carlos. Como é que se irá sentir?” E Dom António parou para pensar e com um grande sorriso e uma dose de fina ironia, disse: “Como Cristo na Cruz.”

Passados dois anos, foi nomeado bispo de Lamego, onde fez longo e notável trabalho pastoral e onde, ainda hoje, é recordado com saudade. O São Carlos era, apenas, um apêndice na sua vida!

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Nascido na pequena comunidade rural de São João de Airão, concelho de Guimarães, António de Castro Xavier Monteiro estudou nos Seminários de Braga, sendo ordenado presbítero, na Sé Primacial, em 15 de agosto de 1942. Posteriormente, frequentou o curso Superior de Teologia na Universidade de Salamanca, bacharelando-se em 19 de abril de 1944, licenciando-se em 5 de fevereiro de 1945 e laureando-se em 15 de janeiro de 1948. Em outubro de 1947, foi nomeado professor do Seminário Conciliar, onde lecionou Teologia, Filosofia, Pedagogia Catequística, Literatura Portuguesa e Latim. Foi juiz pró-sindical do Tribunal Metropolitano de Braga e foi diretor espiritual do Seminário de Filosofia, tendo sido nomeado vice-presidente de “Convivium”, estúdio de escritores e artistas, em Braga, vogal do Conselho Administrativo da Fundação Abade de Loureira. Anualmente, desde a sua formatura, D. António de Castro Xavier Monteiro realizava viagens de estudo em vários países da Europa.

A 22 de fevereiro de 1964, o Papa São Paulo VI nomeou-o bispo titular de Ombi e coadjutor de Vila Real. Na altura, era vice-reitor do Seminário de Braga. Foi sagrado, na Sé de Braga, pelo Arcebispo Primaz, no dia 3 de maio do mesmo ano. E, nessa qualidade, participou no Concílio Vaticano II. A 3 de fevereiro de 1966 foi transferido para Arcebispo de Mitilene e auxiliar do Cardeal Patriarca de Lisboa. A 1 de julho de 1972, foi nomeado arcebispo-bispo de Lamego, tendo tomado posse por procuração a 15 de agosto e entrado solenemente na diocese a 8 de outubro, diocese que pastoreou até 5 de janeiro de 1995, data da sua resignação, tornando-se então arcebispo-bispo emérito. Faleceu aos 80 anos, em Lamego, a 13 de agosto de 2000, aos 80 anos.

Além da atividade pastoral dedicou-se à pintura, à música, à literatura e à investigação histórica.

Da sua atividade, como investigador e escritor, produziu várias obras, das quais se destacam: “Frei António de São Domingos e o seu pensamento sobre o pecado original”, “Santa Senhorinha de Basto”, “O Patronato da Imaculada Conceição”, “O Homem à luz da Biotipologia e da Psicanálise”. A primeira obra (Frei de São Domingos e o seu pensamento sobre o pecado original) faz parte da coleção “Universitatis Conimbrigensis Studia ao Regesta”.

O seu nome faz parte da Toponímia de Guimarães (Freguesia de São João Baptista Airão – Rua Arcebispo António Castro Xavier Monteiro).

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Nesta modesta reflexão, deixo a minha homenagem a D. António de Castro Xavier Monteiro por quem nutri admiração, que me soube acompanhar e com quem tive o ensejo de colaborar. Sem se mostrar demasiado ousado, soube adotar fino tato pastoral que o ajudou a ultrapassar situações difíceis na vida coletiva. E não se pode esquecer a sua dedicação, para lá dos limites que a saúde lhe impôs, à causa da Igreja e do Evangelho. A Cáritas Portuguesa sempre o admirou.

O Doutor em Teologia, em cuja economia assentava o seu discurso habitual e a sua ação pastoral, aliava-se com mestria a outras manifestações do saber sapiente: o apoio aos estudos históricos, sobretudo no que à diocese diz respeito, a dedicação à música, o apreço pelas artes visuais – de que se destaca o seu jeito para o retrato, a pintura, a literatura ou o restauro dos afrescos da Sé catedral – e o apoio às ações de renovação, restauro e aumento dos imóveis atinentes à diocese e/ou às paróquias. Tudo isso lhe mereceu o reconhecimento como bispo reconstrutor e eminentemente culto. A Academia Portuguesa de História fê-lo seu sócio correspondente.

Por ocasião do 10.º aniversário do seu falecimento, o Cónego João António Pinheiro Teixeira deixava o apelo, a que obedeço, ao não esquecimento deste homem que “chegou a Lamego com um coração de pastor e, quase 28 anos depois”, se despediu “com um olhar de pai”. E salientava que, “ao aproximar-se o fim, D. António quase não falava, mas não deixava de comunicar, acima de tudo, com o olhar” – um olhar sofrido, sereno, acolhedor e agradecido.

A partir de 8 de outubro de 1972, Lamego passou a ser para este bispo “a minha casa e a minha família”. E queria “ser pastor, vínculo de paz, de amor e de unidade”. Isto, sem esquecer a intervenção social e política. Aquando das legislativas de 1979, alertava em nota de larga repercussão: “A Igreja tem uma dupla missão: afirmar e promover o respeito pelos direitos do Homem e denunciar e condenar todas as suas violações”.

Cônscio do direito/dever da contestação das ideias e da não justificação da “destruição das pessoas”, cultivava uma proximidade surpreendente e cativante que o levava a visitar doentes e pobres, até a ir crismar a casa, e multiplicar a criação de ministros extraordinários da comunhão.

D. António de Castro Xavier Monteiro foi um dos promotores da construção da Igreja de Airão S. João, a sua terra natal. E o hino da freguesia é da sua autoria.

2022.10.08 – Louro de Carvalho

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