sábado, 8 de outubro de 2022

OE 23: timidez e realismo, obsessão do défice e voracidade fiscal

 

O Governo apresenta, a 10 de outubro, ao Parlamento o Orçamento do Estado para 2023 (OE 23), porém, muitas das suas linhas gerais, incluindo o cenário macroeconómico em que se apoia foram antecipadas no acordo de rendimentos e competitividade negociado com os parceiros sociais, embora nem todas as medidas tenham aplicação em 2023.

Gizado em clima de incerteza criado pela guerra e em novo ciclo de taxas de juro, traz significativa atualização dos escalões do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e outras novidades para as famílias, bem como a atualização das pensões e algum aumento salarial para os funcionários públicos. Reduz o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) para as empresas que subam salários, reforcem a capitalização ou apostem na investigação e desenvolvimento, bem como as pequenas e médias empresas (PME).

Os escalões de IRS que definem o imposto que as famílias entregarão ao fisco são atualizados em 5,1%, para assegurar a neutralidade fiscal das atualizações remuneratórias. Assim, quem tem tiver aumentos de vencimento daquela ordem não será penalizado no IRS.

Está prevista a aproximação e, sempre que possível, a eliminação da diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido, evoluindo para o sistema de retenção que assegure que a valorização salarial se traduz em ganho líquido mensal para o trabalhador.

Também o Executivo propõe a reformulação das regras de funcionamento do “mínimo de existência” para conferir maior progressividade ao IRS, passando da lógica de liquidação final para a de abatimento a montante, beneficiando os rendimentos até 1.000 euros por mês e eliminando a distorção atual de tributação a 100% dos rendimentos imediatamente acima da atual RMMG (Remuneração Mínima Mensal Garantida), que sobe para 760 euros, em 2023.

No IRS Jovem, aumenta o benefício, a extensão do Programa Regressar (terminava no próximo ano) e a criação do incentivo de regresso ao mercado de trabalho, direcionado a desempregados de longa duração. E o subsídio de alimentação fica isento de imposto até aos 5,20 euros por dia.

O aumento das pensões é conhecido desde que o primeiro-ministro apresentou o pacote de apoios às famílias contra a inflação, que gerou polémica, por não respeitar a fórmula legal para a atualização das pensões. O incremento será de 4,43% para as pensões até 886 euros, de 4,07% para as pensões entre 866 e 2.659 euros e de 3,53% para as restantes pensões sujeitas a atualização. Se fosse aplicada a fórmula legal, os aumentos oscilariam entre os 7% e 8%. O Governo justificou a diferença com a necessidade de preservar a sustentabilidade da Segurança Social.

Em recente encontro com os sindicatos, a ministra da Presidência propôs a subida global média de 5,1% (de 2% a 8%) dos rendimentos dos trabalhadores da função pública, incluindo aumentos salariais e progressão na carreira. O salário mínimo na Função Pública tem o aumento mais expressivo no próximo ano, crescendo 8% para os 761,58 euros. Os vencimentos brutos até 2.600 euros mensais aumentam 52,11 euros. Acima dos 2.600 euros, a atualização mínima será de 2%. Esta estrutura de aumentos, de 738 milhões no OE 23, que será replicada nos anos seguintes, resulta em subida média de 3,6% no salário dos funcionários no próximo ano.

É revista a Tabela Remuneratória Única, distinguindo-se as diferentes carreiras, nalguns casos já em 2023. É o caso dos assistentes técnicos, que recebem o adicional de 52,11 euros a partir de janeiro. Os técnicos superiores recebem mais 52 euros. A progressão é mais rápida (três níveis) para mais de 30 anos de serviço e para os assistentes operacionais com mais de 15 anos (dois níveis). Tudo dá o custo de 1.200 milhões de euros em 2023, passível de alterações em concertação com os sindicatos da administração pública. Uma das questões em cima da mesa é o subsídio de alimentação, atualizado em 2017 para 4,77 euros, que subirá para 5,20 euros.

Está sem efeito a redução transversal do IRC, defendida pelo ministro da Economia. Em vez disso, o OE 23 traz nova redução seletiva. O caminho vem traçado no acordo de rendimentos. A redução abrangerá empresas com contratação coletiva dinâmica, valorização de salários e diminuição da disparidade salarial. E o Governo propôs uma majoração em 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações e contribuições sociais), no IRC.

A diminuição seletiva abrangerá as empresas que invistam em Investigação e Desenvolvimento, reforçando as condições do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II) na componente do investimento direto. E será premiado o reinvestimento de lucros retidos, com a criação do Incentivo à Capitalização de Empresas (ICE).

As PME com lucro tributável até 50 mil euros acedem à taxa reduzida de IRC de 17%. Aplica-se também a empresas em atividade nos territórios do Interior. E, na vigência do acordo, a taxa reduzida aplica-se, por dois anos, a empresas que resultam de fusão de PME.

Outra boa nova para as empresas com frota automóvel é a redução em 2,5 pontos percentuais das taxas de tributação autónoma aplicáveis aos veículos híbridos plug-in. E há uma diminuição das taxas para veículos ligeiros movidos a Gás Natural Veicular (GNV).

Todavia, podem algumas destas medidas não avançar em 2023 (o acordo é plurianual).

O acordo de rendimentos inclui medidas de simplificação administrativa que podem constar ou não do OE 23. São exemplos a criação do regime geral de taxas ou a eliminação e simplificação de processos burocráticos no âmbito da Reforma dos Licenciamentos.

Na Segurança Social, sobressai a eliminação da obrigação de comunicação mensal das declarações retributivas pelas entidades empregadoras, havendo necessidade de comunicação só em caso de alterações. Idem, para as comunicações trimestrais dos trabalhadores independentes.

Resta algum apoio à prestação do crédito à habitação e à supressão da comissão de amortização.

O cenário macroeconómico que serve de base ao OE 23 foi conhecido a 7 de outubro, quando o Governo apresentou aos partidos as linhas gerais do documento. Ao invés do que os economistas temem em relação à Zona Euro, o primeiro-ministro afasta a hipótese de recessão em Portugal e 2023. Disse-o no debate sobre política geral no Parlamento e, no final da cerimónia do 5 de outubro, afirmou que a nossa economia registará um “crescimento económico moderado”, “acima da média europeia”. Depois, previu que haverá “desaceleração significativa da inflação”. O Governo está a trabalhar com uma previsão de crescimento de 6,5% este ano, que abrandará para 1,3% em 2023. E, no cenário macroeconómico que integra a proposta do OE 23, aponta para a redução da dívida pública (cujo serviço já está mais caro) de 115%, neste ano, e para 110,8%, no próximo – valores anteriores ao tempo da troika. O défice será de 1,9% em 2022, caindo para 0,9% em 2023. E a inflação será de 7,4%, no final deste ano, desacelerando para 4%, em 2023.

Por seu turno, o Conselho de Finanças Públicas (CFP) atualizou a sua projeção, antecipando forte travagem da economia de 6,7%, neste ano, para 1,2%, no próximo. A taxa de inflação média deverá situar-se nos 7,7%, neste ano e em 5,1%, em 2023 – valor acima do previsto, por exemplo, para o aumento das pensões, mas idêntico à atualização dos escalões de IRS.

Ao contrário do primeiro-ministro, o CFP não afasta o cenário de recessão, sendo o cenário atual “um cenário prudente face à informação que dispomos”.

O Boletim Económico de outono do Banco de Portugal (BdP) não traz previsões para 2023, mas frisa que os efeitos negativos da agressão militar na Ucrânia “serão mais notórios em 2023” e antecipa “uma desaceleração significativa face a 2022”. Ao mesmo tempo, prevê, para 2022, a taxa de inflação de 7,8%, a do crescimento do consumo privado em 5,5%, a do investimento em 0,8% e a do desemprego em 5,8%.

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Enquanto o Presidente da República, ignorando aposição do CFP e os avisos do BdP (a pedir moderação salarial e cautela no apoio às empresas), veio a terreiro clamar que as provisões do Governo são realistas, os partidos com representação parlamentar, que se reuniram com o ministro das Finanças e com a ministra dos Assuntos Parlamentares, teceram críticas ao OE 23. O Partido Social Democrata (PSD) criticou a “voracidade e asfixia fiscal”, por não “devolver às famílias e às empresas” o acréscimo de receita fiscal nos cofres do Estado, e acha “ilusório” o crescimento de 1,3%, por advir da comparação com uma fase de pandemia e da recuperação no consumo privado que terá “retração significativa”. A Iniciativa Liberal (IL) considera demasiado otimistas as previsões do cenário macroeconómico em causa, havendo que perceber os riscos orçamentais do crescimento económico baseado no do consumo das famílias, que desacelerará. E, para o Chega, a previsão de 4% para a inflação “merece as maiores reservas” e é mau não haver descida no imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

À esquerda, o PCP acusa o Governo de obsessão pelas contas certas, pelo défice, em vez de promover a valorização de rendimentos e dos serviços públicos e o investimento na produção nacional”, pois é essencial proceder à recuperação e valorização dos salários e das pensões, ao controlo e à fixação de preços de bens essenciais, à tributação dos lucros dos grupos económicos e reforço de serviços públicos, designadamente na saúde e educação. O Livre censura o hábito de, em períodos crise, tentar fazer brilharete com a vida das pessoas e tentar superar a meta do défice e ir para défice menor. E o PAN considera “excessivamente otimistas” as projeções do Governo de crescimento para 2023 e critica a linha conservadora que segue na política fiscal.

Obviamente não se esperavam aplausos da oposição, mas esperava-se mais em tempo de crise. 

Não aumentam os impostos diretos (há alguma redução), mas o aumento nominal de salário, díspar do aumento real (o salário real diminuiu), está aquém da necessidade das famílias e do aumento dos custos de produção. A timidez e a falta de ousadia, aliadas à obsessão do défice e da dívida, dão orçamento com base na folha de Excel moderada por alguma cortesia orçamental.

2022.10.07 – Louro de Carvalho

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