quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Avião da Frontex patrulha, surpreendentemente, mar dos Açores

 

Sobrevoa o mar dos Açores, a pedido da Guarda Nacional Republicana (GNR), o Beechcraft C-12 da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), facto não pacífico a surpreender a Marinha e Força Aérea que vigiam a área, estando em causa a soberania nacional.

A GNR não explica porquê ou que ameaças prevê para outubro e novembro, período para o qual pediu à Frontex a aeronave para patrulhamento do mar dos Açores, terminando a sua competência nas 12 milhas. Porém, um Beechcraft C-12 opera desde 16 de outubro e o facto gerou mal-estar nas Forças Armadas (FA), pois a Marinha e Força Aérea têm meios de vigilância para lá das 12 milhas e não receberam qualquer pedido de apoio da GNR.

Interpelada sobre a formulação deste inédito pedido, a GNR assinala que visa garantir a vigilância da fronteira externa da União Europeia (UE), designadamente da Região Autónoma dos Açores, “atendendo às competências que cabem à Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR, vertidas na Lei Orgânica da Guarda”. A este respeito, fonte oficial do comando-geral lembra que “a UCC é a unidade especializada responsável pelo cumprimento da missão da Guarda em toda a extensão da costa e no mar territorial, com competências específicas de vigilância, patrulhamento e interceção terrestre ou marítima em toda a costa e mar territorial do continente e das Regiões Autónomas” (vd artigo 40.º, n.º 1, da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro). E refere que este patrulhamento decorre entre outubro e novembro, sendo financeiramente suportado pela Frontex, no âmbito do EUROSUR (Sistema Europeu de Vigilância das Fronteiras) Fusion Services, potenciando a vigilância das fronteiras externas da UE e aumentando a probabilidade de deteção antecipada de ocorrências de criminalidade transfronteiriça.

A responsabilidade de patrulhamento e de operações na maior extensão do mar das regiões autónomas é da Marinha e da Força Aérea, pois a jurisdição da GNR termina nas 12 milhas. Porém, a Força Aérea não recebeu qualquer pedido da GNR para a missão em causa, salientando que, “de acordo com a lei e no âmbito das capacidades de vigilância e patrulhamento marítimo e terrestre”, executa missões para “assegurar, no espaço estratégico de interesse nacional, a vigilância e o controlo das fronteiras marítimas, das atividades de contrabando aduaneiro, de tráfico de estupefacientes e de imigração ilegal, entre outras” e que, nesse âmbito “só no ano de 2022, já realizou 150 missões, totalizando 780 horas de voo, empenhando aeronaves C-295M e P-3C CUP+”. Também a Marinha refere não ter recebido pedido de colaboração da GNR para patrulhamento marítimo e não tem qualquer articulação com aquela força militar no processo.

Estranho força militar de Defesa e força militar de Segurança não terem qualquer articulação!

Na ilha de S. Miguel, em cuja capital, Ponta Delgada, o avião está estacionado, Paulo Botelho Moniz, deputado do PSD eleito pelos Açores, disse que lhe chegaram “mensagens de toda a ilha relatando alguma apreensão com os voos junto à costa”. E, para o deputado, o episódio revela a total incapacidade do Estado em prover, por meios próprios, ao exercício da nossa soberania.

O deputado lembra que os Açores são a única zona do país sem o Sistema de Vigilância de Costa da GNR (SIVICC), “mesmo após os estudos efetuados e os milhões de euros em fundos comunitários disponíveis”, o que representa “a sublimação de um governo incapaz e que ainda não conseguiu implementar e colocar ao serviço este sistema essencial à segurança do país, das populações dos Açores e à defesa e proteção das fronteiras mais externas da Europa”. E conclui que esta situação “é um sinal da falência em matérias de Segurança e Defesa de um governo, que não se articula, o Ministério da Administração Interna que tutela a GNR de costas voltadas com o ministério da Defesa Nacional, assumindo e passando uma imagem de debilidade de meios, fraqueza e incapacidade operacional própria, exposta perante os parceiros europeus”.

Assertivo na crítica é o Almirante Melo Gomes, ex-Chefe de Estado-Maior da Armada: “As fronteiras externas da UE nos Açores, são, em primeiro lugar, as nossas. Como tal, da nossa responsabilidade soberana. O princípio da subsidiariedade deve ser a regra e a Frontex não se deve sobrepor à ação prioritária dos Estados. Adicionalmente, parece-me que não caberá à UCC formular pedidos de apoio externo em questões que se prendem com a soberania de Portugal.” E, observando que “são afetos à UCC recursos que muita falta fazem à Marinha, que tem vindo a sofrer reduções inaceitáveis nas verbas de operação e manutenção”, diz que a situação é “mais uma entropia à gestão adequada do nosso mar!”

Outros oficiais da Força Aérea e da Armada na reserva, escudados no anonimato, consideram: “A Frontex não deve vigiar os nossos espaços marítimos, pois isso é reconhecer que temos incapacidades, o que, em último caso, fragiliza a nossa soberania.” Ora, tal reconhecimento terá consequências graves em diversos processos em curso, como o pedido da extensão da plataforma continental, pois estamos a priori a admitir não termos capacidade de a proteger.

Outro refere que a entrega da vigilância à UE faz de nós um Estado dependente e significa “um cavalo de Troia cá dentro”, o que “é fortemente lesivo para os interesses nacionais”.

A relação da GNR, comandada por um general do Exército, Rui Clero, com a Marinha, agora liderada pelo Almirante Gouveia e Melo, tem um histórico conflituoso e de descoordenação entre Segurança e Defesa. Ainda há dois anos, a aquisição da megalancha “Bojador” pela GNR deixou a Marinha em estado de sítio e o ministro da Defesa a ter de marcar posição.

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A Frontex (“Fronteiras externas”), é a agência da UE sediada em Varsóvia, na Polónia, encarregue do controlo das fronteiras externas do Espaço Schengen (ES) e da repatriação de imigrantes irregulares para os países de origem, em coordenação com as similares dos Estados-membros (EM). Criada, em 2004, como Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas, é a principal responsável pela coordenação dos esforços de controlo das fronteiras do ES. Em resposta à crise migratória de 2015-2016, a Comissão Europeia propôs, a 15 de dezembro de 2015, a prorrogação do mandato da Frontex, transformando-a numa Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira de pleno direito. A 18 de dezembro, o Conselho Europeu apoiou a proposta e, após votação do Parlamento Europeu (PE), foi lançada oficialmente a Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira a 6 de outubro de 2016, na fronteira da Bulgária com a Turquia. Para o cumprimento das tarefas, o orçamento aumentou dos 143 milhões de euros, em 2015, para 543 milhões de euros, em 2021, e os funcionários serão 10.000 até 2027.

Segundo a Comissão Europeia, esta reúne uma Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira construída a partir da Frontex e das autoridades dos EM responsáveis pela gestão das fronteiras, sendo a gestão quotidiana das regiões das fronteiras externas da responsabilidade dos EM. Pretende-se que a agência apoie os Estados que necessitem de assistência e coordene a gestão geral das fronteiras externas da Europa. A segurança e o patrulhamento das fronteiras externas da UE, na prática, o Espaço Schengen, incluindo os Países Associados de Schengen, bem como os Estados da UE que ainda não aderiram ao ES, mas estão obrigados a fazê-lo, é responsabilidade partilhada pela agência e pelas autoridades nacionais.

A agência coordena a cooperação operacional entre os EM na gestão das fronteiras externas, apoia-os no treino dos guardas nacionais de fronteiras, incluindo a definição de normas de treino comuns, realiza análises de risco, acompanha a evolução da investigação relevante no controlo e vigilância das fronteiras externas, apoia os EM em circunstâncias que exijam assistência operacional e técnica reforçada nas fronteiras externas e faculta-lhes o apoio necessário na organização de operações conjuntas de repatriação de imigrantes.

Tem ligação com outros parceiros comunitários responsáveis pela segurança das fronteiras externas e pela cooperação no domínio aduaneiro e dos controlos fitossanitários e veterinários.

O pessoal do seu Corpo Europeu Permanente foi duplicado entre 2015 e 2020. E prevê-se uma reserva de guardas europeus de fronteira e de equipamento técnico. A agência pode adquirir os seus veículos. Os EM onde o equipamento esteja registado (equipamento de maior dimensão, como navios patrulha, aeronaves, etc.) são obrigados a colocá-lo à disposição da agência sempre que necessário. Tal permitirá à agência implementá-lo rapidamente nas operações fronteiriças. São disponibilizadas à agência, para eliminar a escassez de pessoal e de equipamento para as operações, uma reserva de guardas de fronteira e de equipamento técnico.

Lançado em 2021, o Corpo Permanente da Frontex é o primeiro serviço uniformizado da UE. Está previsto, em 2027, o Corpo alcançar os 10.000 guardas (da agência e dos EM), que apoiam e trabalham sob o comando das autoridades nacionais do país em que operam.

As suas tarefas são: controlo da fronteira e patrulhamento, verificação da identidade e dos documentos e registo dos imigrantes.

O centro de monitorização e de análise de risco efetua análises de risco e monitoriza os fluxos para e dentro da UE. Tal análise inclui a criminalidade transfronteiriça e o terrorismo, o tratamento dos dados pessoais de pessoas suspeitas de envolvimento em atos de terrorismo e a cooperação com outras agências da UE e com organizações internacionais na prevenção do terrorismo. É estabelecida a avaliação obrigatória da vulnerabilidade das capacidades dos EM para enfrentar os desafios atuais ou futuros nas fronteiras externas. A Agência pode lançar operações conjuntas, incluindo a utilização de drones, quando necessário. E divulga regularmente relatórios de eventos conexos com o controlo das fronteiras, os atravessamentos ilegais e as diferentes formas de crime transfronteiriço. A tarefa geral de avaliar os riscos foi definida no regulamento da Frontex, segundo o qual esta realiza análises de risco para fornecer à Comunidade e aos EM informações que permitam adotar medidas apropriadas para assumir ou fazer face a ameaças e a riscos identificados, melhorando a gestão integrada das fronteiras externas, sem se criar conflito entre as forças de vigilância e de segurança nacionais.

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Face à indefinição, na Lei e no estatuto da Frontex, sobre quando a Frontex deve intervir por eventuais insuficiências nossas, as decisões devem ser concertadas entre o ministério da Defesa e o da Administração Interna e dadas as explicações, sem drama, ao Parlamento. Não se trata de “não caso”, como alega o Governo, mas de exercício do poder soberano e de respeito institucional.

2022.10.25 – Louro de Carvalho

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