sexta-feira, 14 de outubro de 2022

A Lei de Bases do Sistema Educativo fez 36 anos

 

A Lei Bases do Sistema Educativo (LBSE), aprovada pela lei n.º 46/86, de 14 de outubro, e publicada precisamente a 14 de outubro de 1986 (Já passou o seu 36.º aniversário), estabelece o quadro geral do sistema educativo nacional.

Haviam sido apresentados à Assembleia da República (AR), discutidos e votados favoravelmente na generalidade cinco projetos de lei, oriundos dos seguintes partidos: Partido Social Democrata (PSD), Partido Socialista (PS), Partido Renovador Democrático (PRD), Partido Comunista Português (PCP) e Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE). Após dois meses de trabalho em subcomissão criada pela Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, a LBSE foi aprovada com os votos do PCP, do PRD, do PS e do PSD. Votou contra o Centro Democrático Social (CDS) e abstiveram-se o MDP/CDE e os deputados do PS António José Seguro e José Apolinário (da Juventude Socialista).

Com 64 artigos, divididos por nove capítulos, foi aprovada a 24 de julho e promulgada pelo Presidente da República Mário Soares, a 23 de setembro, em Guimarães (no quadro da primeira Presidência Aberta), a LBSE, que havia sido reclamada depois do 25 de abril de 1974, com várias tentativas de aprovação na AR entre 1980 e 1984 (12 projetos de lei), mas sem sucesso.

Agora, sem um partido ou coligação com maioria parlamentar, mas com um governo minoritário do PSD, a AR levava a cabo o processo de aprovação da LBSE, resultante de maior protagonismo da AR e de processo negocial interpartidário que, incluindo o PSD, atribuiu menor centralidade ao X Governo. No entanto, este antecipara-se à aprovação da LBSE com a criação da Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE), sendo ministro da Educação e Cultura João de Deus Pinheiro e, a partir de agosto de 1987, com o XI Governo de maioria absoluta do PSD, sendo ministro da Educação Roberto Carneiro. Foi diferenciada a relação deles com a CRSE, vindo o primeiro a ter, mais tarde, pena de que essa reforma não tivesse prosseguido, e o segundo, que integrara um dos grupos de trabalho da CRSE, relativo à “reforma curricular”, a reconhecer diferenças de conceções e de pensamento entre a CRSE e a equipa do ministério, mesmo com certa colisão protagonizada pelo secretário de Estado Pedro da Cunha.

A CRSE foi criada a 26 de dezembro de 1985, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/86, devendo “iniciar de imediato” os trabalhos, tendo o prazo de 60 dias a partir da sua constituição para apresentar o projeto global das atividades a realizar, seguido de 12 meses, durante os quais “promoverá os estudos… e procederá às diligências necessárias à preparação dos projetos de diploma legais consequentes” e mais 12 meses para elaborar “os programas de aplicação” e para proceder ao “acompanhamento possível da sua execução”. Não há referência a futura LBSE ou a forma de articulação entre a CRSE e o processo parlamentar, assim se assumindo o pressuposto de que uma reforma global e coerente das estruturas, métodos e conteúdos do sistema não exigiria a prévia aprovação de uma LBSE, o que retiraria margem de manobra à iniciativa governamental.

Porém, o Governo não podia desconhecer a dinâmica de apresentação de projetos de lei por parte dos partidos políticos, iniciada antes da criação da CRSE.

A CRSE, composta por 11 individualidades, foi nomeada por Despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e do ministro da Educação e Cultura, a 13 de fevereiro de 1986. A posse ocorreu a 18 de março, após a entrada dos ditos cinco projetos de lei na AR. A 27 de maio, seria divulgado o Projecto Global de Atividades, após ter merecido a concordância do Governo. Nele, a CRSE admite que “a reforma a realizar tem de situar-se no enquadramento legal a definir pela Assembleia da República” e que as opções que vierem a ser feitas serão “o referencial obrigatório da reforma que importa realizar”. Esta simultaneidade de processos permitiria à CRSE ganhar algum tempo útil através do início da produção de estudos, até que a LBSE viesse a ser aprovada. Na prática, porém, tal não chegou a ocorrer, pois só dois meses separaram a aprovação do seu Projecto Global de Atividades da aprovação da LBSE pela AR. De resto, os diversos grupos de trabalho constituídos pela CRSE tomaram como referência primeira a LBSE e, ao invés do que já tem sido afirmado, os textos relativos a estudos, seminários e projetos, organizados e publicados pela CRSE, são todos posteriores à publicação da LBSE, tendo ocorrido já a partir de 1987 e em 1988, pelo que não podiam ter sido “muito importantes para a aprovação da Lei de Bases”. Assim, a LBSE foi muito importante e, mais do que isso, referencial obrigatório nos documentos elaborados no âmbito da CRSE, quer em termos jurídicos estruturais, quer em termos de categorias e de conceitos ali plasmados, embora objetos de interpretações variadas e nem sempre coincidentes, mesmo entre diferentes grupos de trabalho constituídos pela CRSE. Quanto às eventuais relações estabelecidas entre os trabalhos da subcomissão da AR e as atividades da CRSE, o presidente desta considerou terem-se verificado “processos paralelos”.

Ao contrário do sucedido entre 1971 e 1973, sob o governo de Marcelo Caetano, com a Reforma Veiga Simão, instituída com a Lei n.º 5/73, de 25 de julho, em 1986 as categorias “Lei de Bases do Sistema Educativo” e “Reforma Educativa” surgiram desarticuladas, sobretudo a princípio, embora a CRSE tivesse aguardado pela aprovação da LBSE para iniciar as atividades mais substantivas e o funcionamento dos respetivos grupos de trabalho, tendo apresentado, entre 1987 e 1988, medidas e propostas de regulamentação da lei, em muitos casos com reduzido sucesso e de forma mais fragmentada do que anunciara, apesar dos esforços de integração ensaiados na Proposta Global de Reforma, de julho de 1988. Mas o teor avulso dos documentos produzidos prejudicou a congruência ou unidade de princípios, visada pela CRSE. Acresce à débil articulação outra, que, tomando por referência a LBSE e as propostas da CRSE, produziu interpretações específicas delas a partir do contexto de integração na Comunidade Económica Europeia (CEE) e das agendas governativas para a educação. E, além das ruturas e das continuidades entre distintos referenciais políticos, constitucionais e jurídicos da educação nas décadas de 1970 e 1980, a LBSE seria regulamentada ao longo de vários anos e a ritmos distintos consoante as áreas de “reforma educativa”, tendo sido objeto de apropriações seletivas e diferenciadas.

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A LBSE foi alterada cirurgicamente pelas Leis n.º 115/97, de 19 de setembro, 49/2005, de 30 de agosto, e 85/2009, de 27 de agosto.

As alterações introduzidas em 1997 visaram sobretudo os seguintes aspetos: o regime de acesso ao ensino superior, dando às suas instituições a competência para, no quadro de princípios fixado, definir o processo de avaliação da capacidade para a frequência, bem como o de seleção e seriação dos candidatos; o sistema de graus, atribuindo aos institutos superiores politécnicos a capacidade da atribuição direta da licenciatura (até agora ministravam cursos de estudos superiores especializados, equivalentes a licenciatura para efeitos profissionais e académicos e atribuíam a licenciatura quando um curso formasse conjunto coerente com bacharelato precedente); o sistema de formação de professores: (i) atribuindo às instituições de ensino superior politécnico a competência para a formação de professores do 3.º ciclo do ensino básico, em condições a definir; e (ii) elevando o nível de formação dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico de bacharelato para licenciatura.

As alterações de 2005 visaram especialmente os seguintes aspetos: a organização da formação superior com base no sistema de créditos europeu; a adoção do modelo de três ciclos de estudos, do Processo de Bolonha, conducentes aos graus de licenciado, mestre e doutor; o alargamento ao ensino politécnico da de conferição do grau de mestre; a modificação das condições de acesso ao ensino superior para os que nele não ingressaram na idade de referência, atribuindo às instituições de ensino superior a responsabilidade pela sua seleção; e a criação de condições legais para o reconhecimento da experiência profissional através da sua creditação.

A Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, introduziu no artigo 4.º da LBSE um novo número (n.º 5) estabelecendo que o disposto nesta “não prejudica a definição de um regime mais amplo quanto à universalidade, obrigatoriedade e gratuitidade na organização geral do sistema educativo, nos termos da lei.” A escolaridade obrigatória estendia-se até ao 9.º ano de escolaridade e cessava aos 15 anos de idade. Com esta lei, a escolaridade obrigatória passou a ir até ao fim do nível secundário de educação. E esta lei estabeleceu a universalidade da educação pré-escolar para todas as crianças a partir dos 5 anos de idade, implicando, para o Estado, o dever de garantir a existência de uma rede de educação pré-escolar que permita a inscrição de todas as crianças e o de assegurar que essa frequência se efetue em regime de gratuitidade da componente educativa.

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Já houve, pelo menos, duas tentativas de substituir e de subverter os princípios e a organização deste diploma, quase consensual e que foi aperfeiçoado pelas intervenções legislativas cirúrgicas adrede referidas: o XV Governo Constitucional (PSD/CDS) propôs à AR a aprovação de uma Lei de Bases da Educação (LBE), que mereceu aprovação parlamentar, mas foi objeto de veto presidencial, acatado pelo Governo e pela AR, entretanto, renovada por via eleitoral; e, em 2016, o Conselho Nacional da Educação viu a “necessidade” de o Governo e a AR darem corpo a um processo legislativo que desembocasse na aprovação e publicação de uma LBE, o que não teve seguimento. E a LBSE, no seu grande reformismo, assumindo os princípios constitucionais e prosseguindo os melhores objetivos educacionais, tem resistido a ventos, marés e ambições. Resta saber até quando. Com efeito, as medidas de política educacional em concreto alternam, por via legislativa ou administrativa, entre a realização de atos em conformidade com os bons princípios educativos e a descaracterização prática dos pressupostos e finalidades da LBSE. É a vida!

2022.10.14 – Louro de Carvalho

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