domingo, 30 de outubro de 2022

A problemática da mudança da hora na União Europeia

 

Os peritos internacionais que subscreveram a Declaração de Barcelona sobre Políticas do Tempo, assinada por mais de 70 instituições internacionais, em outubro de 2021 e que tinha por objetivo, entre outros, o de promover o debate sobre a mudança da hora, propõem o fim da mudança da hora na União Europeia (UE) e o alinhamento dos fusos horários dos diferentes países, aproximando-os o máximo possível da hora solar e tornando-os permanentes.

Os subscritores da predita Declaração de Barcelona sustentam que as mudanças na hora legal “não têm efeitos significativos na poupança energética”, ao passo que a manutenção da mesma hora “melhora a saúde, a economia, a segurança e o meio ambiente”.

Estes especialistas, citados pela agência noticiosa Efe, defendem, numa primeira fase, que todos os países da UE acabem com a mudança da hora na primavera (para a hora de verão, UTC+1, em que os relógios são adiantados 60 minutos) e continuem com a hora de inverno (UTC+0), não tendo de fazer alterações os países cujo fuso horário recomendado é a sua hora padrão atual. (UTC, sigla em Inglês para Tempo Universal Coordenado, é a hora padrão a partir da qual se calculam os fusos horários no mundo. E, numa segundo fase, os países cujo fuso horário recomendado não corresponde à sua hora padrão, como Portugal, Espanha, Bélgica, França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo e Países Baixos, atrasariam, uma última vez, os relógios no outono (UTC-1), para poderem adotar o fuso horário recomendado como a sua nova hora padrão.

O atual regime de mudança da hora na UE é regulado por uma diretiva que determina que todos os anos os relógios sejam adiantados e atrasados, respetivamente, uma hora no último domingo de março e no último domingo de outubro, marcando o início e o fim da hora de verão.

O grupo de peritos que propõe o fim da mudança da hora na UE inclui representantes de organizações que defendem “fusos horários saudáveis”, como a International Alliance for Natural Time (Aliança Internacional para uma Hora Natural), a European Biological Rhythms Society (Sociedade Europeia de Ritmos Biológicos) e a European Medical Association (Associação Médica Europeia), bem como especialistas em cronobiologia (de crónos, tempo + logos, estudo +ia, sufixo indicador de ciência ou arte: ramo da biologia que estuda os efeitos dos chamados relógios biológicos).

Porém, a mudança da hora é vista pela positiva por muitos, que viram, a 30 de outubro, esta medida como sinónimo de mais uma hora de sono. Para outros nem tanto, uma vez que significa que os dias passarão a ser mais curtos, ficando de noite mais cedo.

Portugal – que entrou, a 27 de março na hora de verão (UTC+1) e, de 29 para 30 de outubro, na hora de inverno (UTC+0), atrasando os relógios 60 minutos às duas horas, mas em que a Região Autónoma dos Açores tem sempre menos uma hora do que o Continente e a Região Autónoma da Madeira – defende o atual regime, com hora de verão e com hora de inverno.

Na sequência de um inquérito de 2018 que ditou que a esmagadora maioria dos europeus prefere o fim da mudança da hora, em março de 2019, o Parlamento Europeu (PE) aprovou, sob proposta da Comissão Europeia, o fim da mudança da hora nos Estados-Membros da UE, defendendo a entrada em vigor da medida em 2021. Contudo, a adoção da medida no espaço comunitário dependia de uma tomada de posição, que está por tomar, do Conselho da UE, instância de decisão onde estão representados os Estados-Membros, e também dos próprios parlamentos nacionais.

Na altura, o Conselho da UE entendeu que, para a concretização da medida, faltava uma avaliação de impacto e remeteu o assunto para a Comissão Europeia, mas o surgimento de temas como o Brexit, a pandemia de covid-19 e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia tem relegado o tema para fora das agendas dos líderes europeus.

É de anotar que a referida consulta pública de 2018 obteve 4,6 milhões de respostas de vários Estados-Membros, sendo que Portugal contribuiu somente com 0,7%. A maioria dos votos (84%) dos países que participaram foi, como ficou dito acima, a favor de se pôr fim à mudança de hora.

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Na sequência de consulta pública organizada pela Comissão Europeia em 2018, o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), então com competência na manutenção da hora legal em Portugal, emitiu um parecer, remetido ao Governo, que apontava a manutenção da hora de verão e da hora de inverno, avaliando fatores como a poupança energética e a perturbação no sono.

O parecer sustentava que a poupança de energia “é positiva mas diminuta” e as perturbações do sono “mínimas” com o horário de verão. Porém, indicava que a transição para a hora de inverno “poderia ser melhor”, se ocorresse em finais de setembro, como sucedeu até 1995 na Europa, e não no fim de outubro, “permitindo uma maior aproximação à hora solar durante o ano”.

Segundo o documento, manter apenas a hora de inverno significava ter “o sol a nascer perto das 5 horas na altura do verão, ou seja, uma madrugada de sol desaproveitada seguida de um final de tarde com menos uma hora de sol, fatores que não são positivos nas atividades da população”. Por outro lado, mantendo a hora de verão todo o ano, “o sol nasceria entre as 8 e as 9 horas durante quatro meses do ano, no inverno, com impactos negativos”, nomeadamente nas deslocações para o trabalho e para a escola, que teriam pouca luz. Assim, a pouca luz vem no fim do dia!

Por seu turno, o Professor Vital Moreira, a 25 de outubro, no blogue Causa Nossa, declarou reiterar o seu apoio à proposta – novamente sufragada pelo dito grupo de peritos a 24 de outubro deste ano – de “acabar com a mudança cíclica da hora em toda a União”, bem como “à ideia de cada país adotar como hora permanente aquela que for mais consentânea com o seu natural fuso horário, ou seja, com a hora solar” (que, na generalidade dos casos, é a “hora de inverno”). 

Considera “indiscutíveis os inconvenientes da mudança semestral da hora”, como a necessidade de mudar manualmente, duas vezes por ano, todos os relógios e programadores não ligados à Internet, não havendo hoje motivo de vulto para o desvio da hora solar, no verão, que é, no caso português, a do fuso horário de Greenwich, onde se encontra o Reino Unido e a Irlanda e se deveria situar também a Espanha (todavia alinhada, com a hora da Europa central, pelo que Vigo tem a mesma hora de Varsóvia...).

Aliás, Vital Moreira, citando o comentário de um leitor seu, observa que o mesmo se aplica à França, pois, até 1940, a Espanha, a França e o Benelux tinham a hora inglesa, mas a invasão hitleriana e o filogermanismo de Francisco Franco “obrigaram a que a França, o Benelux e a Espanha mudassem todos para a hora alemã”. Por seu turno, outro leitor considera que “não se podem pôr no mesmo pé a França e a Espanha, visto que o território francês fica maioritariamente na metade leste do fuso horário de Greenwich, enquanto a segunda fica maioritariamente na metade oeste, o que torna mais artificial a sua hora”. Porém, o académico sublinha que “mais importante do que a escolha do fuso horário de cada país é a mudança cíclica da hora”.

Também, Gustavo Rojas, especialista em astronomia do NUCLIO – Núcleo Interativo de Astronomia e Inovação em Educação, defende que a mudança de hora duas vezes por ano implica as áreas da saúde, da economia e da ciência em simultâneo. Por isso, como verifica, “não existe um consenso entre os estudiosos, porque há muitos fatores a ter em conta”.

Considerando a sua área de estudos, revela que, do ângulo da astronomia, a maior condicionante para esta mudança é “o aumento e a diminuição da luz natural”, sendo esta a sua “preocupação” face à alteração das rotinas. Todavia, adianta que o fator da iluminação não terá tanto poder como outrora, devido à iluminação artificial: “A questão da iluminação natural pode já não ter tanto peso hoje em dia, em comparação ao século XX, quando implementaram esta mudança. Agora já não dependemos exclusivamente da luz natural para iluminar as casas e as ruas, por exemplo.”

Assim, o astrónomo questiona: “Até que ponto esta hora a mais de luz permite às pessoas aproveitarem melhor os dias? Depois de mais de 100 anos, será que os argumentos para mudar a hora ainda continuam relevantes?”. E vinca as implicações desta situação na saúde e bem-estar da população, podendo causar perturbações no sono e desregular o corpo humano, pois, “dividir os nossos ritmos duas vezes por ano interfere muito no nosso ritmo circadiano, que é associado ao período de luz e regula o nosso sono.” (Ritmo circadiano – circa, cerca de +diem, dia – é o da variação nas funções biológicas dos seres vivos em cerca de 24 horas.)

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A primeira vez que se alterou a hora foi na Primeira Guerra Mundial, em 1916, para se pouparem recursos indispensáveis, como o carvão, e potencializar as horas de luz solar. Enfrentando agora a Europa as consequências da Guerra da Ucrânia – nomeadamente a crise energética – é inevitável manter esta decisão. No entanto, é de ponderar se esta opção fará sentido no futuro. A discussão mantém-se há muitos anos, questionando-se o porquê de adiar ou a atrasar os relógios uma hora. Com efeito, se se ganham horas de luz ao final da tarde, também estas se perdem durante a manhã.

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Eu, que já vivi com mudança da hora e sem ela (não tivemos hora de inverno entre 1992 e 1996), com pouca diferença, só espero que decidam e que o façam por motivos de peso!

2022.10.30 – Louro de Carvalho

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