sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Demissão de Liz Truss, já dita a Efémera, abre a porta a novo governo

Ao 45.º dia de governação, 20 de outubro, a primeira-ministra britânica reconheceu que não podia cumprir o mandato com que foi eleita pelo Partido Conservador, acabando assim o governo mais breve de sempre, o que leva os tories (conservadores) a apressar-se na escolha do chefe, que é difícil de encontrar. Ao mesmo tempo, a oposição exige eleições legislativas antecipadas.
Da brevíssima declaração, à porta do n.º 10 de Downing Street, daquela chefe de Governo cuja acelerada perda de autoridade levara muitos a chamar-lhe “PINO”: prime minister in name only (primeira-ministra só de nome), passou para o público a informação de que a escolha do novo líder duraria apenas uma semana. Não obstante, Truss mantém-se à frente do Executivo até ao fim do processo, sendo a mais efémera ocupante do cargo na história do reino. Ultrapassa o seu companheiro de partido George Canning, primeiro-ministro de 118 dias, em 1827, cujo mandato foi abreviado por uma tuberculose fatal.
Empossada por outra Elizabeth, a monarca mais duradoura do Reino Unido (falecida passados dois dias), a terceira mulher a encabeçar o Governo de Sua Majestade, depois de ter exercido várias funções governativas, é a pessoa que menos tempo lá fica, mas eclipsada com os 11 dias de luto pela rainha. E atribuirá a si os erros que desbarataram a sua autoridade em pouco tempo.
A ampla oposição (trabalhistas, liberais, nacionalistas escoceses, verdes) sustenta que só eleições antecipadas legitimam um novo Governo. De facto, o calendário normal atira as legislativas para 2024. E, porque o Rei não tem o poder de dissolução do Parlamento, a antecipação só é possível por vontade do primeiro-ministro ou de uma maioria parlamentar, só possível, se dezenas de deputados conservadores apoiassem a oposição, quando as sondagens preveem a sua aniquilação nas urnas, com os trabalhistas na casa dos 50% e os tories na dos 20%. Não irão nessa!
O deputado Graham Brady, chefe do Comité 1922 (organizador das eleições no Partido Conservador), anunciou a escolha do novo chefe para 28 de outubro, esperando que a escolha passe pelos militantes e não só pelos deputados, como se chegou a especular. E a imprensa alvitrou como hipótese os deputados escolherem alguém, que os filiados ratificariam, ou, em alternativa, o grupo parlamentar escolher alguns finalistas para sujeitar ao veredicto das bases.
Autoexcluídos da sucessão parecem estar Ben Wallace, ministro da Defesa, o preferido dos militantes conservadores quando caiu Boris Johnson, Michael Gove, antigo candidato ao cargo e prestigiado no partido, ou Jeremy Hunt, ministro das Finanças na última semana de governação.
Alguns jornais britânicos admitem o avanço de Kemi Badenoch (ministra do Comércio Internacional) ou Suella Braverman (ex-ministra do Interior), ambas candidatas à última eleição, enquanto outros apontam Rishi Sunak, ex-titular das Finanças, ou Penny Mordaunt, dos Assuntos Parlamentares. Há mesmo quem deseje o regresso de Boris Johnson, que, segundo o diário The Times”, está inclinado a entrar na corrida, pois, há três meses, ao anunciar que deixava a chefia do Executivo, evocou o general romano Cincinato, a quem o império foi buscar à reforma campestre, no século V a.C., para comandar as tropas uma última vez. Apesar da descredibilidade que o forçou à demissão, Johnson continua popular entre os eleitores conservadores. Foi ele que conquistou a atual maioria absoluta, em 2019, em contraste com sondagens que deixam o partido na casa dos 20%, contra 50% da oposição trabalhista.
Truss venceu a disputa, sem ser a preferida do grupo parlamentar (que se inclinava para Sunak, cuja demissão da pasta das Finanças ajudou à queda de Johnson) nem dos militantes (que optavam por Mordaunt, não tendo avançado Wallace). Após bater Sunak na ronda final, decidida pelos militantes, Truss não convidou o adversário nem apoiantes deste para o Executivo.
A primeira-ministra, que prometeu revolucionar o Estado, mas sem olhar ao aviso do rival sobre a insustentabilidade económica e orçamental das suas promessas – baixar IRS (sobretudo aos mais ricos) e IRC; revogar o aumento das contribuições para a Segurança Social –, nomeou para a pasta das Finanças Kwasi Kwarteng, subscritor das suas ideias. Quando este explicou o que tencionava fazer, em miniorçamento, apresentado a meio de setembro, os mercados assustaram-se e a libra afundou-se. Seguiram-se as reviravoltas e as medidas caíram. Entretanto, caiu Kwarteng, o seu sucessor, Jeremy Hunt, adotou uma linha próxima da que defendia Sunak e a saída de Truss deu razão a quem perguntava porque se mantinha a chefe se o demitido aplicava o programa dela.
Depois, a ministra do Interior, Suella Braverman, demitiu-se a 19 de outubro, porque se tornou conhecido que utilizara um telemóvel particular para partilhar mensagens de email com documentos de Estado confidenciais. Porém, a carta de despedida mostra que estavam em causa mais do que questões de segurança: tinha “preocupações sérias sobre o empenho deste Governo em honrar os compromissos do programa”, pelo que “fingir que não cometemos erros, continuar como se toda a gente não visse que os cometemos e esperar que as coisas se resolvam por magia não é política séria”. No mesmo dia, a votação parlamentar sobre a polémica fraturação hidráulica (fracking) propiciou cenas de berraria e alegações de violência nos corredores da Câmara dos Comuns. Muitos conservadores anunciaram o apoio à proposta do Partido Trabalhista (The Labour Party) para proibir aquela técnica de extração de gás do solo. Alguns foram insultados e empurrados para a sala onde se votava com o Governo e contra a oposição. Estes factos levaram deputados – trabalhistas e conservadores – a declarar em público que sentiam fúria e vergonha.
De manhã, a direção da bancada conservadora impôs disciplina de voto, sustentando que a votação equivalia a moção de confiança. Horas depois, um secretário de Estado da tutela afirmava no Parlamento que não era bem assim. Desautorizados, a líder e o vice-líder da bancada demitiram-se. Porém, Downing Street jurava que tais demissões ficavam sem efeito.
A coroar o dia, o chefe de gabinete de Truss é investigado por atividade lobista e foi suspenso um assessor da primeira-ministra por ter insultado o ex-ministro Sajid Javid, em termos que, supostamente, refletiam a opinião de Truss.
Tanta perda de respeito, de autoridade e de credibilidade! Deu nisto o Brexit, o apoio sem reservas à Ucrânia e o recrudescimento do neoliberalismo económico, ao arrepio do ditame dos mercados.
 
Não é, pois, à toa que a oposição trabalhista, liberal e independentista escocesa brada por eleições. O calendário normal remete-as para daqui a dois anos. Não é provável a antecipação.
O país que teve quatro primeiros-ministros em 31 anos (1979-2010), Margaret Thatcher, John Major, Tony Blair e Gordon Brown), vai para o quinto em 12 anos, depois de David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss.
Após a abertura da via para novo governo pela demissão de Truss, recordista no mais curto governo da história, os mercados reagiram ‘mistos’, com algum alívio na City. A libra apreciou-se 0,2% frente ao dólar e o principal índice da Bolsa londrina, o FTSE 100, a bolsa ganhou 0,27%, escapando ao vermelho. Todavia, subiram para perto de 4% os juros das obrigações a 10 anos, pesando na dívida pública do Reino Unido.
A revista The Economist, na sua edição semanal, não foi a tempo de incluir o facto da crise política britânica, mas destaca, em nota aos leitores, que a resignação de Truss confirma o título da edição: “Welcome to Britaly” (Bem-Vindo a Britaly), denunciando uma certa ‘italianização’ da política e economia britânicas. A demissão de Truss da liderança dos conservadores deixa o Governo em gestão até à nomeação de novo primeiro-ministro e à formação de novo elenco, em novembro. Até lá, os mercados escrutinam a escolha do novo líder do Partido Conservador a 28 de outubro, a apresentação pelo ministro das Finanças Jeremy Hunt do plano de médio prazo, a 30 de outubro, e, eventualmente, a reunião do Banco de Inglaterra, a 3 de novembro.
Liz Truss corporiza o símbolo da crise política que o país atravessa desde o Brexit, em 2016. O seu Governo fica para história britânica pela provocação de uma crise cambial que levou a libra à quase paridade com o dólar, por causa de um choque fiscal que projetava cumprir, mas que os mercados rejeitaram. Esta dinâmica de instabilidade leva The Economist a cognominar o estado da nação de Britaly, mistura onde entra a simbologia da política italiana, o que pode assustar ainda mais os mercados. Onde a incerteza é mais visível é o mercado da dívida pública, os juros dos títulos a 5 anos fecharam acima dos registados a 10 anos: 3,99% e 3,97% respetivamente. Estão, na maturidade a 10 anos, abaixo do pico de 4,6% durante a sessão de 12 de outubro, mas a trajetória de subida do dia 20 de outubro interrompeu uma queda durante três sessões.
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O Presidente da República de Portugal, em visita à Irlanda, exprimiu o temor de que a crise britânica se reflita no resto da Europa, embora não necessariamente em Portugal. Porém, porque não o crê ou porque lhe custa a admiti-lo, não reconheceu que o Brexit não tornou imune a soberania britânica e que o liberalismo económico e o capitalismo financeiro se incompatibilizam de vez em quando, tornando os decisores políticos joguetes nas mãos do atual capitalismo financeiro selvagem e sem rosto e deixando os povos à nora. Esta economia mata os pobres e a classe média e descontenta os mais ricos, que asilam os seus lucros nos paraísos fiscais!
Começa, com fraco auspício, o reinado de Charles III, por falta de brandy do homónimo ibérico.

2022.10.21 – Louro de Carvalho


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